A Esclerose Lateral Amiotrófica é uma das doenças neurológicas mais temidas (e também uma das mais famosas), sendo mais conhecida pelo físico Stephen Hawking, diagnosticado com a doença aos 21 anos.
O que mais chama a atenção, nesse caso, foi a sobrevida que Hawking apresentou após o diagnóstico, que foi de 55 anos, quando, na maior parte das vezes, não passa de 3 (aliás, esse é um dos motivos que faz com que muitos especialistas questionem se é mesmo o diagnóstico).
Vamos, então, conhecer essa doença e o que a torna tão especial?
O que é ELA?
A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) faz parte do grupo de Doenças do Neurônio Motor (DNM), sendo a mais prevalente dentre elas.
Outros exemplos de doenças do neurônio motor são a Esclerose Lateral Primária, a Atrofia Muscular Progressiva, a Paralisia Bulbar Progressiva e a Paralisia Pseudobulbar.
Cerca de 90% dos casos é esporádico, mas, em 5 a 10% dos casos, é possível encontrar uma origem familiar.
A doença afeta exclusivamente os neurônios motores, no encéfalo e na medula espinhal, sendo degenerativa com evolução invariável para a morte.
A sobrevida média é de 2,5 a 3 anos a partir do diagnóstico.
Clinicamente, o paciente apresenta, simultaneamente, sintomas de síndromes do primeiro e do segundo neurônio motor.
O diagnóstico é clínico, apoiado por achados neurofisiológicos, como os obtidos com a eletroneuromiografia.
A incidência da doença é de cerca de 2,7/100.000 e é mais comum no sexo masculino, com uma taxa homem:mulher de 1,5:1.
A idade de início dos sintomas varia entre 50 e 65 anos, sendo a média de 64 anos.
Nas formas familiares, o diagnóstico costuma ser antecipado em 10 anos, em relação às formas esporádicas.
Menos de 5% dos casos são diagnosticados antes dos 30 anos. É mais comum em indivíduos da raça branca.
Já foi levantada a hipótese de uma possível relação entre esportes e o desenvolvimento de ELA, especialmente aqueles em que ocorre recorrente trauma na cabeça, mas essa correlação ainda carece de comprovação.
A exposição a fatores ambientais, como toxinas, metais pesados, agrotóxicos, cigarro, dieta, radiação e atividade física, como gatilho para o desenvolvimento da doença, já foi uma hipótese levantada por alguns estudos epidemiológicos.
O que sabemos sobre a patogenia?
Ainda há muito para ser descoberto em termos dos mecanismos fisiopatológicos que causam a doença e não muito se sabe sobre as suas bases moleculares.
No entanto, existem várias explicações que tentam compreender o processo de iniciação e evolução da doença.
A mais comum dessas explicações é uma mutação de um gene que codifica a enzima antioxidante superóxido dismutase 1 (SOD1).
Essa mutação leva a uma instabilidade estrutural, que ocasiona um dobramento equivocado da enzima, que leva a sua agregação nos neurônios motores no sistema nervoso central.
O modo de ação da SOD1 mutada nos neurônios ainda é desconhecido, porém várias hipóteses já foram descritas.
A excitotoxicidade mediada por Glutamato é causada por uma redução de um tipo de transportador de glutamato presente nos neurônios, o que permite acúmulo desse neurotransmissor na fenda sináptica, com consequente superestimulação de receptores de glutamato e degeneração neuronal por excitotoxicidade.
Com o excesso de glutamato extracelular, ocorre um desbalanço eletrolítico, com entrada excessiva de cálcio nos neurônios, disparo excessivo do neurônio motor e iniciação de processos bioquímicos destrutivos na célula.
A disfunção mitocondrial também participa da fisiopatologia, pois ocorrem alterações na estrutura dessas organelas por acúmulo da SOD1 na membrana externa e matriz da mitocôndria.
Como consequência, ocorre uma produção deficitária de ATP, por diminuição da atividade de alguns complexos da cadeia respiratória. Além disso, ocorre um menor tamponamento dos níveis citosólicos de cálcio, o que contribui para dano neuronal.
Os neurônios são células polarizadas, que podem ter axônios bem extensos, chegando a 1 metro de comprimento, em alguns casos, o que torna necessário um eficaz mecanismo de transporte de organelas, proteínas, RNA etc.
Na ELA, foram encontrados neurônios com estrutura axonal prejudicada, o que leva a um defeito desse transporte e consequente acúmulo de neurofilamentos, organelas e autofagossomos, o que contribui para morte celular.
Por fim, com a mutação da SOD1, que é uma enzima com ação antioxidante, ocorre acúmulo de espécies reativas de oxigênio (ROS), que são produtos do metabolismo normal do oxigênio.
Com isso, ocorre aumento do estresse oxidativo na célula, com consequente citotoxicidade, sendo essa uma das primeiras teorias a correlacionar a SOD1 mutada com a lesão neuronal.
Apresentação Clínica da ELA
Apesar de a ELA poder ter diferentes apresentações clínicas, alguns padrões são altamente sugestivos.
A apresentação clássica é o início insidioso, mas progressivo, dos sintomas, com uma combinação de sintomas das síndromes do primeiro e do segundo neurônio motor ao exame físico.
Os sintomas de primeiro neurônio incluem espasticidade, hiperreflexia, com reflexos patologicamente rápidos e fraqueza muscular contra a gravidade. Os sintomas de segundo neurônio motor incluem atrofia muscular, fraqueza e miofasciculações.
O paciente pode apresentar sintomas bulbares, seja logo no início do quadro, ou com a progressão da doença, os quais incluem disartria, disfagia e, subsequentemente, sialorreia.
Podem ocorrer também manifestações pseudobulbares, como choro ou riso excessivo com estímulo mínimo. Sintomas cognitivos e comportamentais estão presentes em metade dos casos, se assemelhando àqueles encontrados na demência frontotemporal.
Pode ocorrer padrão diafragmático de fraqueza respiratória, inclusive com queixas de dispneia ao realizar atividades cotidianas ou se deitar em decúbito dorsal.
A forma de início do quadro pode variar grandemente. Uma das formas mais comuns inclui uma instalação insidiosa de fraqueza indolor e perda de massa muscular, que se inicia em um membro e se espalha para o membro contralateral.
O quadro pode, também, se iniciar com dificuldade na fala e na deglutição, seguida por fraqueza nos membros. Outra possibilidade é o surgimento de fraqueza e espasticidade muscular progressiva, com cãimbras e miofasciculações.
Pode ocorrer início de doença respiratória restritiva com padrão respiratório sugestivo de fraqueza diafragmática. Pode, também, ocorrer queda da cabeça com fraqueza do tronco ou musculatura paraespinhal, associado a sintomas de primeiro neurônio motor.
Como é feito o diagnóstico da ELA?
O diagnóstico de ELA é baseado na história clínica e exame físico, e apoiado por evidências eletrofisiológicas. As evidências à eletroneuromiografia (ENMG) sugestivas de denervação ativa incluem fibrilações e ondas pontiagudas positivas.
A evidência para reinervação inclui unidades motoras grandes, morfologia polifásica da unidade motora, padrão de interferência reduzido, com maiores taxas de disparo ou instabilidade dos potenciais da unidade motora.
Os critérios diagnósticos para ELA foram modificados várias vezes ao longo dos anos, mas, atualmente, são usados os critérios de El Escorial (EEC) revisados, que afirmam que o diagnóstico é sugerido pela presença de:
- Disfunção do segundo neurônio motor ao exame físico, eletrofisiológico ou neuropatológico;
- Disfunção do primeiro neurônio motor ao exame físico;
- Progressão dos sinais e sintomas em 6 meses, demonstrada por propagação em uma mesma região ou para outras regiões espinais.
Na ausência de:
- Evidência eletrofisiológica ou patológica de outros processos de doença;
- Evidência de outras doenças em exames de neuroimagem.
O diagnóstico pode ser classificado em graus de probabilidade, sendo considerado:
- Clinicamente definido pela presença de sintomas de primeiro e segundo neurônio motor na região bulbar, e em duas regiões da medula espinhal, ou em três regiões da medula espinhal;
- Clinicamente provável pela presença de sintomas de primeiro e segundo neurônio motor em duas regiões da medula, sendo os sintomas de primeiro neurônio rostrais aos de segundo neurônio;
- Clinicamente provável e suportado laboratorialmente na presença de sintomas de primeiro e segundo neurônio em uma única região da medula, ou apenas sintomas de primeiro neurônio isolados em uma região, mas com sintomas de segundo neurônio na ENMG em duas regiões;
- Clinicamente possível na presença de sintomas de primeiro e segundo neurônio em uma única região, ou sintomas de primeiro neurônio isoladamente em duas regiões, ou sintomas de segundo neurônio rostrais aos de primeiro neurônio motor.
Os pacientes que preenchem os critérios clínicos, e apresentam envolvimento bulbar, exames de imagem não se fazem necessários ao diagnóstico.
Para os outros casos, devem ser realizados RM do encéfalo e/ou medula, perfil metabólico, celularidade sanguínea e diferenciais, estudos da tireoide, testagem autoimune, pesquisa de neoplasias, exame do líquor, rotina de doenças infecciosas (HIV, HTLV-1 e doença de Lyme) e pesquisa de toxinas, pois existem condições que podem simular ELA e devem ser excluídas.
Pacientes com quadro sugestivo, mas que não preencham todos os critérios formais, sem, porém, outra causa que explique melhor o quadro, devem ser acompanhados por equipe multidisciplinar especializada.
O prognóstico da doença sempre é ruim, evoluindo progressivamente até a morte, normalmente, num espaço de 2,5 a 3 anos após o diagnóstico.
Os fatores relacionados à progressão são sintomas bulbares na abertura do quadro, idade avançada ao diagnóstico, menor duração dos sintomas e redução da capacidade vital forçada.
Pacientes com manifestações atípicas da doença, por exemplo, que envolvam só os membros inferiores ou superiores, ou que tenham predomínio só de sintomas do primeiro neurônio motor ou só de segundo podem ter evolução mais arrastada, com maior sobrevida.
Qual é o tratamento disponível?
A Esclerose Lateral Amiotrófica não tem cura e todos os tratamentos já estudados apresentam capacidade limitada em aumentar a sobrevida, sendo os melhores resultados o ganho de apenas alguns meses em relação à expectativa inicial.
A única medicação aprovada para o tratamento é o Riluzol, que se acredita reduzir a excitotoxicidade induzida por glutamato em neurônios motores sob risco e prolonga a sobrevida por 3 meses.
O principal efeito colateral é a irritação gástrica, mas também pode cursar com elevação das transaminases hepáticas.
Para o controle dos sintomas pseudobulbares, de riso ou choro sustentados, é o Nuedexta, uma combinação de dextrometorfano e quinidina.
É uma droga bem tolerada, mas é contraindicado para pacientes em uso de inibidores da enzima monoamina oxidase e deve ser usado com cautela naqueles em uso de inibidores da recaptação de serotonina, devido ao risco aumentado de síndrome serotoninérgica.
Não altera a progressão da doença.
Além das medicações específicas, o manejo do paciente diagnosticado com ELA envolve uma equipe multidisciplinar especializada, que se dedica a amenizar e contornar, na medida do possível, os sintomas do paciente.
Esse cuidado envolve terapia respiratória com monitorização da função respiratória e uso, caso necessário, de ventilação de pressão positiva, assistência à tosse e sucção oral, ou mesmo traqueostomia, em quadros mais avançados (esse, supostamente, foi o motivo do físico Stephen Hawking perder a capacidade de falar).
Outras abordagens incluem fonoaudiologia, para monitorar a fala e a deglutição, além de avaliar a necessidade de gastrostomia ou dispositivos de assistência à fala; intervenções para salivação excessiva, como anticolinérgicos, toxina botulínica e irradiação; fisioterapia e terapia ocupacional para avaliar a necessidade de órteses ou cadeira de rodas; e aconselhamento psicossocial para o paciente e seus familiares, para tentar ajudar a lidar com o impacto da doença.
Conclusão
ELA é uma doença extremamente grave e que acarreta um impacto psicossocial incomensurável.
Portanto, os próximos passos devem envolver, necessariamente, estudos para melhor compreensão da genética e fisiopatologia das formas familiares e esporádicas, assim como os fatores associado ao seu desenvolvimento, visando o investimento em novas estratégias de diagnóstico, prevenção e tratamento que possam, um dia, mudar a história dos pacientes com a doença e seus familiares.
Enquanto isso, o melhor que o médico e toda a equipe multidisciplinar podem fazer é acolher, aconselhar e cuidar desse paciente e de seus familiares com as ferramentas disponíveis, para trazer-lhe conforto e dignidade, lembrando sempre que cada paciente é um paciente, e a evolução de um caso pode ser extremamente diferente da de outro caso.