Primeiro dia do internato e você se depara com um hepatopata crônico internado com um quadro de hemorragia digestiva para investigação. Além dos sinais clássicos dessa doença (aranhas vasculares, flapping, ginecomastia, circulação colateral), o paciente também apresentava ascite. Foi recomendado um paracentese de alívio para o conforto do enfermo e você foi o interno escolhido para realizar o procedimento. Logo, vem na sua mente? Roteiros práticos: paracentese como fazer? Não se desespere, o Jaleko preparou um guia prático para você acessar quando e onde quiser. Assim, não irá deixar passar nenhum detalhe e vai conseguir realizar o procedimento com excelência.
Definição
A paracentese consiste em um procedimento minimamente invasivo, realizado à beira do leito, nesses pacientes com diagnóstico de ascite. É realizado uma punção abdominal para aspiração do líquido que está presente na cavidade peritoneal. Ela pode ser feita como diagnóstico de alguma doença ou terapêutico.
Indicações
É indicado para pacientes internados ou ambulatoriais que apresentem ascite ao exame físico, de início recente ou de causa indeterminada. Por outro lado, quando realizado para fins de terapêutica, é indicado para quem é portador de ascites volumosas e de repetição.
Contraindicações
Devemos sempre pensar nas contraindicações de todos os procedimentos por mais que seja simples e rápido, as complicações podem acontecer e devemos evitar que o pior aconteça. Com isso, a paracentese possui contraindicações absolutas (em que não devemos fazer o procedimento de maneira alguma) e contraindicações relativas (situações em que, dependendo do risco e do benefício, podemos fazer o procedimento, mas ainda não é indicado). As contraindicações absolutas são hematomas no local da punção, se o paciente apresentar sinais de coagulopatia, além de sinais de infecção no local da punção. Já as contraindicações relativas são gravidez (pelo risco de perfurar o saco gestacional), bexiga neurogênica/bexigoma (também pelo risco de perfuração), aderências, cicatrizes no local decorrente de cirurgias prévias e visceromegalias.
Como identificar um paciente com ascite?
Agora, entendendo as principais indicações e contraindicações da paracentese, devemos saber identificar uma ascite, para não correr o risco de realizar o procedimento em um paciente que não tem líquido nenhum em sua cavidade peritoneal. Existem dois testes semiológicos principais que utilizamos para saber se o nosso paciente realmente está com ascite, que são o piparote e a macicez móvel de decúbito. Há outros que podem ser empregados, porém não são prontamente utilizados porque podem ser um tanto quanto desconfortáveis para o paciente. Sendo assim, preferimos utilizar testes mais rápidos e simples para o diagnóstico .
O teste da macicez móvel de decúbito é realizado com o paciente deitado em decúbito dorsal, inicialmente. Iremos percutir o seu abdome no mesogástrio e nos flancos. Esse som estará timpânico (normal) no mesogástrio e maciço nos flancos, o que demonstra a presença de líquido nessa cavidade. Feito isso, pedimos para o paciente mudar de posição, passando de decúbito dorsal para decúbito lateral. Assim, iremos ouvir um som timpânico nos flancos e maciço no mesogástrio. Isso ocorre quando viramos de lado, o líquido tende a escorrer para o lado em que estamos virados, caracterizando a macicez do som escutado na percussão.
Já o sinal do piparote, pedimos para o paciente, em decúbito dorsal, posicionar a sua mão na linha xifopubiana. Quando ele não estiver acordado ou for incapaz de cooperar com o teste, pedimos para alguém nos auxiliar fazendo a mesma coisa. Isso é feito para facilitar o movimento do líquido dentro da cavidade peritoneal. Sendo assim, o examinador deve colocar a mão esquerda no flanco de um lado, enquanto o lado oposto será percutido. Os líquidos irão provocar ondas, que quando o examinador percutir um lado, a mão repousada sobre o flanco no outro lado irá sentir a vibração do líquido.
Material
O Importante antes de qualquer procedimento é saber os materiais que você vai utilizar. O ideal é coloca-los em uma bandeja grande, antes de realizar a sua antissepsia e a do paciente. Para a paracentese iremos precisar de:
– Gorro
– Capote
– Máscara
– Luvas estéreis, de acordo com o tamanho das suas mãos
– Campo fenestrado
– Gaze estéril
– Clorexidina degermante e clorexidina alcóolica
– Lidocaína a 1%
– Jelco 14 ou 16G
– Agulhas (preta e rosa)
– Equipo, caso seja uma paracentese de alívio
– Frascos para mandar o líquido colhido para análise laboratorial
– Seringas de 20 ml (ou 10 ml) e 5 ml
– Adesivo estéril (esparadrapo ou micropore, dependendo do serviço)
– Sistema coletor fechado
Passo a passo
Agora que meus materiais estão separados, chegou a hora de colocar a mão na massa e começar o procedimento. Antes de mais nada, devemos conferir se a pessoa que está na minha frente é realmente o meu paciente, ou é ele mesmo que possui ascite e irá se beneficiar do procedimento. Além disso, devemos garantir que o procedimento será bem explicado para quem fará o exame e, claro, pedir o seu consentimento para realizá-lo. Em alguns casos, solicitamos ao paciente que vá ao banheiro ou até mesmo passar uma sonda vesical de alívio, para que a bexiga não fique tão cheia, e o procedimento se torne menos desconfortável .
O passo mais importante nesse momento é identificar o local da punção. Como saber aonde puncionar? Devemos traçar uma linha imaginária no paciente, que vai da espinha ilíaca anterossuperior até a cicatriz umbilical. Feito isso, vamos dividir essa linha em 3 terços iguais, e a punção será realizada na junção do terço médio com o terço inferior. O lado mais seguro é o esquerdo, porém nas grandes ascites e/ou quando guiado por ultrassom é seguro fazer do lado direito ou até em outros sítios.
Agora sim posso me paramentar, colocando a touca e a máscara, realizando a lavagem cirúrgica das mãos e colocando o capote estéril e as luvas, de acordo com o meu tamanho. Nesse momento irei realizar a antissepsia do meu paciente, primeiramente com clorexidine degermante e depois com clorexidine alcoolica, sempre esperando secar antes de entrar com a agulha. A antissepsia deve ser feita com a gaze estéril em movimentos chamados de “raios de sol”, sempre de dentro para fora, 3 vezes com cada solução. Feito isso, o meu paciente já está estéril e agora sim eu posso colocar o campo fenestrado.
A primeira “picadinha” que o paciente vai sentir é a da anestesia. Fazemos com lidocaína a 1%. Para aspirar a lidocaína do frasco utilizamos a agulha preta. Depois de aspirar, trocamos para a agulha rosa, que é a agulha que vai entrar no paciente. Com o bisel voltado para cima, iremos introduzir a agulha perpendicularmente, aspirando para ver se houve a perfuração de algum vaso, e depois injetando a solução anestésica, não se esquecendo de fazer um pequeno botão anestésico na pele ao final. Esperamos em torno de 10 segundos, que é o tempo de deixar o equipo preparado.
Com tudo pronto, iremos finalmente introduzir o jelco. Dessa vez o paciente não sentirá dor pois o caminho a percorrer pela agulha já está anestesiado. Introduzimos o jelco também com o bisel voltado para cima e perpendicular, no mesmo orifício em que a agulha da anestesia entrou, evitando furar o paciente em dois locais distintos. Entramos com o jelco aspirando e introduzindo lentamente a agulha até notarmos a presença de líquido ascítico refluindo na seringa. Quando isso acontecer, podemos parar de introduzir a agulha, pois já chegamos na cavidade peritoneal do paciente, então iremos retirar a agulha com cautela e introduzir somente o cateter até o final. Assim que retirarmos a agulha, o líquido irá começar a esguichar do cateter, por isso, enquanto não conectamos o equipo, é recomendado que coloquemos o dedo para não fazer uma bagunça generalizada na maca do paciente. Após o equipo estar conectado e as amostras do líquido para o laboratório estiverem colhidas, devemos fixar o cateter evitando a sua saída espontânea, podemos fazer com um adesivo estéril ou simplesmente com um esparadrapo comum por cima de uma gaze, a medida que fique bem preso e fixo na pele do paciente.
Considerações finais:
Algumas complicações podem ocorrer nesse procedimento, e elas podem ser divididas em sistêmicas (hipotensão, alterações eletrolíticas e sepse), intraperitoneais (peritonite, abscesso, sangramento e perfuração de vasos ou de vísceras) ou locais (como hematomas na parede abdominal e vazamentos pelo local da punção). Além disso, cabe lembrar que em pacientes com cirrose e que a retirada de líquido for superior a 5L é recomendada a administração de albumina humana (6 a 8g por cada litro retirado) como prevenção para a síndrome hepatorrenal.
Foi bom ter lido este artigo, aprendi muito, pela vossa experiencia de saber.
Obrigado, Segunda! Continue acompanhando as nossas postagens.