Quem nunca ouviu falar sobre essa querida bactéria, presente em boa parte dos seres humanos? Com certeza você já soube de alguém com um quadro de úlcera gástrica, ou um conhecido que faz uso regularmente de omeprazol e alguns de seus derivados. O H. pylori tem uma narrativa um tanto quanto curiosa, que muitos sequer sabem de sua procedência. Neste artigo você saberá onde, como e quando tudo começou. Vamos conhecer a história do Helicobacter pylori?
A descoberta
Começamos a nossa linha do tempo em 1937 com Robin Warren, um renomado patologista australiano, ganhador do prêmio Nobel. Warren, ao examinar uma lâmina de um paciente com sinais de gastrite crônica em atividade, observou que havia uma linha azulada na superfície da mucosa gástrica dele. Após essa descoberta, ele acreditou que isso era devido a pequenos bacilos que estavam ali aderidos naquele epitélio. Depois desse período, já em 1951, Marshall, um estudante de medicina, como parte de seu treinamento para se formar, realizou dois projetos de pesquisa. No primeiro, ele analisou as endoscopias dos pacientes e verificou a prevalência desses achados endoscópios. Já o segundo, o objetivo era elucidar o papel de uma dada bactéria que havia sido observada em algumas biópsias de estômago. Marshall, portanto, preferiu seguir a diante com esse projeto. Após analisar a lista dos pacientes submetidos a àquele procedimento, ele verificou que um deles apresentava os sintomas da doença que ele estava estudando.
O laudo da endoscopia revelou uma gastrite antral nodular, mas sem a presença de úlcera. Já que ela não foi encontrada por Marshall, seu staff orientou que o paciente fosse para casa apenas com medicamentos sintomáticos como, por exemplo, a amitriptilina. Ele suspeitou que o quadro apresentado pelo paciente de Marshall era emocional, solicitando inclusive um acompanhamento ambulatorial com o psiquiatra do hospital. Uma semana depois do ocorrido, o enfermo, mesmo tomando as medicações corretamente, não obteve melhora. Mediante a esse quadro, ele retornou ao ambulatório de Marshall e solicitou a realização de novos exames para fins de diagnóstico. Esse fato intrigou a cabeça de Marshall que decididamente resolveu investigar mais a fundo a etiologia dos sintomas apresentados.
Analisando as biópsias do estômago, Marshall e Warren notaram a intensa semelhança do Campilobacter jejuni com o bacilo que estaria causando as alterações descritas e observadas na endoscopia. Depois dos resultados obtidos, foi realizado um estudo retrospectivo de pacientes indicados a endoscopia digestiva alta (EDA). Essas pessoas que seriam analisadas, concordaram em fazer a retirada de duas amostras de sua mucosa gástrica para o exame laboratorial. Após o resultado do diagnóstico, percebeu-se que havia uma grande associação entre a presença daqueles organismos e a inflamação da mucosa estomacal dos enfermos. Além disso, eles viram que, dentre os indivíduos que realizaram o cultivo da amostra, quase 30% evoluíam com úlcera gástrica, e todos eles apresentavam o Helicobacter pylori. E foi assim que se observou a associação desta bactéria com a ocorrência de úlcera gástrica e duodenal nas pessoas que possuem a bactéria.
Quanto a sua nomenclatura, ela inicialmente foi nomeada de Campylobacter pyloridis, sendo posteriormente chamada de Campylobacter pylori e finalmente em 1989 foi reconhecida como Helicobacter pylori. Esse nome foi dado de acordo com a sua morfologia, que era helicoidal , e seu formato espiralado permite a passagem pela camada de muco, que protege aquele epitélio do estômago, com mais facilidade. Quanto as características dessa bactéria, foram descritos que era uma gram-negativa, microaerófila. Ela necessitava de pequenas quantidades de oxigênio para manter o seu metabolismo normal e conseguir se replicar. Além disso, estava associada com exclusividade à mucosa gástrica; ela mede aproximadamente 3 micrometros. Sua afinidade pela mucosa se dá a princípio pela presença das adesinas.
As primeiras tentativas de tratamento
Depois da descoberta de qual era a bactéria responsável por aqueles casos, e após terem observado as características morfológicas dela, os pesquisadores precisavam encontrar alguma maneira de combate-la do organismo dos indivíduos. Se eles conseguissem eliminar a bactéria causadora dos casos de úlcera gástrica e duodenal, dentro daquela determinada população, os casos de úlcera iriam diminuir. Em 1981, Marshall propôs um primeiro método terapêutico. Esse tratamento foi baseado na administração de um antibiótico (tetraciclina) durante 14 dias. O paciente que recebeu a medicação apresentou melhora significativa dos sintomas e, após repetir a endoscopia digestiva alta, também não haviam mais achados de Helicobacter pylori em sua mucosa gástrica. Além disso, Marshall aplicou um novo tratamento para esses pacientes com sal de bismuto e metronidazol. Ele observou que, dentre as pessoas tratadas com metronidazol, 90% deles eram sensíveis ao medicamento, por isso resolveu adicionar ele ao tratamento oficial do Helicobacter pylori.
Autoinoculação
Como se não bastasse estudar essa bactéria, Marshall precisava sentir na pele (literalmente) o que eram esses efeitos por ela causados. Ele tinha que verificar se aquele tratamento proposto (com metronidazol) era realmente eficiente na erradicação da bactéria do organismo. O médico ingeriu uma suspensão contendo o Helicobacter pylori, e teve o seguinte resultado: após 7 dias ele apresentou o quadro de uma gastrite aguda, com náuseas e vômitos persistentes. Feito isso, iniciou o tratamento com metronidazol, obtendo melhora, felizmente. A gastrite aguda era o principal sintoma apresentado pelos pacientes infectados com aquela bactéria. Ela nada mais é do que a inflamação da mucosa gástrica de maneira súbita. Além de náuseas e vômitos, os enfermos poderiam apresentar também dores de estômago. Esses sintomas duram, em média, 1 semana e costumam se resolver em poucos dias, quando não são causados pelo H. pylori.
Analises Clinicas
Marshall desenvolveu o primeiro teste capaz de identificar e diagnosticar essa bactéria, que era baseado na atividade da urease (enzima liberada pelo Helicobacter). Essa análise, inclusive, constitui o principal mecanismo de identificação do H. pylori nos dias de hoje. O teste da urease é feito junto com o exame de endoscopia digestiva alta, que irá realizar como se fosse uma biópsia daquela mucosa gástrica e levado para um tubo de ensaio contendo ureia. Se o tubo adquirir uma coloração avermelhada, dizemos que o teste da urease foi positivo, pois houve um aumento no pH do frasco as custas da enzima urease. Já se o frasco não apresentar mudanças em sua coloração, chamamos de teste da urease negativo, ou seja, não existe H. pylori naquela amostra específica do estômago, uma vez que essa bactéria que é a responsável pela produção da enzima urease. Essa enzima produzida pelo H. pylori é capaz de converter a ureia em amônia e CO2, substâncias que irão ser posteriormente convertidas em bicarbonato. Esse mecanismo se faz presente, pois a amônia é uma substância que traz benefícios para a sobrevivência da bactéria, uma vez que ela ajuda na neutralização da acidez gástrica, minimizando a destruição da bactéria pelo suco gástrico.