Sepse é um tema de grande importância dentro das emergências médicas, uma vez que a mortalidade associada ao evento ainda é bastante alta. Por isso, o desenvolvimento de estudos e artigos sobre o tema é recorrente. Em 3 de abril de 2019, foi a vez da The New England Journal of Medicine publicar a respeito das decisões clínicas no manejo da sepse, mostrando os prós e os contras na abordagem com um pacote de uma hora versus o pacote das 3 horas.
É importante deixar claro que outros trabalhos incluindo o pacote de uma hora já haviam sido publicados, incluindo o Surviving Sepsis em 2018, pela Society of Critical Care Medicine and the European Society of Intensive Medicine. Essa nova publicação do The New England Journal of Medicine traz apenas uma análise comparativa, entre as abordagens, enfatizando os benefícios do pacote da 1 hora. Os highlights desse texto você lê aqui!
No manejo da sepse, algumas estratégias terapêuticas estão bem definidas. Uma delas são os chamados “pacotes”. Entendemos como pacote no manejo da sepse a obtenção de amostra sanguínea para dosagem dos níveis de lactato, obtenção de amostras para hemocultura antes da administração de antibióticos, a própria administração de antibióticos de amplo espectro, administração de solução cristaloide na dose de 30ml/kg se o paciente se apresenta hipotenso ou com níveis de lactato sérico maiores do que 4 mmol/L, além da administração de vasopressor se o paciente se mantém hipotenso mesmo após ressuscitação volêmica com cristaloide.
O tempo zero para o pacote de 1 hora se inicia na triagem do departamento de emergência ou, se referenciado de outra unidade de cuidado, desde a mais antiga anotação em prontuário de todos os elementos compatíveis com quadro de sepse ou choque séptico. A questão abordada pelo New England nesta publicação foi quanto a aplicação deste pacote em uma hora, quando comparado com sua aplicação em três horas, protocolo também validado por outros estudos, associando o pacote de 3 horas com menores índices de mortalidade intra-hospitalar.
Desde a aplicação do pacote das 3 horas, especialistas em terapia intensiva vêm advogando pela implementação de guidelines que recomendem a implementação do pacote de uma hora, para melhorar ainda mais o desfecho dos pacientes críticos. Entretanto, especialistas em emergências médicas vêm expressando receios quanto ao estreitamento do pacote de 3 horas para 1 hora, visto que essa abordagem poderia desviar recursos de outras causas de emergência tempo dependentes, levando a uma queda no desempenho do departamento de emergência. O artigo traz os principais argumentos que defendem ambos os pontos de vista:
- Adotar o pacote de 1 hora no manejo da sepse
A grande quantidade de evidências médicas indica claramente que o tratamento para a sepse, quando estabelecido de maneira precoce, resulta em uma maior chance de sobrevida para os pacientes. Além disso, nenhum estudo mostra que reduzir a velocidade do tratamento traz mais benefícios para o paciente. Dados do norte da Califórnia apontam que a administração precoce de antibióticos e hidratação venosa reduzem a mortalidade. Um estudo conduzido em Minnesota mostrou que, entre os pacientes que foram tratados de acordo com o pacote das 3 horas, os índices de mortalidade foram menores naquele grupo que completou o pacote em menor tempo, corroborando assim com o suporte ao pacote de uma hora.
Argumentos contra o pacote de uma hora tipicamente representam um ou mais dos seguintes posicionamentos:
- A descrença de que a sepse seja uma emergência médica por parte de alguns médicos;
- A crença de que uma única dose de antibiótico de amplo espectro poderia estar associada a um maior risco de causar dano em um paciente não infectado, quando comparado com o benefício potencial que o paciente com risco de vida por disfunção orgânica pela infecção teria;
- A crença de que o bolus de 30ml por quilograma de peso pode ser demais para alguns pacientes.
Quanto aos argumentos contra o pacote de uma hora, aquele que desacredita que a sepse é uma emergência médica talvez seja o mais problemático. Esse argumento se baseia no fato de que a sepse, em geral, não evolui tão rapidamente de forma grave quanto a morte súbita por causa cardíaca, um acidente vascular encefálico ou uma hemorragia extensa por trauma. A progressão evolutiva da sepse para choque séptico aumenta em 8% a cada hora, desde a apresentação dos sintomas até a administração dos agentes antibacterianos. Entretanto, choque associado com tratamento precoce demora mais tempo para se desenvolver (uma média de 26 horas e meia). O ceticismo sobre a crença da sepse não ser considerada uma emergência resulta do fato de que nem o departamento de emergência, nem a terapia intensiva acompanham de forma completa o paciente séptico, deste o início da sintomatologia até o fim do tratamento.
Visar o pacote de uma hora como objetivo de conduta promove um melhor substrato para continuidade na melhora da performance do diagnóstico, bem como permite melhor terapêutica para o doente. O diagnóstico da sepse pode até ser desafiador, mas definir grandes objetivos nos encoraja a fazê-los o mais rápido o possível. Como defesa da abordagem do pacote de uma hora, o trabalho conclui com a seguinte frase: “O compromisso para melhorar continuamente o nosso cuidado para com o paciente com sepse, na verdade nosso cuidado com todos os pacientes, é que deve ser nosso guia”.
- Manter o pacote de 3 horas no manejo da sepse
O pacote de uma hora foi amplamente reconhecido como uma má ideia e não se deve utilizá-lo para guiar a prática clínica. A American College of Emergency Physicians e a Society of Critical Medicine “recomendam que hospitais não implementem o pacote de uma hora em seus protocolos”. Esta não é uma controversa isolada, sendo o pacote de uma hora um produto do Surviving Sepsis Campaign, que é um projeto questionável. Em 2006, a sociedade de doenças infecciosas não endossou o pacote de 3 horas, devido a preocupações com conflito de interesses e metodologias duvidosas em que os estudos se apresentavam.
Até então, ninguém provou que definitivamente o corte de uma hora para execução do pacote de fato ajudaria os pacientes, e muitas são as preocupações de que isso poderia não demonstrar utilidade ou até mesmo causar mal. Há poucas evidencias para apoiar o pacote como um todo, uma vez que ele não foi testado amplamente em ensaios clínicos. Mesmo aqueles que defendem o pacote de uma hora reconhecem que as evidencias que o sustentam variam quanto ao grau de evidencia de baixo a moderado.
O pacote de uma hora poderia causar mal a alguns pacientes sépticos. A ressuscitação agressiva com fluidos pode ser danosa principalmente para os pacientes sépticos que apresentam outras comorbidades, como insuficiência cardíaca congestiva ou doença renal crônica, em estágio terminal. Além disso, a abordagem de uma hora pode dividir a atenção de outros pacientes que comprovadamente se beneficiam de uma abordagem tempo dependente (como os pacientes com infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico ou asfixia, etc).
Apenas uma minoria dos pacientes em que for aplicado o pacote de uma hora receberão diagnóstico confirmado de sepse e serão encaminhados para um centro de terapia intensiva nesse período. A pressa na execução do pacote pode ainda resultar em administração de antibiótico de amplo espectro em pacientes não infectados. O texto ainda cita que é fácil criticar o serviço de emergência de forma retrospectiva quanto a dificuldade de se fechar o diagnóstico precoce, entretanto, é preciso que se lembre que muitas vezes os pacientes se apresentam neste serviço com uma clínica ainda indistinguível de outras afecções.
Frente a esses argumentos apresentados, qual a sua opinião sobre o melhor pacote para a abordagem da sepse?