Para todo estudante de Medicina, médico, principalmente clínico e ainda mais o cardiologista, há um assunto que sempre gera muita dúvida e confusão. A cardiomiopatia por estresse, também conhecida como Takotsubo, ou “Síndrome do Coração Partido”, é caracterizada por uma disfunção sistólica localizada do ventrículo esquerdo, muitas vezes temporária.
A importância do tema é que muitas vezes o quadro pode mimetizar um infarto agudo do miocárdio, porém não apresentando evidências de lesão coronariana na cineangiocoronariografia (CATE).
O nome “takotsubo” vem do termo japonês, dado a um tipo de armadilha para polvos, que possui uma forma semelhante a que o ventrículo esquerdo adquire (depressão dos segmentos médio e apical e hipercinesia das paredes basais).
QUEM É ACOMETIDO PELA “SÍNDROME DO CORAÇÃO PARTIDO”?
Devemos, porém, ter muito cuidado e até evitar o nome “síndrome do coração partido” com a população em geral. Isso porque essa nomenclatura pode trazer a ideia de que é só um problema emocional e acabar por desvalorizar os sintomas e a doença que, na verdade, é bastante grave.
Aproximadamente, 1-2% dos pacientes que apresentam troponina positiva na suspeita de uma síndrome coronariana aguda (SCA) ou em um infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) estão apresentando um quadro de cardiomiopatia por estresse.
A real incidência de Takotsubo em pacientes que passaram por um estresse físico ou emocional não é conhecida. É um acometimento muito mais comum em mulheres do que em homens e ocorre predominantemente em idosos.
Em uma pequena revisão de 10 séries prospectivas (Akaji et. al.), mulheres foram responsáveis por 80-100% dos casos, sendo a idade principal variando entre 61 a 76 anos.
QUAL É A FISIOPATOLOGIA?
A patogênese desta desordem ainda não é muito bem definida. Não se sabe o porquê do maior acometimento de mulheres em faixa etária pós menopausa, nem qual motivo do ventrículo esquerdo (VE) ser mais acometido nos segmentos médios e apicais.
Alguns mecanismos propostos são excesso de catecolaminas, disfunção microvascular, e espasmo coronariano. Obstrução do trato de saída também tem sido relacionado em alguns casos.
A primeira explicação seria que, como é muito relacionada com estresse físico ou emocional, há a sugestão de que a desordem pode ser causada por espasmo miscrovascular induzido por catecolaminas ou disfunção, culminando em atordoamento miocárdico. Outra hipótese seria toxicidade miocárdica diretamente associada à catecolamina.
EXISTEM FATORES PREDISPONENTES?
Também há dados limitados sobre isso. Há alguns relatos de casos familiares, sugerindo a possibilidade de predisposição genética. Pacientes com alterações psiquiátricas ou neurológicas podem predispor à cardiomiopatia por estresse.
COMO É CLÍNICA DESSES PACIENTES?
A apresentação é similar às síndromes coronarianas agudas (IAMCSST; IAMSST; angina instável).
História: Os sinais/sintomas, na maioria das vezes, são desengatilhados por uma emoção intensa ou estresse físico (morte de pessoas próximas, abuso doméstico, diagnósticos médicos catastróficos, estresse financeiro importante, desastres naturais).
Sinais e sintomas: o sintoma mais comum é a dor aguda em região retroesternal, porém outros pacientes podem apresentar dispneia ou síncope. No Registro Internacional de Takotsubo, os sinais/sintomas mais comuns foram dor no peito, dispneia e síncope (75,9; 46,9 e 7,7%, respectivamente).
Alguns pacientes desenvolvem sintomas de insuficiência cardíaca, taquiarritmias (incluindo taquicardia ventricular e fibrilação ventricular), bradiarritmias, insuficiência mitral. Aproximadamente 10% dos casos de cardiomiopatia por estresse se apresenta com sinais/sintomas de choque cardiogênico (como hipotensão, alteração de estado mental, extremidades frias, oligúria e insuficiência respiratória).
A obstrução do trato de saída induzida por hipercinesia de segmentos basais do VE pode produzir um sopro, similar ao auscultado nos pacientes com cardiomiopatia hipertrófica, podendo contribuir com desenvolvimento do choque e insuficiência mitral.
E COMO ESTÃO OS EXAMES?
Eletrocardiograma: alterações eletrocardiográficas são comuns nesses pacientes.
– Elevação do segmento ST (43,7% dos pacientes). Ocorre geralmente nas derivações precordiais anteriores, podendo ser muito similar às alterações encontradas no Infarto Agudo do Miocárdio.
– Infradesnivelamento do segmento ST. É uma alteração menos comum nesses pacientes.
– QT prolongado, inversão de onda T, ondas Q anormais também podem ocorrer.
Marcadores de lesão miocárdica: na maioria dos pacientes, a troponina sérica estará elevada, enquanto a creatinoquinase se encontra dentro da normalidade ou discretamente aumentada.
BNP ou NT proBNP: também se encontram elevados na maioria dos pacientes com cardiomiopatia por estresse.
JÁ QUE É UMA SITUAÇÃO FACILMENTE CONFUNDIDA COM SÍNDROME CORONARIANA, COMO EU FAÇO O DIAGNÓSTICO DE TAKOTSUBO?
A cardiomiopatia de Takotsubo entra como diagnóstico diferencial de qualquer condição em que suspeitemos de síndrome coronariana aguda. Deve ser suspeitada em adultos (principalmente mulheres pós menopausa), que apresentem dor precordial ou dispneia em combinação com alterações eletrocardiográficas e/ou elevação de troponina sérica (geralmente não tão aumentada como nos quadros de infarto agudo do miocárdio). Um gatilho de estresse físico ou emocional está presente na maioria dos pacientes, mas sua ocorrência não é obrigatória para o diagnóstico.
O critério diagnóstico mais utilizado na literatura médica atual é o “Mayo Clinic diagnostic criteria”, sendo obrigatória a presença dos quatro critérios a seguir para a realização do diagnóstico:
– Disfunção ventricular esquerda transitória (hipocinesia, acinesia ou discinesia). As anormalidades de parede são tipicamente regionais e podem acometer território de mais de uma coronária;
– Ausência de doença coronariana obstrutiva ou de evidência angiográfica de ruptura de placa aterosclerótica. Mesmo que seja encontrada doença coronariana, o diagnóstico de cardiomiopatia por estresse pode ser feito, desde que a parede afetada não seja relacionada com a lesão vascular.
– Novas alterações eletrocardiográficas (elevação do segmento ST ou inversão de onda T) ou aumento da troponina sérica;
– Ausência de feocromocitoma ou miocardite.
Portanto, após avaliação desses critérios, conseguimos perceber que esses pacientes sempre vão acabar “ganhando” um cateterismo cardíaco e um ecocardiograma.
Ecocardiograma: na forma mais típica dessa desordem, há um “balonamento” do ventrículo esquerdo, refletindo uma depressão dos segmentos médios e apicais associada à hipercinesia dos segmentos basais.
HÁ PAPEL PARA OUTROS EXAMES COMPLEMENTARES COMO, RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA, NO DIAGNÓSTICO DESTA SITUAÇÃO?
Pode ser utilizada para auxiliar quando o diagnóstico de cardiomiopatia por estresse é incerto. A ressonância cardíaca pode ser útil quando o ecocardiograma foi inconclusivo ou quando há doença coronariana associada. Contribui nos diagnósticos diferenciais, delimita a extensão de acometimento ventricular e pode identificar potenciais complicações.
QUAIS SERIAM OS PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS?
Como mencionado anteriormente, o principal diagnóstico diferencial é a síndrome coronariana aguda. Outras situações que merecem ser lembradas são: uso de drogas como cocaína, vasoespasmo coronariano, miocardite.
Além desses, também há relatos de cardiomiopatia (com disfunção segmentar ou global) encontrada em pacientes com feocromocitoma.
E O TRATAMENTO?
A cardiomiopatia por estresse, geralmente, é uma desordem transitória, que é conduzida com terapia de suporte. Quando associada à resolução de um possível estresse físico e/ou emocional, há resolução dos sintomas rapidamente (naqueles pacientes que não evoluem com condições mais raras como choque e insuficiência cardíaca).
Aproximadamente 10% dos pacientes evolui com choque cardiogênico. Fatores associados a esse desfecho são idade mais jovem, fração de ejeção reduzida, e um gatilho de estresse físico.
Portanto, não há um tratamento específico para a cardiomiopatia de Takotsubo, devendo ser tratada com terapia de suporte e sendo conduzida de acordo com cada possível complicação ocorrida.
QUAL O PROGNÓSTICO DA “SÍNDROME DO CORAÇÃO PARTIDO”?
Ainda que se trate de uma situação transitória na maioria das vezes, o risco de complicações intra hospitalares é similar ao de pacientes internados por síndrome coronariana aguda. Por exemplo, o risco de uso de drogas vasoativas, choque cardiogênico, uso de ventilação invasiva ou não invasiva, ressuscitação cardiopulmonar e morte foi de 19,1% em pacientes com cardiomiopatia por estresse segundo o “International Takotsubo Registry study”.
Alguns fatores são sugeridos como possíveis preditores para evolução de insuficiência cardíaca intra hospitalar: idade > 70 anos, presença de estresse físico, e função ventricular com fração de ejeção menor que 40%.
Pacientes que sobrevivem ao episódio agudo costumam recuperar a função ventricular dentro de 1 a 4 semanas.
Este artigo visa resumir e simplificar um pouco do estudo da cardiomiopatia por estresse, uma situação que ainda necessita de mais evidências para a melhor compreensão sobre seus mecanismos e possui e tratamentos.