Muitas das coisas que temos acesso no nosso dia a dia passam despercebidas por nós, inclusive a importância da sua descoberta, e na Medicina isso não é diferente.
Você já parou para pensar na importância do descobrimento e invenção dos métodos contraceptivos e dos preservativos? Já imaginou como seria a vida hoje sem os mesmos? Consegue pensar?
Bom, esse é mais um dos artigos “História da Medicina” e vai abordar essa questão: os preservativos.
Preservativos e outros dispositivos de barreira têm sido populares ao longo da história para a redução da incidência de gravidez e da propagação de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como exemplos a sífilis, gonorreia, AIDS, entre diversas outras.
Os métodos contraceptivos possuem uma longa história. Desde o tempo dos antigos egípcios há relatos de tentativas de contracepção (embora se fizesse um método não muito “agradável”). Eles colocavam esterco de crocodilo (com pH alcalino, assim como muitos espermicidas modernos) misturado com mel dentro da vagina na tentativa de evitar a concepção.
Também nessa época era comum a presença de “protetores de pênis”, utilizados pelos homens, confeccionados em linho ou a partir de intestinos de animais. Esses tinham como função proteger o órgão contra galhos e picadas de insetos durante as caçadas, e não como contracepção.
UM POUCO DE MITOLOGIA E A CAMISINHA:
A mitologia que foi responsável por apresentar a camisinha para o Ocidente. O rei Minos, filho de Zeus e Europa, era casado com Pasiphe. O monarca era conhecido pelo seu amor pelas mulheres e suas inúmeras amantes.
Por obra de sua esposa, Minos começou a ejacular serpentes, escorpiões e lacraias, que matavam todas aquelas que se deitassem com o soberano. Pasiphe era imune ao feitiço, mas tornou o rei incapaz de procriar. Minos se apaixonou por Procris.
Para evitar que a relação com Minos lhe trouxesse a morte, Procris introduziu em sua vagina uma bexiga de cabra. Os monstros ficaram aprisionados na bexiga e Minos voltou a poder ter filhos (alguma analogia?).
AS PRIMEIRAS DESCRIÇÕES DO PRESERVATIVO:
Uma das primeiras descrições oficialmente publicadas do preservativo ocorreu em 1564, quando o médico e cientista italiano Gabriele Fallopio (aquele mesmo, das trompas de Falópio) descreveu uma bainha de linho que servia como proteção contra a sífilis.
Durante o século XVI, a disseminação de DSTs assolava a Europa, o que fez Fallopio buscar uma solução. A bainha era na verdade um forro de linho do tamanho do pênis e embebido em ervas, denominado De Morbo Gallico (termo encontrado em um artigo escrito pelo cientista em 1564).
Neste documento ele descreve suas observações: “Eu tentei a experiência em onze centenas e chamo o Deus imortal para testemunhar que nenhum deles foi infectado.”.
Shakespeare denominou esse material como “luva de Vênus”. O famoso aventureiro, autor e mulherengo veneziano Giacomo Casanova usava preservativos naturais para a pele, referindo-se a eles como “casacos de montaria ingleses, que dão descanso à mente.”.
No final do século XVI, os preservativos de linho passaram a ser embebidos em soluções químicas e depois secados. Eram os precursores dos espermicidas modernos.
SÉCULO XVII:
Uma etapa importante na evolução e história dos preservativos ocorreu neste século, quando o médico inglês conhecido como doutor Condom, espantado com o número de filhos ilegítimos de Carlos II da Inglaterra (1630-1685), criou para o rei um protetor feito com tripas de animais.
Por isso, o termo camisinha, em inglês, é “condom”, em homenagem a esse médico.
SÉCULO XVIII – EPISÓDIO CONTRIBUINTE PARA A DIFUSÃO DA CAMISINHA:
Ao final da Guerra de Sucessão Espanhola, líderes das principais nações europeias reuniram-se na cidade de Utrecht. Esse evento foi tão importante que atraiu para o local todo tipo de donzelas, ávidas e esperançosas em proporcionar prazer e diversão aos congressistas e desejosas por conseguir algum dinheiro.
Mas traziam na sua bagagem também algo já bem conhecido na ciência europeia naquela altura: as famosas doenças venéreas. Um artesão habilidoso local decidiu costurar na forma de uma bainha anatômica um ceco de carneiro e produziu, assim, um preservativo.
Havia um temor importante em relação às DSTs naquela época, e tinham seu real motivo: os recursos terapêuticos eram pouquíssimos eficientes.
Doenças como sífilis eram praticamente incuráveis e letais, além de todo tipo de preconceito presente também (devemos lembrar que o tratamento curativo para a sífilis, a penicilina, só surgiu na segunda metade do século XX).
O TERMO “PRESERVATIVO” E O TERMO “CAMISINHA”:
Pelo que temos conhecimento, essa expressão só apareceu pela primeira vez em anúncios de casas de prostituição parisienses, em 1780: “Nesta casa fabricam-se preservativos de alta segurança, bandagens e artigos de higiente.”.
Rapidamente o termo foi substituído por uma expressão: “redingote anglaise”, que quer dizer “sobretudo inflês”, sendo equivalente ao termo “camisa de Vênus”, de forma mais íntima, “camisinha”.
O PRESERVATIVO DE BORRACHA:
Em 1839, Charles Goodyear descobriu o processo de vulcanização da borracha (ou seja, transformação da borracha crua em uma estrutura mais elástica e resistente). Isso permitiu, posteriormente, a confecção de preservativos de borracha.
O primeiro preservativo deste material foi produzido em 1855. O primeiro anúncio de venda oficialmente publicado ocorreu em 1861, no New York Times. Na época, eram grossos e bem caros, eram lavados e reutilizados diversas vezes, até que a borracha arrebentasse.
FINALMENTE, O LÁTEX E A EVOLUÇÃO DA CAMISINHA:
A verdadeira evolução surgiu com as camisinhas de látex, a partir de 1880.
– 1901: primeira camisinha com reservatório para o esperma surge nos Estados Unidos.
– 1920: maior desenvolvimento dos preservativos de látex, mais finos do que os de borracha e menor trabalho para serem produzidos.
– Década de 1930: linhas de produção automatizadas de preservativos com a utilização de máquinas. Cresce a popularidade das camisinhas de látex.
– 1935: cerca de um milhão e meio de camisinhas foram comercializadas nos Estados Unidos.
– Décadas seguintes: a camisinha cai em desuso, principalmente após a descoberta da pílula anticoncepcional (década de 1960).
– Década de 1980: o surgimento da AIDS muda definitivamente a mentalidade mundial – falar abertamente sobre sexo seguro passou de tabu à extrema necessidade e obrigação. A camisinha volta a ter papel importantíssimo na prevenção tanto da concepção quanto das DSTs.
CURIOSIDADE: A ILEGALIDADE DOS PRESERVATIVOS:
Nem sempre o uso de preservativos foi visto com bons olhos e até hoje algumas correntes defendem o não uso dos mesmos.
Alguns exemplos rápidos:
– Em 1873, a Lei Comstock, dos EUA, permitia que os correios confiscassem preservativos vendidos por esta forma de transporte e entrega.
– Em 1890, Julius Schmidt, gerente de uma famosa empresa de Nova York que inicialmente fabricava preservativos de pele, foi preso por ter cerca de 700 preservativos em sua própria casa.
– A Alemanha proibiu o uso civil de preservativos em 1941.
– Os preservativos não podiam ser vendidos legalmente na Irlanda até 1978.
No entanto, acredito que não haja mais lugar para tais crenças. Ainda hoje, a camisinha é o único método capaz de reunir em apenas uma ferramenta a prevenção da gravidez indesejada e das doenças sexualmente transmissíveis.
Estima-se que nos dias atuais mais de cinco bilhões de camisinhas sejam consumidas anualmente. Com a evolução do tempo, outras modernidades foram desenvolvidas, como variedade de tamanhos e espessuras, cores, entre os mais diversos itens.