Encontrar um idoso, em internação hospitalar, que apresente períodos de flutuação da atenção, com episódios de agitação ou sonolência excessivas, é mais comum do que pensamos. A palavra “delirium”, que do latim significa “estar fora do lugar”, compreende um importante fator de risco em pacientes hospitalizados, principalmente aqueles com mais de 60 anos. É uma síndrome neuropsiquiátrica, considerada como emergência clínica, sem uma etiologia específica, caracterizada por alterações da consciência e atenção, percepção e pensamento, com alterações na memória, comportamento psicomotor e ritmo circardiano. Idosos vivendo na comunidade apresentam uma prevalência de episódios de delirium entre 1% e 2%, enquanto que em idosos hospitalizados a prevalência de delirium pode chegar até 40%; se avaliados idosos em unidades de pós operatório, esse índice pode alcançar até 60% dos casos; e em unidades de terapia intensiva, até 87%!
As apresentações clínicas podem ser muito variadas, mas podem ser classificadas, basicamente, em três maneiras: delirium hiperativo, hipoativo ou misto. O início do quadro é agudo e seu curso é flutuante, com prejuízo do estado de alerta do paciente e, comumente, desorientação têmporo-espacial. As alucinações e delírios (alterações do pensamento) não são essenciais para o diagnóstico, mas podem estar presentes em até 75% dos casos.
É sempre importante identificar a causa do delirium; por isso, diante de um paciente nessa condição, é essencial lembrar das principais etiologias. Como são muitas, existe um método mnemônico para guardar as principais causas: DELIRIUM – D de drogas (uso de psicotrópicos, quinolonas, hipnóticos/sedativos, bloqueadores H2, antidepressivos tricíclicos, antiparkinsonianos, entre outros), E de eletrólitos (principalmente sódio e cálcio, além de outras alterações metabólicas), L de “lack of drugs” (lembrar se o paciente retirou abruptamente algum medicamento que fazia uso crônico, principalmente benzodiazepínicos), I de infecção (uma das causas mais comuns de delirium em idosos, principalmente infecção do trato urinário), R de redução de funções sensoriais (pacientes que usam prótese auditiva ou dentária, ou óculos, têm sua sensibilidade ao meio externo alterada e são mais propensos a desenvolver delirium), I de “invasões” (pacientes, com sondas vesical e enteral, apresentam mais delirium do que os pacientes que não utilizam esses dispositivos), U de UTI e Urina (pacientes, em ambiente de unidade intensiva, têm alta prevalência de delirium; além disso, pacientes que fazem retenção urinária, e também fecal, têm mais chances de desenvolver delirium durante uma internação hospitalar) e M de miocárdio (lembrar de descompensações de insuficiência cardíaca e infarto agudo do miocárdio, que podem abrir o quadro de maneira atípica em idosos). Alguns pacientes possuem maior risco de apresentar quadro de delirium durante uma internação hospitalar, devendo ter maior atenção da equipe; pacientes de idade avançada, com perda cognitiva e funcional prévias, uso de dispositivos (sonda vesical ou enteral, cateter venoso), déficit sensorial (uso de aparelho auditivo, óculos e prótese dentária, prévios e retirados durante internação) e doenças crônicas graves apresentam alto risco para alteração da atenção durante o período de internação hospitalar, principalmente se essa internação for em ambiente de terapia intensiva.
Na emergência, pode ser difícil identificar um paciente com quadro de delirium, mas é essencial saber identificar esses casos e corrigir a causa o mais rápido possível. A ferramenta mais utilizada é o CAM (Confusion Assessment Method) que avalia o início agudo do quadro, presença de distúrbio da atenção com característica flutuante, desorganização do pensamento, alteração do nível de consciência, desorientação, prejuízo da memória, agitação ou retardo psicomotor, distúrbio da percepção e alteração do ciclo sono-vigília; o problema para utilização do CAM é que os profissionais devem ser treinados previamente para sua avaliação. Um outro instrumento de avaliação é o 4AT, rápido e de fácil aplicação, não necessitando de treinamento prévio, e pode ser utilizado em unidades de emergência para rápida identificação; ele avalia nível de alerta ou sonolência, orientação, atenção e flutuação, em um escore que varia de 0 a 12 pontos – se 4 ou mais pontos presentes, indica a presença de delirium.
A principal medida para o delirium é a prevenção e a utilização de recursos não farmacológicos, como a presença de calendários e relógios nos quartos dos pacientes, utilização de óculos e próteses auditivas, manter luminosidade durante o dia e ambiente escuro e calmo durante a noite, organização de rotinas pela manhã, nutrição e hidratação adequados, mobilização precoce em pós operatórios, entre outros. No entanto, se for necessário uso de medicação para redução da agitação (não há evidência de benefício de medicação em delirium hipoativo), as drogas de escolha são os antipsicóticos, com destaque para haloperidol, risperidona, Quetiapina e Olanzapina. Alguns hospitais utilizam modelos padronizados de medidas preventivas, como o modelo HELP (Hospital Elder Life Program), que tem seu foco na prevenção de delirium em idosos internados, mas também é utilizado para prevenção de declínio funcional e de quedas, com o objetivo de otimizar a independência do paciente na alta. A ocorrência de delirium pode significar pior prognóstico durante a internação hospitalar, mas também no pós-alta, pois é sabido que a presença dessa alteração da atenção se torna importante fator de risco para o desenvolvimento de síndromes demenciais e, consequentemente, perda da funcionalidade do idoso. É importante ter em mente a identificação precoce e o tratamento da causa-base do delirium, visando manter a condição funcional do idoso, além da atenção com as medidas preventivas.