Vamos para mais um artigo, pessoal! O objetivo deste é esclarecer para vocês sobre a cardiopatia congênita cianótica mais comum: a Tetralogia de Fallot. É uma doença que permite uma sobrevida de alguns anos, mesmo que não tratada. Sua gravidade varia diretamente de acordo com o grau de acometimento das estruturas cardíacas.
Com isso, vamos começar nossa conversa!
O que caracteriza a Tetralogia de Fallot?
Como comentado anteriormente, há uma gama de variações e gravidades dessa doença. Porém, o mais clássico é:
. Obstrução do trato de saída do ventrículo direito (VD);
. Comunicação interventricular;
. Desvio da origem da aorta para a direita;
. Hipertrofia concêntrica de VD
Muitos indivíduos são acometidos por esta cardiopatia?
A prevalência da Tetralogia de Fallot (TF) é de aproximadamente 4 a 5 em 10.000 nascidos vivos. É responsável por 7-10% dos casos de cardiopatias congênitas. Acomete igualmente o sexo masculino e feminino.
Como é a anatomia cardíaca desses pacientes?
Para se entender as cardiopatias congênitas, temos que procurar imaginar as estruturas cardíacas e como se dá sua distribuição. O que sabemos é que, durante o desenvolvimento fetal, há um desvio anterior e cefálico do septo infundibular, e isso resulta no defeito do septo interventricular, podendo gerar uma comunicação entre as duas cavidades ventriculares (CIV), por um septo não alinhado.
A raiz da aorta “tenta compensar” este defeito e se desvia para a direita, levando a uma obstrução do trato de saída do VD. Como consequência disso tudo, o VD é exposto a trabalhar contra uma pressão maior do que a habitual, culminando em hipertrofia concêntrica do mesmo.
Agora vamos separar cada um dos defeitos e explicá-los um pouquinho melhor:
– Defeito do septo interventricular: em geral, é consequência de um único defeito subaórtico consequente de mal alinhamento do septo interventricular, localizado na porção perimembranosa do mesmo.
– Obstrução do trato de saída do VD: o desvio anterior e cefálico do septo infundibular culmina com uma obstrução subvalvar. A hipertrofia muscular dessa região pode acentuar tal obstrução. O anel valvar pulmonar geralmente é hipoplásico, porém pode ter dimensões normais. A própria valva pulmonar pode ser bicúspide e, muitas vezes, estenótica.
– Deslocamento da aorta: anomalia congênita em que a aorta se encontra “rodada” para a direita, deslocando sangue dos dois ventrículos para dentro da própria aorta.
O grau de deslocamento da aorta pode ser muito variado e esse é um dos principais fatores para diferenciar de uma outra alteração congênita, o duplo trato de saída de VD.
A Tetralogia de Fallot possui associação com outras anomalias cardíacas?
Sim! Está associada com uma série de outras anormalidades. Alguns exemplos são arco aórtico direito, defeitos coronarianos, vasos colaterais na circulação aórticopulmonar, ducto arterial patente, outros defeitos ventriculares, septo atrioventricular defeituoso, entre outros.
A TF tem componente genético?
Bom, embora o mais comum seja o quadro da TF fazer parte de uma síndrome, ela também pode ocorrer de forma esporádica. Nas formas esporádicas, já existem alguns casos demonstrando relação genética, com polimorfismos gênicos e mutações.
No entanto, a maioria dos casos relaciona-se com:
– Síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21);
– Síndrome de Alagille (mutação no JAG1);
– Síndrome de DiGeorge (deleção no cromossomo 22q11).
Como a doença age?
O fator mais determinante para o desenvolvimento da doença e seus sinais e sintomas é o grau de obstrução do trato de saída do VD. Vamos imaginar! Existe uma comunicação entre o ventrículo esquerdo e o direito (pela comunicação interventricular – CIV). Correto? Dessa forma, a cavidade que tiver mais pressão vai determinar o fluxo do sangue (se da direita para a esquerda, ou se da esquerda para a direita).
Dessa forma, o sangue vai passar da maior resistência para a menor (e não dependente do tamanho da CIV). Resumindo, se a pressão para vencer a aorta for maior do que para vencer a CIV, o sangue fluirá da esquerda para a direita (paciente acianótico). O oposto também é verdade, caso haja uma grande pressão a se vencer na artéria pulmonar (trato de saída do VD).
À medida que a obstrução do trato de saída do VD aumenta, também é aumentada a resistência ao fluxo sanguíneo no leito pulmonar, podendo deslocar o fluxo da direita para a esquerda pela CIV. Isso resulta em um volume importante de sangue dessaturado invadindo a circulação sistêmica, o que pode causar cianose. Como consequência de cianose e dessaturação crônica, o paciente pode desenvolver eritrocemia, numa tentativa de se adaptar.
Como esses pacientes se manifestam clinicamente?
Não vamos cansar de falar neste artigo! Tudo depende do grau de acometimento do trato de saída de VD! Este é o fator que vai determinar a gravidade e manifestações de cada paciente. Por exemplo:
– Recém natos que possuem obstrução severa, com uma circulação pulmonar inadequada, apresentam-se com cianose profunda ao nascer e necessitam de intervenção urgente;
– Naqueles em que a obstrução é moderada e o fluxo sistêmico e pulmonar são balanceados, os sintomas podem estar ausentes inicialmente. Muitas vezes serão descobertas após a ausculta de um sopro no atendimento inicial ou até mesmo durante o cuidado infantil. Nesses casos, a obstrução do trato de saída de VD é progressiva, tornando os pacientes cada vez mais sintomáticos e possivelmente cianóticos. Muito comum perceber os sintomas em períodos de excitação, agitação, esforço ou hipovolemia, podendo apresentar “crises cianóticas”.
– Em pacientes em que a obstrução é mínima, o período assintomático pode durar 4 a 6 semanas, quando começam a apresentar sinais de insuficiência cardíaca à medida que a resistência vascular pulmonar perinatal cai.
– Alguns recém nascidos acometidos podem ser identificados após triagem com oximetria de pulso que apresente falha. Por outro lado, em algumas regiões do mundo em que o cuidado possa ser mais precário, há diversos casos, de pacientes já em fase infantil, que só é descoberto após apresentar episódios de crises cianóticas ou cianose basal (e isso não é tão distante da nossa realidade! Mesmo no Brasil, ainda vemos diversos casos desta maneira!).
O que é a Crise Hipercianótica?
Este termo é utilizado para episódios de cianose profunda e aguda em pacientes com essa anomalia. Tipicamente surge em bebês que se encontram agitados, ou em situações de dor, febre, anemia, hipovolemia, após evacuação com esforço, alimentação. Em crianças mais velhas (com o defeito não corrigido), pode ocorrer após exercícios vigorosos.
Embora a crise hipercianótica costume ocorrer mais no período da manhã e após alimentação, ela pode acontecer em qualquer momento.
É caracterizada por hiperpneia, irritabilidade e cianose progressiva e severa. Por mais que alguns episódios possam se resolver espontaneamente, há também evoluções drásticas como perda de consciência e para cardiorrespiratória. Em lactentes, a intervenção imediata está indicada. Crianças que apresentaram tais episódios devem ser encaminhadas para procedimento cirúrgico a fim de evitar recorrências e desfechos possivelmente drásticos.
O que posso esperar do exame físico desses doentes?
Vamos focar na ausculta cardíaca (a palpação pode apresentar um impulso forte em topografia de VD, algumas vezes com frêmito), já que será o achado mais importante no exame físico desses pacientes.
Na ausculta, a primeira bulha cardíaca costuma ser normal, enquanto no componente da segunda bulha, raramente se ausculta o som pulmonar. Terceira e quarta bulhas são incomuns. Pode-se auscultar um sopro sistólico ao longo da borda esternal esquerda, indicando o fluxo passando pela aorta ascendente dilatada.
No entanto, o principal sopro auscultado na TF se dá pela obstrução do fluxo de saída do ventrículo direito. Tipicamente um sopro sistólico, tendo um componente crescente e outro decrescente, severo. É mais auscultado na borda esternal superior, podendo irradiar posteriormente. O ruído auscultado ocorre tanto pelo grau de obstrução quanto pela quantidade do fluxo que passa por tal obstrução. Na Tetralogia de Fallot (TF), diferentemente da estenose pulmonar isolada, a quantidade de fluxo diminui à medida que a obstrução aumenta, pois há também desvio de sangue da direita para esquerda pela CIV. Portanto, conforme a obstrução se acentua, o sopro torna-se mais suave.
Como e quando faço este diagnóstico?
Geralmente, esse diagnóstico é realizado através de um ecocardiograma. Outros testes que podem contribuir e sugerir algo são o eletrocardiograma e a radiografia de tórax (lembrando que os achados destes dois últimos podem ser sugestivos, mas não confirma o diagnóstico).
– O diagnóstico pré natal: o diagnóstico nesta etapa do desenvolvimento vem aumentando graças às melhorias na triagem pré natal e nos métodos de ecocardiografia. A vantagem do diagnóstico nessa etapa é permitir um planejamento pré natal adequado e se preparar para o parto.
– O ECOcardiograma: as imagens do ECOcardiograma, junto com o método de Doppler, são essenciais para o diagnóstico e avaliação pré operatória desses pacientes. Permite identificar a localização precisa e o número de saídas do VD, a anatomia da obstrução, anatomia das coronárias e da aorta, a presença de anomalias associadas.
– O Eletrocardiograma: pode demonstrar aumento de átrio direito e sinais de hipertrofia ventricular direita – desvio do eixo para a direita, onda R proeminente nas derivações anteriores e ondas S nas derivações posteriores. Uma onda T bem verticalizada em V1 (após dois dias de vida) e um padrão de qR nas derivações direitas do tórax também podem ser vistos.
– A Radiografia de Tórax: a radiografia clássica demonstra um paciente com coração em forma de bota, com ápice invertido e um segmento da artéria pulmonar principal em formato côncavo.
– O Cateterismo Cardíaco: pode contribuir para delinear ainda mais a anatomia (principalmente nos casos em que o ECOcardiograma possa deixar dúvidas). É muito útil para avaliar o grau de obstrução do trato de saída do VD, além de estenose ou hipoplasia de artéria pulmonar, anatomia das artérias coronárias, avaliar a presença de vasos colaterais e presença de defeitos do septo.
O cateterismo também pode possuir um papel terapêutico na TF. Por exemplo, valvoplastia da valva pulmonar por balão.
Bom, este artigo teve como objetivo apresentar o tema para vocês e torná-lo um pouco mais familiar. O tratamento não será abordado aqui neste momento, tamanha complexidade.