O combate ao câncer é um dos maiores desafios de saúde da humanidade, devido à sua complexidade e elevado número de óbitos anuais. No final do século XIX e início do século XX, surgiu o conceito de que a ativação do sistema imunológico poderia ser uma estratégia promissora para atacar células cancerígenas. Desde então, muitos cientistas se envolveram em intensa pesquisa básica e descobriram mecanismos fundamentais que regulam a imunidade anti-tumoral. Apesar do progresso científico notável, as tentativas de desenvolver novas estratégias generalizáveis contra o câncer se mostraram difíceis.
No passar dos anos, pesquisadores perceberam que estimular a capacidade inerente do nosso sistema imunológico de atacar as células tumorais seria a melhor forma de combater esta comorbidade. Sendo assim, no ano de 2018, os laureados do Nobel estabeleceram um princípio inteiramente novo para a terapia do câncer. James P. Allison, em conjunto com Tasuku Honjo, descobriram e estudaram proteínas que funcionam como “freios” no sistema imunológico. Ambos pesquisadores perceberam o potencial de liberar o freio e, assim, liberar nossas células imunológicas para atacar tumores, desenvolvendo este conceito em uma nova abordagem para o tratamento de pacientes. Tais achados representaram um marco na luta contra o câncer.
TERAPIAS DE COMBATE AO CÂNCER
O câncer compreende muitas doenças diferentes, caracterizadas pela proliferação descontrolada de células anormais com capacidade de disseminação para órgãos e tecidos saudáveis. Atualmente, várias abordagens terapêuticas estão disponíveis para o tratamento do câncer, incluindo radiação, cirurgia e outras estratégias, algumas das quais receberam prêmios Nobel em anos anteriores. Estes incluem:
– Métodos para tratamento hormonal para câncer de próstata (Huggins, 1966);
– Quimioterapia (Elion e Hitchings, 1988) e;
– Transplante de medula óssea para leucemia (Thomas, 1990).
No entanto, o câncer avançado permanece imensamente difícil de tratar, sendo necessárias novas estratégias terapêuticas.
ACELERADORES E FREIOS DO SISTEMA IMUNOLÓGICO
A capacidade de discriminar o próprio de não próprio é a propriedade fundamental do sistema imune, de modo que bactérias invasoras, vírus e outros patógenos possam ser atacados e eliminados. Os linfócitos T são células fundamentais para este mecanismo de defesa. Eles possuem receptores que se ligam à estruturas reconhecidas como estranhas, desencadeando o sistema imunológico para uma defesa direcionada. Proteínas adicionais (citocinas, quimiocinas, coestimuladores e etc) atuam como aceleradores de células T, sendo necessárias para desencadear uma resposta imune completa.
Entretanto, os linfócitos T não podem ser ativados indefinidamente, e mecanismos adicionais garantem que estas células sejam controladas ao término das respostas imunes. Muitos cientistas contribuíram com essa importante pesquisa básica e identificaram proteínas que funcionam como freios nas células T, controlando ou inibindo a ativação imunológica.
Esse equilíbrio complexo entre aceleradores e freios é essencial para um controle rígido, de forma que assegure o envolvimento eficiente do sistema imune no ataque contra microrganismos estranhos, evitando a ativação excessiva, que pode levar à destruição autoimune de células e tecidos saudáveis.
IMUNOLOGIA DO TUMOR
Quando falamos de tumores, não mencionamos apenas as células, mas uma série de elementos celulares e não celulares que fazem parte do que chamamos de microambiente do tumor. O mesmo possui muita matriz extracelular e proteínas atuando no crescimento dos cânceres.
Os linfocitos T CD8 até são ativados, mas quando chegam no microambiente são desativados, pois podem haver células T REG expressando CTLA-4 e demais células expressando ligantes de PD-1. Tal processo é chamado de “exaustão de linfócitos”, e os anticorpos estudados servem basicamente para reverter este freio.
Diferente do CTLA-4, que é uma proteína de células T, o ligante de PD1 pode ser expresso em células fora do sistema imune, incluindo células tumorais
CHECKPOINTS IMUNOLÓGICOS
Um novo princípio para terapia imunológica surgiu na década de 1990. Em seu laboratório, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, James P. Allison estudou o CTLA-4. Ele foi um dos vários cientistas que fizeram a observação de que o CTLA-4 funciona como um freio nas células T.
Enquanto algumas equipes de pesquisa exploraram o mecanismo como alvo no tratamento de doenças autoimunes, Allison propôs uma ideia diferente. Ele já havia desenvolvido um anticorpo que poderia se ligar ao CTLA-4 e bloquear sua função. Allison, agora, começou a investigar se o bloqueio dessa proteína poderia ativar o sistema imunológico para atacar as células cancerígenas.
Os resultados iniciais foram espetaculares. Em um experimento de camundongos com câncer, os anticorpos que inibiam o freio imunológico levaram à cura desses camundongos devido à atividade destravada das células T anti-tumorais.
Allison continuou seus esforços para desenvolver a estratégia em uma terapia para humanos, apesar do pouco ou quase nulo interesse da indústria farmacêutica. Logo surgiram resultados promissores e, em 2010, um importante estudo clínico mostrou efeitos notáveis em pacientes com melanoma avançado, um tipo de câncer de pele. Em vários pacientes, os sinais de câncer desapareceram. Tais resultados nunca haviam sido vistos em estudos anteriores neste grupo de pacientes.
Em paralelo, no ano de 1992, Tasuku Honjo descobriu a PD-1 e sua importância para a terapia do câncer. Determinado a desvendar seu papel, Honjo explorou a função dessa proteína em uma série de experimentos realizados ao longo dos anos, em seu laboratório.
Os resultados mostraram que o PD-1, similar ao CTLA-4, também funciona como um freio de células T, Em experimentos com animais, o bloqueio da PD-1 também mostrou ser uma estratégia promissora na luta contra o câncer, como demonstrado por Honjo e outros grupos. Isso abriu o caminho para a utilização da PD-1 como alvo no tratamento contra o câncer em humanos.
O desenvolvimento clínico seguiu e, em 2012, um estudo importante demonstrou uma eficácia clara no tratamento de pacientes com diferentes tipos de câncer. Os resultados foram surpreendentes, levando à remissão e possível cura em vários pacientes com câncer metastático, uma condição que anteriormente havia sido considerada intratável.
TERAPIA COM CHECKPOINT IMUNOLÓGICO PARA O CÂNCER HOJE E NO FUTURO
Sabemos agora que o tratamento referido como “terapia de checkpoint imunológico” mudou fundamentalmente o resultado para certos grupos de pacientes com câncer avançado. Entretanto, tal terapia ainda possui muitos efeitos colaterais devido à superativação de linfócitos, o que pode desencadear respostas autoimunes.
Das duas estratégias de tratamento, a terapia com checkpoint para PD-1 tem se mostrado mais eficaz, e resultados positivos estão sendo observados em vários tipos de câncer, incluindo linfoma, melanoma e até câncer de pulmão.
Atualmente, novos estudos clínicos indicam que a terapia combinada, visando CTLA-4 e PD-1, pode ser ainda mais eficaz.
Assim, Allison e Honjo inspiraram esforços para combinar diferentes estratégias, para liberar os freios do sistema imunológico, com o objetivo de eliminar as células tumorais de forma ainda mais eficiente.
Um grande número de testes terapêuticos com checkpoint estão em andamento contra a maioria dos tipos de câncer, e novas proteínas de checkpoint estão sendo testadas como alvos. Por cerca de 100 anos, os cientistas estudaram como envolver o sistema imunológico na luta contra o câncer. Até o momento das descobertas dos dois laureados, o progresso no desenvolvimento clínico foi modesto. As terapias atuais envolvendo Checkpoints imunológicos revolucionou o tratamento do câncer e mudou fundamentalmente a forma como vemos o manuseio clínico e do câncer.