A ponte miocárdica (PM) é um importante diagnóstico diferencial da doença arterial coronariana (DAC). Com isso, é fundamental reconhecê-la, saber como se apresenta clinicamente, quem são os pacientes afetados e como se dão os possíveis tratamentos.
Trata-se de uma condição congênita das artérias coronárias, sendo a principal acometida a artéria descendente anterior (ADA). Essa anomalia faz com que feixes musculares cardíacos envolvam ou cruzem alguma topografia da artéria coronária epicárdica, proporcionando compressão daquele segmento durante a sístole, sendo reversível na diástole. É um importante diagnóstico diferencial da doença arterial coronariana, porque é capaz de provocar angina de peito (típica ou atípica), infarto agudo do miocárdio (IAM) e até mesmo morte súbita.
Na maioria das vezes, é uma patologia benigna. No entanto, quando sintomática, pode se manifestar como angina instável, arritmias (taquicardias ventriculares e/ou supraventriculares), IAM e morte súbita (essas duas últimas condições são muito mais raras).
QUAL A FISIOPATOLOGIA?
Ainda há muito a ser esclarecido sobre a fisiopatologia da ponte miocárdica. Há duas vertentes principais. A primeira defende que a PM se forma junto com as artérias coronárias no período embrionário. Já a segunda, por sua vez, afirma haver um problema na reabsorção das fibras musculares das coronárias epicárdicas.
COMO OCORRE A ISQUEMIA CAUSADA PELA PONTE MIOCÁRDICA?
O grau de isquemia miocárdica na PM não parece estar diretamente relacionado com a associação com lesões ateroscleróticas. Geralmente, está mais relacionado com estados taquicárdicos, diminuindo o tempo diastólico, aumentando os distúrbios ocorridos na sístole, com o afilamento coronário.
QUAL A ASSOCIAÇÃO COM A ATEROSCLEROSE?
O que já foi observado é que a área imediatamente distal à PM geralmente é poupada de doença aterosclerótica, enquanto a área mais proximal possui maior propensão a desenvolver a mesma. A explicação para esse acontecimento é baseada em alterações do fluxo sanguíneo, alteração das células endoteliais e disfunção endotelial, mudança do tônus vascular, acarretando trombogênese.
POR QUE NÃO É COMUM HAVER ATEROSCLEROSE EXATAMENTE NO PONTO DA PONTE MIOCÁRDICA?
Uma das explicações para esse fato curioso é que a íntima do “canal”, onde se encontra a ponte miocárdica, é muito mais fina do que nas outras regiões da artéria, além de possuir o predomínio de células musculares do subtipo “contráteis”. Além disso, as células espumosas, que estão muito presentes na aterosclerose, se encontram “em falta” na topografia da ponte.
QUAIS SÃO OS PACIENTES QUE DEVEMOS LEVANTAR A SUSPEITA PARA PONTE MIOCÁRDICA?
Devemos pensar nesse diagnóstico nos pacientes que se encontram após a terceira década de vida, que apresentam angina e não possuem fatores de risco cardiovascular ou não apresentam evidências de isquemia miocárdica.
A prevalência da presença de PM é muito variável (5-86% em séries de autópsias). O maior estudo sobre isso (Risse et al), que envolveu 1056 pacientes, demonstrou uma prevalência de 26%. Por outro lado, os dados angiográficos atuais demonstram apenas 0,5-12% de PM nos exames realizados, enquanto esse achado aumenta para 40%, quando em associação com testes provocativos.
AFINAL, QUAL O QUADRO CLÍNICO?
A maioria dos pacientes é assintomática. No entanto, angina pectoris, infarto agudo do miocárdio, disfunção ventricular esquerda, bloqueio atrioventricular, taquiarritmias e morte súbita são complicações, embora raras, passíveis da doença.
OS EXAMES COMPLEMENTARES PODEM AJUDAR NO DIAGNÓSTICO?
O método padrão ouro para o diagnóstico confirmatório dessa anomalia é a cineangiocoronariografia (cateterismo cardíaco). Nesse exame, conseguimos flagrar a compressão do segmento coronário durante a sístole, enquanto há reversão desse quadro na diástole.
A angiotomografia computadorizada de coronárias também é um bom método para o diagnóstico.
No eletrocardiograma em repouso, na maioria das vezes, encontraremos um traçado dentro da normalidade.
Testes de esforço ou que submetam o coração ao estresse podem gerar sinais sugestivos de isquemia ou até mesmo arritmias.
A cintilografia miocárdica pode apresentar falhas de perfusão.
Abaixo, vamos separar um a um para detalhar melhor os comentários:
– Cineangiocoronariografia (cateterismo cardíaco – CATE): o CATE permanece o método mais comumente utilizado para o diagnóstico da PM. A típica descrição da PM nesse exame é o estreitamento durante a sístole ou “ordenha” da artéria epicárdica, com um “step-down”, ou seja, uma parada brusca marcando a área impactada.
É muito comum que a ponte só seja descoberta após a intervenção de angioplastia de uma lesão. Por que isso? Isso ocorre devido à melhora do fluxo coronariano no ponto abordado, demonstrando com maior clareza uma topografia afetada, não visualizada anteriormente pelo baixo fluxo sanguíneo.
– Doppler intracoronário: é capaz de demonstrar o fluxo coronariano, com alguns padrões específicos presentes na ponte miocárdica (ex.: padrão “ponta de dedo”).
– Ultrassonografia intravascular: também é capaz de demonstrar compressões dos vasos durante a sístole. Há também um achado específico, conhecido como aparência da “meia lua”, que ocorre no ciclo cardíaco, sugestivo de ponte miocárdica (a explicação para a ocorrência dessa aparência ainda não é bem estabelecida).
– FFR (“fractional flow reserve”): permite a avaliação da queda de fluxo coronariano entre a diástole e a sístole, possibilitando visualizar se há um comprometimento importante ou não do mesmo.
– Angiotomografia de coronárias: excelente exame para visualização de PM, porém superestima a importância das mesmas. Portanto, um dos desafios atuais da utilização desse exame nessa anomalia é exatamente demonstrar a relevância clínica de cada ponte miocárdica encontrada pelo método.
ASSOCIAÇÃO DA PONTE MIOCÁRDICA COM A CARDIOMIOPATIA HIPERTRÓFICA:
Os pacientes com cardiomiopatia hipertrófica demonstram uma alta prevalência de ponte miocárdica, sendo reportado estimativa de até 80% das angiografias demonstrando a anomalia.
QUAL O PROGNÓSTICO DESSES PACIENTES?
Em geral, trata-se de uma condição benigna, porém é uma causa que deve ser lembrada para dor no peito, espasmo coronariano, isquemia miocárdica, síndrome coronariana aguda, disfunção ventricular, arritmias e morte súbita. Eventos graves são incomuns.
E O TRATAMENTO?
O tratamento de primeira linha para os pacientes sintomáticos são os betabloqueadores a bloqueadores de canal de cálcio não diidropiridínicos. As evidências para essas intervenções ainda são limitadas na literatura médica, porém baseiam-se na redução cronotrópica e inotrópica. Embora o “betabloqueio” tenha demonstrado redução da compressão dos vasos e dos sintomas de angina, nenhum estudo comprovou alteração no desfecho de morbimortalidade desses doentes.
Nitratos são contraindicados nesses pacientes. Nitroglicerina demonstrou aumento na compressão sistólica dos vasos afetados.
E QUANDO REALIZAR CIRURGIA?
As técnicas cirúrgicas possíveis nos casos de ponte miocárdica são a miotomia e o “bypass” por cirurgia de revascularização miocárdica. A primeira se limita aqueles casos de pacientes extremamente sintomáticos, com refratariedade ao tratamento clínico, principalmente nos que demonstram sinais de isquemia ou que estão sob alto risco de infarto agudo do miocárdio, taquicardia ventricular.
Na segunda, a revascularização miocárdica, leva-se em consideração, além da refratariedade dos sintomas, a extensão das lesões e seu número (quando há muita lesão).
O QUE FALAR DA INTERVENÇÃO PERCUTÂNEA?
É uma técnica também capaz de melhorar os sintomas e o fluxo coronariano, indicada, assim como a cirurgia, em vigência de refratariedade ao tratamento clínico. No entanto, pode apresentar uma série de complicações em altas taxas como perfuração coronária e fratura do stent. Além disso, o número de reestenose de stent ou obstrução do mesmo é elevado depois de 1 ano da realização do procedimento, evoluindo, algumas vezes, para cirurgia de revascularização miocárdica.
Sendo assim, é uma intervenção “paliativa”.
MUITO BOA A EXPLICAÇÃO SOBRE PONTE MIOCÁRDICA,PENA QUE NEM TODOS OS PROFISSIONAIS TRATAM OS PACIENTES COM OS SINTOMAS NA MAIORIA DAS VEZES ACHAM QUE ESTAMOS COM ANSIEDADE E NEM LIGAM PROS SINTOMAS .
Olá! Nós escrevemos justamente para isso: conscientizar os médicos e alunos de Medicina. Obrigado pelo elogio e um grande abraço!