Ah, a anestesia! Tem quem ame, tem quem odeie. Mas não se pode negar que é uma especialidade que cresce muito a cada dia, exige extrema dedicação e atualização constante do médico.
Hoje, em comemoração a esse dia especial, serão levantados aspectos importantes da vida do anestesiologista. Então, se você está em dúvida se quer seguir essa carreira, vem comigo, e vamos descobrir juntos, “na alegria e na tristeza”, os altos e baixos da profissão!
Por onde começar?
A anestesia, com o nível de qualidade e segurança que conhecemos hoje, é uma aquisição muito recente na história da humanidade, e vem se aprimorando nas últimas décadas. Na antiguidade, passamos pelo uso de algumas espécies de ervas e plantas, como o ópio, e até mesmo o ato de embebedar os pacientes, para a realização de cirurgias. Em meados do século XIX o éter e o clorofórmio começaram a ser utilizados. Isso quer dizer que há muito tempo já se faziam procedimentos praticamente “a frio”.
Há quem diga que a anestesia foi a melhor invenção do homem, e eu nem preciso dizer o porquê, né? Afinal, essa foi a especialidade que escolhi pra chamar de “minha”. O propofol, por exemplo, que todo mundo já ouviu falar, e é usado na grande maioria dos casos, só foi introduzido na década de 70. Ou seja, há pouquíssimo tempo, comparado ao surgimento de outras especialidades.
O que faz um anestesiologista?
Se você assiste series médicas como Grey’s Anatomy e pensa “acho o máximo ser cirurgião, eles reanimam o paciente durante parada cardiorrespiratória, transfundem sangue quando tem hemorragia, pedem pra fazer a droga tal pra aumentar a pressão, salvam os pacientes das complicações”, você deveria ser… anestesista! Brincadeiras à parte, é o anestesista que atua nessas situações (desculpa te decepcionar), na imensa maioria das vezes.
Esse profissional, em poucas palavras, é responsável por dar conforto, tirar a dor e aliviar o sofrimento. Não é o simples ato de “botar o paciente pra dormir”, vai muito além disso.
Envolve a visita pré-anestésica, que idealmente deve ser feita antes do dia da cirurgia, onde avaliamos as comorbidades, uso de medicações, cirurgias prévias, alergias, exames (quando necessários), via aérea, dentre outros.
Passa pela responsabilidade, junto ao cirurgião, em otimizar sua condição física, quando não em caráter de urgência, para minimizar as complicações.
E durante a cirurgia, oferecer sedação/hipnose (redução/perda da consciência), analgesia (ausência de dor peri e também pós-operatória) e imobilidade com bloqueio neuromuscular, quando necessário.
Monitoramos e intervimos durante todo o tempo nos parâmetros hemodinâmicos e respiratórios e agimos imediatamente diante de algumas condições.
Somos os especialistas mais capacitados na realização de intubação orotraqueal, e atuamos em vários procedimentos, como bloqueio de neuroeixo (raquianestesia, peridural), bloqueio de nervos periféricos, punção venosa profunda e arterial, etc.
O ato de anestesiar tira o paciente de suas condições fisiológicas circulatórias, respiratórias, neurológicas… enfim, temos que saber induzir, mas também manter a estabilidade para que tudo corra bem. Já ouviu a máxima “fazer dormir é o de menos, o meu maior desafio é te fazer acordar”? É bem por aí.
Podemos trabalhar com diversas especialidades, devemos saber “um pouco de tudo” (ou não seria “muito de tudo”?). Então, se você gosta de ortopedia, mas tem uma queda por cirurgia cardíaca, ótimo! Vai estudar como fazer bloqueios periféricos para analgesia pós-operatória, mas também vai saber como ninguém administrar vasopressores, inotrópicos, vasodilatadores, lidar com paciente grave, manejar saída de circulação extracorpórea, e muitas outras peculiaridades que cada especialidade cirúrgica exige.
Tá, mas e o contato com o paciente que o cirurgião tem? Eu quero ter!
Antes de tudo, eu queria dar um conselho: se você ama a medicina, é fácil ser bom para o seu paciente, independente da sua escolha. Seu contato com o paciente é breve? Não tem problema, faça daquelas poucas horas com ele, as melhores.
O anestesista faz tudo aquilo citado acima, mas também pode reduzir a angústia, a preocupação pré-operatória. Às vezes nem é necessário fazer o famoso midazolam antes da cirurgia para segurar a ansiedade, apenas um bom diálogo já resolve 90% do problema.
Se coloque sempre no lugar do outro. Quem já foi paciente sabe o quão importante é ser ouvido e respeitado. Pegue na mão, seja humano. É possível sim exercer a relação médico-paciente nessa especialidade, e muito! Se você for um bom profissional, o paciente será eternamente grato.
Existem anestesistas bem próximos dos pacientes, assim como existem cirurgiões ou clínicos frios, sem empatia (já vi casos do paciente só se lembrar do anestesista e nem saber quem lhe operou). Você vai ser a primeira pessoa a chegar e a última pessoa a sair da sala. A última pessoa que o paciente vai ver antes de dormir e a primeira ao acordar. Faça valer a pena esses momentos, depende de você.
Como saber durante a faculdade se eu sirvo pra isso?
Aquele “estalo” na hora de optar pela especialidade pode acontecer ainda no ciclo básico, quando estamos aprendendo fisiologia e farmacologia. Essas duas matérias são fundamentais e devem ser dominadas por qualquer anestesista, então você deve ter algum interesse.
No ciclo clínico, quando começa a aprender sobre cirurgia e a própria anestesiologia, embora às vezes mais superficialmente, já pode dar uma boa noção da carreira que quer seguir.
E por fim, no internato, no rodízio de cirurgia, não fique só em campo auxiliando o cirurgião, vá para “trás do pano” e cole no anestesista, peça pra ele te passar o caso, mostrar o que está diluindo, administrando, o que é importante se atentar praquela cirurgia especificamente.
Como posso me preparar pra residência ainda na faculdade?
Estudar e praticar! Essa é uma especialidade que tem muito conhecimento de diversas áreas, mas o forte são os procedimentos. A faculdade em si costuma preparar muito pouco, o foco é muito maior na teoria e em conhecimentos em cirurgia propriamente dita, então você tem que correr atrás. Dar plantão em terapia intensiva é, na minha opinião, indispensável. Tanto para treinar procedimentos, como intubação, quanto adquirir confiança e especialmente, saber manejar pacientes graves e complicações potenciais, saber agir em situações críticas.
Como aproveitar melhor a residência médica e quais qualidades devo ter?
Normalmente, durante os 3 anos de residência, a carga horária é pesada e a curva de aprendizado é bem íngreme. Isso quer dizer que você entra sem saber o que fazer na maioria das vezes, fica totalmente perdido e pensa “nunca vou conseguir fazer uma anestesia sozinho, não fui preparado pra isso na faculdade”. Mas em poucos meses, com dedicação que toda especialidade requer, você já estará mais seguro e muito mais preparado.
Mais um conselho aqui: aproveite muito a residência e o que ela tem a oferecer de conhecimento, mas, principalmente, exerça a paciência e bom relacionamento com as equipes (eles podem futuramente te convidar a se juntar a eles no futuro), se aventure em cirurgias grandes e desafiadoras, e não se deixe abater com as complicações dos pacientes, pois elas vão ocorrer, e muito! A melhor hora de ver complicação e casos difíceis é justamente essa, quando estamos com pessoas mais experientes ao nosso lado para dar apoio. Depois, você estará sozinho anestesiando, e quando acontecer algum problema, já vai saber agir instintivamente. Em anestesia tudo acontece rápido e muitas vezes não há tempo de pensar muito, a resposta tem que ser “medular”.
E a última e melhor dica: mantenha a CALMA! Ela que te dá clareza para organizar seus pensamentos em frações de segundo para detectar o problema, formular a solução e agir. Desespero é o pior inimigo do anestesista.
Mas e o mercado de trabalho?
A vantagem é que logo após a residência, o anestesiologista já teve uma grande curva de aprendizado que idealmente o permite fazer praticamente todo tipo de anestesia.
No Rio de Janeiro, se você tem uma boa relação com alguns cirurgiões e outros anestesistas de algumas equipes, pode ser convidado a participar. Dessa forma, a remuneração depende muito disso e da quantidade de horas dedicadas ao trabalho.
Existe a opção de dar plantões e, como em outros estados, participar de grandes grupos de anestesistas.
Até o momento é uma das especialidades mais compensadoras financeiramente, desde o início da carreira, mas o mercado está mudando, as operadoras de saúde estão interferindo mais, e o futuro é incerto.
Outra área de atuação interessante e que vem crescendo muito é o de Clínica da Dor, então muitos estão investindo em pós-graduação.
Em alguns hospitais, existe a possibilidade de fazer R4 para se subespecializar, como em anestesia para cirurgia cardíaca e cirurgia pediátrica, por exemplo.
Também é interessante manter o contato com a Terapia Intensiva, como plantonista ou até mesmo rotina. E alguns dedicam algumas horas da semana para atender ambulatorialmente os pacientes em consultas pré-anestésicas, o que é muito interessante e, para o paciente, melhor ainda, pois melhora ainda mais a relação médico-paciente, a otimização pré-operatória e, consequentemente, o resultado final.
Resumindo, costumamos dizer que o anestesista é “multitarefas”, está ligado em tudo ao mesmo tempo. No campo cirúrgico, no monitor, no paciente, no cirurgião, na ventilação mecânica, no posicionamento adequado, no soro, nas drogas que estão sendo infundidas, na preparação de outras drogas que vão ou podem ser necessárias, na temperatura da sala, na organização e segurança do ambiente… ufa! Se for citar tudo, é um artigo à parte. E sim, amamos café. 😀
Wauuu amei este conteúdo.
AHHHHHHH que bom que curtiu nosso artigo, Isidia! Esse tipo de comentário é o que nos motiva para continuar o projeto (=