A data 25 de novembro marca o dia internacional do doador de sangue. Dia de extrema importância para conscientização da população quanto à necessidade da doação. De fato, existe uma forte carga de magia, fascínio e medo ainda relacionadas com o sangue, integrando as mais diversas culturas e religiões desde muitos anos.
A transfusão, de uma forma geral, pode ser dividida em três fases: pré-histórica – que vai até a descoberta da circulação sanguínea pelo britânico William Harvey, período pré-científico – que vai desde a desde a descoberta da circulação sanguínea em 1616 até a revelação da existência do grupo sanguíneo ABO pelo pesquisador austríaco Landsteiner – e por último o período científico – que tem início com a descoberta de Landsteiner até os dias atuais.
O médico britânico Richard Lower, em Oxford, foi responsável pelas primeiras transfusões de sangue, datadas no ano de 1655, realizadas através de experimentos em animais. As primeiras experiências com seres humanos descritas foram em 1667, em Paris, com Jean Baptiste Denis – médico do Rei Luís XIV.
Essa experiência na França foi feita com um tubo de prata, no qual foi inserido sangue de carneiro em Antoine Mauroy, de 34 anos, que veio falecer possivelmente em consequência da terceira transfusão.
Na época, as transfusões eram heterólogas – realizadas com animais de espécies distintas. No entanto, essa era uma prática considerada criminosa, sendo proibida primeiramente na Faculdade de Paris, e depois em Roma e na Royal Society, na Inglaterra.
As práticas, embora proibidas, não foram deixadas de lado por completo. No fim do século XVIII, Pontick e Landois, após experiências sem sucesso com transfusões heterólogas, iniciaram os trabalhos com as transfusões entre animais da mesma espécie, obtendo sucesso.
James Blundell, em 1818, realizou a primeira transfusão com sangue humano em mulheres com hemorragia pós-parto. Embora tenha sido um grande avanço, ainda existiam problemas relacionados à transfusão homóloga, como a coagulação e as reações adversas.
Na Plataforma do Jaleko, temos uma videoaula sobre Introdução à Coagulação, que pode ser do seu interesse.
Tentou-se algumas técnicas cirúrgicas como utilizar a artéria do doador e a veia do receptor, procedimento que ficou denominado “braço a braço”.
Em 1835 o doutor Andrew Buchanan da Universidade de Glasgow traz um conceito específico de um elemento sanguíneo capaz de iniciar a coagulação, nomeando-o de fator tissular.
Em seguida, surgiram os conceitos de plaquetas (1882), descrição do fenômeno da coagulação (1905), descoberta da heparina (1916), tempo de protrombina (1935), tempo de tromboplastina parcial ativada (1953), os fatores de coagulação (1954), cascata de coagulação (1964), dentre outros conceitos importantes que auxiliam direta e indiretamente na compreensão da transfusão.
Em 1900, o imunologista Karl Landsteiner – vencedor do prêmio Nobel de Medicina em 1930 – percebeu que o soro do sangue de uma pessoa muitas vezes aglutina ao ser misturado com o de outra pessoa, o que levou à descoberta do grupo sanguíneo ABO. Mais tarde, em 1940, foi descoberto o sistema Rh.
Um marco importante foi durante a guerra civil espanhola, em 1939, na qual foi realizada a primeira transfusão de sangue coletado e armazenado em garrafas de vidro.
Um médico francês organiza uma rede de doadores de sangue que apoiavam os rebeldes que lutavam contra os fascistas comandados pelo general Franco. Surgem, então, durante a segunda guerra mundial, os primeiros bancos de sangue e a transfusão começa a fazer parte da rotina médica.
No Brasil, os primeiros a realizarem a prática da transfusão foram os cirurgiões.
No entanto, o relato mais positivo da época – 1910 -, foi de Garcez Fróes, um professor de clínica médica de Salvador que utilizou um aparelho de agote e realizou uma transfusão de 129 ml de sangue de um trabalhador do hospital para uma mulher com uma grande metrorragia por pólipo uterino.
Além da hemoterapia na década de 40 começar a fazer parte das especialidades médicas, vários ‘’bancos de sangue’’ começaram a ser inaugurados em diversas capitais brasileiras, sendo o primeiro público criado em Porto Alegre em 1941, seguido de um no Rio de Janeiro.
Ao contrário de como era realizado na Europa, no Brasil o sistema transfusional era através da doação remunerada. Esse cenário favorecia o recrutamento de pessoas enfermas, alcoolistas, mendigos e anêmicos, que doavam com o intuito de receber o pagamento.
Em 1964, no governo de Castelo Branco, foi criada a Comissão Nacional de Hemoterapia, que estabelece a Política Nacional de Sangue. A comissão foi extinta em 1976 e era responsável por organizar a distribuição de sangue, a doação voluntária, a proteção ao doador e ao receptor, o estímulo à formação de recursos humanos, dentre outros.
No entanto, em 1969, a Organização Mundial da Saúde (OMS), preocupada com o rumo da hemoterapia no Brasil, envia o francês Pierre Cazal para analisar a situação nacional.
Pierre criou um relatório que dizia ocorrer doações remuneradas e sem critério, comercialização do plasma, doador que não estava apto e sem assistência, sorologia precária, transfusões sem critérios médicos e carência de recursos humanos.
Na década de 80, criou-se o Programa Nacional de Sangue e Hemocomponentes (Pró-sangue), com o intuito de melhorar a situação da hemoterapia no Brasil. Surgem, então, os centros de hematologia e hemoterapia, o que chamamos de hemocentros, pondo um ponto final na prática de doação remunerada.
É importante lembrar que o surgimento da AIDS na mesma década, transforma de forma intensa a situação da hemoterapia no Brasil. O elevado número de casos de contaminação pelo HIV por meio da transfusão sanguínea provoca a opinião pública, levando à proibição definitiva da doação remunerada.
Na Constituição de 1988, então, através do artigo 199, ficou documentado a proibição de toda e qualquer forma de comercialização do sangue ou dos seus derivados.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, em 2019, 16 a cada 1000 pessoas são doadores de sangue – cerca de 1,6% da população, estando dentro do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de ter pelo menos 1% da população do país doadora.
O Brasil é referência em doação de sangue na América Latina, Caribe, África e Europa. De acordo com as informações fornecidas pelo governo, em 2019 foram coletadas 3,271 milhões de bolsas de sangue, uma queda de 2,5% ao longo de quatro anos, enquanto foi registrado um aumento no número de transfusões.
Quando falamos do panorama internacional, a Dinamarca é o país com maior estoque de sangue, com mais de 14 mil unidades a cada 100 mil pessoas. Enquanto no Sudão do Sul, que vive uma guerra civil, a situação é a pior: há apenas 46 bolsas para cada 100 mil indivíduos.
No que tange à doação de sangue, existem alguns requisitos necessários: estar em boas condições de saúde, ter entre 16 e 69 anos – sendo que menores de 18 anos necessitam de autorização do responsável -, pesar no mínimo 50 kg, ter dormido pelo menos 6 horas nas últimas 24 horas e estar alimentado – evitando alimentação gordurosa nas últimas 4 horas que antecedem a doação.
Em relação aos impedimentos definitivos, temos: gravidez, anemia, febre no dia da doação, evidência clínica ou laboratorial das seguintes doenças: hepatites B e C, AIDS, HTLV I e II, Doença de Chagas, Malária, câncer e Parkinson. Ter distúrbio de coagulação, diabético em uso de insulina, já ter tido Hanseníase, Tuberculose extrapulmonar, Brucelose, entre outros.
O indivíduo que deseja doar sangue é cadastrado através de um documento oficial com foto e recebe um questionário para ser respondido. Posteriormente, ele passa pela triagem clínica, na qual ocorre uma avaliação do doador por um profissional da saúde, em um lugar sigiloso e com privacidade.
Em seguida, ocorre de fato a coleta do sangue, com descarte do material utilizado para evitar o risco de contágio de doenças. Ao final da coleta, o indivíduo recebe um lanche e informações sobre os cuidados básicos que devem ser tomados após doar o sangue.
A doação sofre interferência cultural e religiosa. No Brasil, as Testemunhas de Jeová tanto não aceitam transfusões de sangue total ou dos seus componentes, como também não doam sangue. Além disso, é possível perceber que em países mais desenvolvidos a prática de doar sangue é muito mais incentivada do que naqueles de menor renda.
Existem inúmeras situações em que é necessário transfundir, como: anemia severa, hemorragia grave, queimaduras extensas, hemofilia e pós cirurgias de grande porte.
Portanto, o dia 25 de novembro é uma data bastante especial. O sangue doado é capaz de salvar inúmeras vidas. Um forte agradecimento a todas as pessoas que se sensibilizam e são capazes de doar o sangue para ajudar o próximo. Que mais indivíduos possam contribuir com essa prática e ajudar a melhorar a situação dos bancos de sangue em todo o país.