As cardiomiopatias, em geral, são doenças que acometem o músculo cardíaco, com uma gama enorme de variações fenotípicas, tanto estruturais, quanto funcionais. Apesar de conhecermos muitos dos fatores que podem levar à cardiomiopatia (hipertensão arterial sistêmica, doença isquêmica, doença valvar, álcool, entre outros), um fator que se torna cada vez mais importante na área médica, como agente causal de cardiomiopatia, são as arritmias, principalmente as de frequência cardíaca elevada, dando origem a um novo termo, conhecido como Taquicardiomiopatia.
Esta é uma entidade relativamente rara, originada da doença estrutural cardíaca, ocasionada como consequência de um longo período exposto a uma taquiarritmia. Qualquer taquiarritmia é capaz de ocasionar a situação descrita. No entanto, quando tratada, possui um excelente prognóstico, sendo importante reconhecê-la.
A real incidência dessa desordem ainda é desconhecida, porém já é sabido que, tanto taquiarritmias supraventriculares, quanto as ventriculares, são capazes de ocasionar uma disfunção ventricular potencialmente reversível.
QUEM SÃO OS PACIENTES MAIS ACOMETIDOS?
Ainda precisamos de mais estudos sobre o assunto para elucidarmos este tópico de forma mais completa. Porém, na literatura médica, o que mais verificamos é que a faixa etária mais acometida se encontra entre 30-60 anos (ou seja, pacientes adultos jovens), com maior prevalência em homens (60 x 38%), em populações que possuem taquiarritmia crônica ou episódios paroxísticos muito frequentes.
QUAL O MECANISMO QUE ESTÁ POR TRÁS DISSO?
Vamos lá! Taquicardias crônicas ou recorrentes são capazes de produzir importantes alterações estruturais no coração, incluindo dilatação do ventrículo esquerdo e mudanças estruturais a nível celular (cardiomiócito). O mecanismo exato dessas alterações ainda é objeto de estudo.
Outras alterações, como anormalidades eletrofisiológicas, influência no sistema neurohumoral, aumento da pressão intracavitária cardíaca, elevação da resistência vascular também vêm sendo descritas.
QUAIS SÃO AS ARRITMIAS ASSOCIADAS COM A TAQUICARDIOMIOPATIA?
Como já mencionado anteriormente, teoricamente qualquer taquiarritmia é capaz de levar ao quadro de cardiomiopatia induzida por arritmia. As mais importantes são: fibrilação atrial, flutter atrial, taquicardia atrial, taquicardia supraventricular e taquicardia ventricular. Também é conhecida a relação de contrações ectópicas (tanto atriais quanto ventriculares) com a ocorrência de taquicardiomiopatia.
QUAL É A APRESENTAÇÃO CLÍNICA?
O quadro clínico desses pacientes é muito abrangente, porém envolve os sinais clássicos das taquiarritmias,como palpitação, dispneia, desconforto torácico e também os encontrados na insuficiência cardíaca (dispneia, edema, ganho de peso, dispneia paroxística noturna, ortopneia, entre outros). Além disso, é comum que encontremos pacientes com queixas tanto de taquiarritmia quanto de insuficiência cardíaca (aliás, é nisso que se baseia a entidade em questão – “taquicardiomiopatia”).
É importante ressaltar que os pacientes que apresentam predominantemente sinais/sintomas de taquiarritmia procuram logo um serviço médico e, com isso, muitas vezes não chegam a evoluir para a fase de insuficiência cardíaca. Portanto, o paciente que é diagnosticado com quadro de taquicardiomiopatia, geralmente é o indivíduo que vem apresentando sinais de insuficiência cardíaca progressivamente (fadiga, dispneia, edema, etc) e, durante a investigação, não se encontra mais nada capaz de justificar a disfunção do ventrículo esquerdo, a não ser o encontro de taquiarritmias na história, em exames de rotina ou ao exame físico.
COMO REALIZO O DIAGNÓSTICO?
Vamos lá mais uma vez! Por definição, a cardiomiopatia induzida por arritmia (taquicardiomiopatia) consiste na presença de taquicardia mantida (ou episódios paroxísticos muito frequentes) em associação com dados conclusivos de disfunção sistólica do ventrículo esquerdo.
É de suma importância conseguir determinar o nexo temporal das patologias (ou seja, se a taquicardia surgiu antes ou depois da cardiomiopatia). Além disso, para chegarmos ao diagnóstico, é necessário excluir qualquer outro agente causal como possível etiologia da disfunção sistólica (hipertensão arterial sistêmica, álcool, doença coronariana, doenças de depósito, Doença de Chagas, e outras possíveis etiologias).
Muitas das vezes o diagnóstico acaba sendo retrospectivo. Como seria isso? Após a utilização de drogas capazes de controlar a frequência cardíaca de forma contínua, há a melhora importante da função ventricular e dos sinais/sintomas dos pacientes.
Exames de imagem são essenciais para a realização do diagnóstico, principalmente o ECOcardiograma, que é um exame de fácil acesso e capaz de detectar a maioria das lesões estruturais e a disfunção sistólica. Métodos como Ressonância Magnética Cardíaca também pode ser uma alternativa para o auxílio diagnóstico.
Monitorização da frequência cardíaca: a frequência cardíaca e os eventos eletrocardiográficos devem ser monitorados através de Holter para a documentação de taquiarritmias reentrantes e frequentes, principalmente naqueles pacientes em que não há exames prévios documentando ou que não conseguimos flagrar a taquiarritmia durante o exame físico e eletrocardiograma ambulatorial.
Função cardíaca e suas estruturas: todo paciente com suspeita de taquicardiomiopatia deve ser submetido a algum método de imagem capaz de determinar a função ventricular e possíveis danos estruturais (dilatação de câmaras, volumes cardíacos).
Resumindo, o diagnóstico de cardiomiopatia induzida por arritmia (ou taquicardiomiopatia) nada mais é do que um diagnóstico de exclusão, somando a presença de taquiarritmia constante ou muito frequente com disfunção ventricular.
“TÁ BOM, GUILHERME! E COMO TRATO ISSO?”
Como estamos falando de uma situação potencialmente reversível, com grande mudança na morbimortalidade se tratada adequadamente, talvez este seja o tópico mais importante do artigo.
Primariamente, o tratamento inicial vai ser o mesmo daquele utilizado em qualquer outro caso de insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (IECAs ou BRAs; betabloqueadores; diuréticos; espironolactona). E aqui estará mais um detalhe: tem de existir um foco muito grande no controle da taquiarritmia (controle de frequência; reversão química ou elétrica; ablação).
Obviamente, cada caso terá que ser avaliado individualmente de acordo com a taquiarritmia que se está lidando.
HÁ ALGUM SEGUIMENTO ESPECÍFICO PARA ESSES PACIENTES?
Recomenda-se que esses pacientes sejam acompanhados por, no mínimo, dois anos após a apresentação inicial, com pelo menos 5 consultas neste período.
– 4 a 6 semanas: avaliação clínica (AC) + eletrocardiograma (ECG)
– 3 meses: AC + ECG + Ecocardiograma (ECO) + Holter 24 horas
– 6 meses: AC + ECG
– 12 meses: AC + ECG + ECO + Holter 24 horas (se sintomas sugestivos de recorrência)
– 18-24 meses: avaliação clínica + ECG
A princípio, se a função ventricular for recuperada, devemos avaliar quais as medicações podem ser suspensas.
QUAL O PROGNÓSTICO DESSES PACIENTES?
Após o retorno do ritmo para sinusal ou controle adequado da frequência cardíaca, a maioria dos pacientes apresenta importante melhora da função ventricular ou até uma remissão completa do quadro.
No entanto, há alguns estudos que demonstram que mesmo os pacientes com retorno da fração de ejeção para a faixa normal podem manter alguma alteração estrutural, como fibrose e/ou dilatação das câmaras cardíacas. Sendo assim, o tema ainda precisa ser mais estudado para avaliar qual o risco cardiovascular presente e futuro dessa população.