A definição de edema é muito simples. Consideramos edema o líquido no espaço intersticial. E, no dia a dia, o edema é algo muito presente: basta olhar para o lado nas ruas, que você vai ver alguém com uma “perna inchada”. Na prática médica, encontramos os mais variados tipos de edema, desde aqueles grandes, com comprometimento sistêmico, simétrico, como também aquele pequeno, localizado, com características inflamatórias. Diversos são os fatores que vão influenciar a formação de um edema, tornando este um assunto complexo. E, por isso, é importante que conhecemos bem este tema, para que, assim, possamos abordar a etiologia do edema da forma mais adequada.
MAS COMO O EDEMA SE FORMA?
No ano de 1896, Starling descreveu as forças responsáveis pelo controle dos fluidos ao longo dos leitos capilares. Foi ele também quem demonstrou que, quando alteradas, essas forças poderiam gerar o edema. O resultado da dinâmica dos fluidos, através das paredes de um vaso, depende de um equilíbrio entre a permeabilidade dessa parede, definida pela constante Kf, e pela diferença entre as variações da pressão hidrostática (∆Ph) e da pressão oncótica (∆Po) ao longo do leito capilar.
Fluxo = Kf . (∆Ph – ∆Po)
A figura esquematiza o equilíbrio entre as forças de Starling, ilustrando o calculo das variações de pressão hidrostática e oncótica.
Normalmente, a pressão hidrostática é maior na extremidade arteriolar do leito capilar, do que quando comparada com a pressão oncótica do plasma no mesmo ponto. Por esse motivo, a diferença entre essas pressões faz com que o líquido intravascular se direcione para o interstício. Ao longo do vaso, esse gradiente de pressões se reduz gradualmente. A saída do líquido intravascular faz com que a concentração de proteínas na luz do vaso se eleve e produza um aumento da pressão oncótica nesse meio. Essas alterações graduais se dão até que ocorra uma inversão do gradiente de pressão na extremidade venosa da rede capilar, momento em que a pressão oncótica supera a pressão hidrostática e, consequentemente, o líquido tende a voltar para o meio intravascular. Porém, nem todo fluido é novamente retido pelo sistema venoso: aquele excesso, que permanece no interstício, é drenado pelos vasos linfáticos, mantendo o equilíbrio dos fluidos, sem que haja formação de edema.
SÃO AS ALTERAÇÕES NAS FORÇAS DE STARLIN QUE LEVAM A FORMAÇÃO DE EDEMA
Caso essas alterações ocorram de modo localizado, esse edema será restrito a um território. As alterações a nível sistêmico provocam formação de grandes edemas, com mecanismos mais complexos. Nesse caso, haverá aumento do volume extracelular e do peso corpóreo. É importante lembrar também que eletrólitos como o sódio são importantes fatores que interferem na dinâmica dos fluidos, devido à osmolaridade do meio em que se encontram. Por isso, para que ocorra esse equilíbrio dinâmico, o funcionamento de diversos sistemas que regulam as forças de Starlin é fundamental. Os principais eventos envolvidos nesse processo são:
- Barorreceptores e sensores de volume (vasos, átrio direito, rins, fígado)
- Sistema nervoso autônimo
- Sistema renina-angiotensina-aldosterona
- Resistência vascular periférica
- Débito cardíaco
- Permeabilidade do leito capilar
- Substâncias que interferem na hemodinâmica (protaglandinas, cininas, fator natriurético atrial, hormônio anti-diurético)
A partir de agora, precisamos discutir quais são as alterações associadas em cada um dos tipos de edema. E podemos definir edema quanto a duas características: consistência, em que o edema pode ser mole (facilmente depressível, significando retenção hídrica em tecido subcutâneo) ou duro (maior resistência à depressão, significando deposição fibroelástica que ocorre nos edemas de longa duração ou que se acompanharam de repetidos surtos inflamatórios. Ex.: elefantíase); e elasticidade, em que o edema pode ser elástico (sem cacifo – depressão desaparece em poucos segundos) ou inelástico (com cacifo – depressão permanece por muito tempo). Antes de discutirmos os diferentes tipos de edema, vou deixar listados quais são eles para que não nos percamos:
EDEMAS GENERALIZADOS
- Anasarca
- Ascite*
- Derrame pleural*
- Derrame pericárdico*
EDEMAS LOCALIZADOS
- Inflamatório
- Linfedema
- Insuficiência vascular
- Angioedema
Os edemas ditos generalizados são aqueles que acontecem por desordens sistêmicas. Apesar de ascite, derrame pericárdico e derrame pleural NÃO CONFIGURAREM EDEMAS (*), esse é um importante espaço para discuti-los juntamente, pois sua fisiopatologia, muitas vezes, é a mesma do edema.
O paciente que apresenta anasarca é aquele que tem acúmulo de líquido no interstício de forma generalizada. Este, então, apresentará edema de membros superiores, inferiores, face… Pode apresentar, inclusive, acúmulo de líquidos em cavidades, como os apresentados derrame pleural (acúmulo de líquido entre as pleuras) e ascite (acúmulo de líquido na cavidade peritoneal).
Quando falamos de edema generalizado, precisamos relembrar algumas condições médicas que são as principais responsáveis por cursar com esse tipo de edema. As principais são elas:
- Síndrome nefrítica
- Síndrome nefrótica
- Insuficiência cardíaca
- Cirrose hepática
Os edemas sistêmicos, que aqui serão citados, levam ao aumento de peso e, em geral, estima-se que sejam necessários cerca de 4 a 5% de aumento do peso corpóreo para que o edema seja clinicamente detectável. Além disso, eles têm como características serem edemas moles e inelásticos. Ou seja, quando comprimidos, formam uma depressão sobre a pele que não se desfaz de imediato: este é o chamado sinal do cacifo ou de Godet. A profundidade da depressão criada pode ser quantificada em cruzes, geralmente + a ++++.
Na síndrome nefrítica, a lesão glomerular leva a uma redução global da taxa de filtração glomerular. Com isso, há uma ativação intensa do sistema renina angiotensia aldosterona e, consequentemente, há retenção de sódio e água. Os pacientes desenvolvem hipervolemia e hipertensão. Assim, o edema se dá por um mecanismo de overflow, devido ao aumento da pressão hidrostática. Os pacientes ainda apresentam hematúria dismórfica pela lesão glomerular.
Na síndrome nefrótica, o paciente que experimenta a lesão renal perde a barreira de carga do glomérulo e, consequentemente, tem uma perda proteica urinária importante, chegando a apresentar uma proteinúria de cerca de 3,5 g/dia, o que chamamos de proteinúria maciça, dando caráter espumoso à urina. A perda proteica leva a uma redução da pressão oncótica nos leitos capilares e, consequentemente, reduz-se o retorno dos fluidos à circulação venosa. A redução do volume vascular leva à redução da perfusão renal e, consequentemente, ativação do sistema renina angiotensia aldosterona, que, por sua vez, reduz a excressão renal de sódio e retém água. O aumento da retenção de água faz uma diluição relativa da pressão oncótica, que perpetua o mecanismo de geração de edema generalizado.
Clinicamente, o paciente apresenta um edema renal, seja ele nefrítico ou nefrótico. Tem como localização principal a face, em região periorbital, que piora pela manhã e tende a melhorar ao longo do dia (devido a posição ortostática). O edema nos membros inferiores pode piorar durante o dia, sendo dito um edema vespertino. Quando a perda proteica é muito intensa, o paciente pode apresentar anasarca e derrame de líquido em serosas.
Os pacientes com insuficiência cardíaca têm como mecanismo edemigênico a redução do débito cardíaco. A insuficiência cardíaca é uma doença com uma série de classificações diferentes. Hoje, para abordarmos edema, precisamos entender a insuficiência cardíaca direita e esquerda separadamente. Quando falamos insuficiência cardíaca direita, estamos falando de redução da função das câmaras direitas do coração. Quando isso ocorre, o sangue não consegue ser bombeado adequadamente para os pulmões através das artérias pulmonares. Assim, uma síndrome congestiva se dá em direção as veias cavas por mecanismo de enchimento retrógrado, uma vez que o sangue não consegue avançar de forma adequada. A congestão do sistema venoso aumenta a pressão hidrostática no sistema venoso, dificultando o retorno do líquido do terceiro espaço novamente para a circulação na periferia e, consequentemente, tem-se a formação de edema. Na insuficiência cardíaca direita, os pacientes se apresentam com edema periférico, principalmente em membros inferiores, que tende a piorar ao longo do dia com a ortostase.
Já em termos de insuficiência cardíaca esquerda, o mecanismo é basicamente o mesmo. Entretanto, a congestão retrograda se dá nas veias pulmonares, que resulta em congestão das veias pulmonares e consequente edema pulmonar. Nesses casos, os pacientes apresentam-se com dispneia importante e estertores crepitantes na ausculta pulmonar.
Na insuficiência cardíaca, seja ela esquerda ou direita, a redução do volume arterial efetivo leva a uma ativação do sistema renina angiotensina aldosterona e, consequentemente, ocorre retenção de sal e água. A água reabsorvida, que chega ao leito capilar, aumenta a pressão hidrostática local e piora o edema cardiogênico, perpetuando-o. O acúmulo de líquidos em serosas é bastante comum nos pacientes com insuficiência cardíaca.
Os pacientes cirróticos ainda apresentam um mecanismo de formação de edema não 100% esclarecido, mas algumas alterações são importantes na fisiopatologia da sua formação. A lesão hepática leva a alterações do funcionamento dos hepatócitos, comprometendo, assim, a síntese de albumina. Além disso, a destruição da arquitetura lobular, canalicular e vascular, leva a distorções estruturais, que dificultam o livre fluxo de sangue e linfa nos sinusóides hepáticos. Como consequência, ocorre o aumento da pressão hidrostática no leito venoso (veia porta) e linfático (intra-hepático). Esses mecanismos levam à hipertensão porta.
Outro mecanismo importante na edemigênese é a produção de óxido nítrico (NO). A lesão endotelial consequente da hipertensão porta e cirrose levam a produção de NO endotelial. Essa substância promove uma vasodilatação dos vasos abdominais (território esplâncnico), que gera um represamento de sangue nesses vasos. Consequentemente, há uma redução do volume arterial efetivo, que cursa com redução da perfusão renal, ativação do sistema renina angiotensina aldosterona e, mais uma vez, perpetuação do mecanismo edemigênico.
Os pacientes cirróticos também podem apresentar edema periférico e anasarca, devido à redução da pressão oncótica, pela baixa síntese de albumina. Entretanto, a ascite é a manifestação clínica clássica dos pacientes cirróticos, associada a outros comemorativos como icterícia, eritema palmar, hálito hepático, equimoses, esplenomegalia, aranhas vasculares, hipotrofia muscular, alopecia, ginecomastia, circulação colateral e, nos casos mais graves, até mesmo hematêmese, melena ou encefalopatia hepática.
Agora que já discutimos os tipos de edema generalizados, vamos conversar um pouco mais sobre os edemas localizados.
O edema do tipo inflamatório é aquele em que se dá por aumento da permeabilidade vascular, em resposta à liberação de citosinas inflamatórias. Essas substâncias têm capacidade de vasodilatação e formação de resposta inflamatória tecidual. O resultado é a formação de edema inflamatório, que apresenta os chamados sinais flogísticos: calor, rubor, dor, tumor (edema) e perda de função. Quanto a classificação, o edema inflamatório é mole e elástico.
O linfedema nada mais é do que um edema crônico, que se dá devido à deficiência da drenagem no sistema linfático, e cursa com o acúmulo anormal de fluído rico em proteína no espaço intersticial. O aparecimento desse edema ocorre, geralmente, após cirurgias, e se deve aos traumas da manipulação cirúrgica ao sistema linfático. O linfedema é uma das complicações mais importantes na mastectomia radical. O linfedema, em geral, é progressivo e não tem cura. Ao longo do tempo, vão ocorrendo alterações da pele como descoloração, hiperplasia, hiperqueratose, papilomatose, espessamento dérmico, úlceras. Além disso, há um risco aumentado de infecção dos tecidos moles adjacentes, cursando com celulite. A dor é um sintoma bastante importante associado a esse tipo de edema. Alguns tratamentos podem ser empregados para evitar a sua progressão.
O edema da insuficiência vascular se dá principalmente às custas do sistema venoso. A insuficiência venosa cursa com um edema semelhante ao discutido nos edemas generalizados, também por um aumento da pressão hidrostática no leito venoso, mas, agora, o território acometido, em geral, são veias dos membros inferiores. Isso se dá devido a uma incompetência dos sistemas de válvulas do leito venoso, devido a varicosidades. Na insuficiência venosa dos membros inferiores, o edema também se apresenta como mole e inelástico, costuma piorar ao longo do dia e melhora quando o paciente eleva os membros inferiores.
Angioedema é aquele edema que ocorre no tecido logo abaixo da pele ou das mucosas. O edema pode ocorrer na face, língua, laringe, abdômen ou braços e pernas. Na maioria das vezes, está associado à urticária, que leva à formação de placas na superfície da pele, mas é bem caracterizado também quando acomete os lábios e as mucosas do periorbitais. O início dos sintomas, geralmente, dura de minutos a horas. O mecanismo associado ao angioedema envolve o aumento da permeabilidade vascular, geralmente mediado por histamina ou bradicininas. O angioedema associado à histamina é devido a uma reação de hipersensibilidade a determinados agentes antigênicos, como picadas de insetos, alimentos ou medicamentos. O angioedema relacionado a bradicininas pode ocorrer devido a uma deficiência hereditária conhecida como deficiência do inibidor da C1 esterase, mas também induzida por medicamentos, como inibidores da enzima conversora da angiotensina.
Agora que você já conhece quais são os tipos de edema, é mais fácil estudar, de maneira direcionada, qual a melhora abordagem para cada um deles. Espero que tenha ajudado!