As 3 principais causas clássicas de morte materna são eclâmpsia, infecção e sangramento. Quando falamos de sangramentos da primeira metade da gestação, pensamos em causas como abortamento, gravidez ectópica e mola hidatiforme. Porém, quando falamos de sangramentos da segunda metade, as principais causas passam a ser placenta prévia, descolamento prematuro de placenta e ruptura uterina. Todas são emergências obstétricas potencialmente graves (e até fatais!) e, portanto, necessitam de identificação rápida e conduta adequada para salvar a mãe e o feto. Vamos aprender a manejar do modo correto uma dessas causas, a placenta prévia?
O que é Placenta Prévia?
Placenta prévia é definida como a condição na qual a placenta se implanta total ou parcialmente no segmento inferior do útero. Pode ser classificada como baixa, quando está próxima ao colo do útero, mas sem atingi-lo; marginal, quando atinge o orifício interno do colo do útero, mas sem recobri-lo; e completa ou centro-total, quando recobre totalmente o orifício interno do colo do útero.
A incidência da placenta prévia é de 0,5%, ou seja, ocorre em 1 a cada 200 gestações que chegam ao 3º trimestre. É um achado ultrassonográfico comum em exames realizados entre 16 e 20 semanas, mas 90% destes se reposicionam normalmente até o término da gravidez, graças ao fenômeno da migração, que é explicado pelo crescimento placentário em direção ao fundo do útero, que é mais vascularizado, ocorrendo degeneração das vilosidades periféricas, que recebem menor aporte sanguíneo.
Por conta disso, só se considera como conclusivo o diagnóstico de placenta prévia aquele realizado após a 28ª semana, ou seja, no terceiro trimestre de gravidez, pois, nesse momento, considera-se que a placenta com implantação baixa irá continuar dessa forma até o final.
Quais são os fatores de risco?
O principal fator de risco para ocorrência da placenta prévia é a presença de cicatriz uterina anterior, sendo a principal causa para isso a realização de cesariana prévia. Esse fator é tão importante que a presença de uma cesariana anterior aumenta o risco em 4,5 vezes. Duas cesárias, o risco se torna 7,4 vezes maior, três cesáreas, 6,5 vezes e quatro cesáreas, 45 vezes maior. Além disso, intervenções uterinas, como miomectomia e curetagem, também configuram fator de risco. Multiparidade, idade materna avançada, tabagismo e gemelaridade também são fatores associados.
Risco associado: Acretismo Placentário
Um risco associado a ocorrência de placenta prévia é a maior possibilidade de estar aderida de forma anormal ao útero, o que é denominado acretismo placentário, o que, por si só, já aumenta o risco de hemorragias graves e outras complicações, que podem culminar com a necessidade de histerectomia.
A placenta aderida, normalmente, é separada do miométrio pela decídua basal. A Placenta Acreta se adere diretamente ao miométrio, sem a interposição da decídua. A Placenta Increta não só se adere, como também invade o miométrio. A Placenta Percreta atravessa o miométrio e chega à serosa, podendo invadir órgãos adjacentes, como a bexiga ou o cólon, podendo causar fístulas.
Diante da suspeita de acretismo placentário, deve ser realizado USG Doppler abdominal à procura da invasão de órgãos adjacentes e, confirmada a suspeita, a mulher deve ser encaminhada para centro de referência, com equipe qualificada para a intervenção cirúrgica que será necessária, bem como centro de hemoterapia, para reverter os efeitos de possíveis complicações hemodinâmicas.
Como diagnosticar Placenta Prévia?
O sangramento decorrente da placenta prévia ocorre entre o 2º e o 3º trimestres e costuma ser indolor, em pequena quantidade, autolimitado, com insignificante espoliação materna. Em placentas prévias marginais, o sangramento pode nem existir até o momento do parto.
Mas, no caso de placentas prévias centro-totais, pode ocorrer o chamado “sangramento sentinela”, que ocorre entre a 26ª e 28ª semanas, e é intermitente, abundante, vermelho vivo e, frequentemente, requer internações e transfusões. No caso de placentas acretas, pode também não ocorrer sangramento até a hora do parto. As contrações uterinas podem acontecer, mas nunca vêm acompanhadas de aumento do tônus entre as contrações.
O exame físico deve ser iniciado pelos sinais vitaisda gestante. Em seguida, o exame obstétrico cuidadoso, com palpação abdominal, sobretudo pela possibilidade do encontro de apresentação anômala, medida da altura uterina e ausculta dosbatimentos cardiofetais. O exame especular deve ser feito de maneira muito cuidadosa, sempre à procura da origem do sangramento. É importante atentar-se de, diante da suspeita de Placenta prévia, NUNCA realizar o toque vaginal sem antes saber a localização exata da placenta, caso contrário, corre-se o risco de provocar sangramento com o toque.
O melhor método para diagnosticar placenta prévia, e também o mais seguro, é a ultrassonografia abdominal, pois, a partir dela, é possível identificar a exata localização placentária e sua posição em relação ao orifício interno do colo útero. O eco doppler obstétrico, como já dito anteriormente, está indicado em caso de acretismo, para pesquisa de invasão de estruturas adjacentes, ou se a placenta se inserir sobre cicatriz de cesárea prévia. A ressonância magnética é uma alternativa operador-independente, mas não é superior ao USG e tem menor acessibilidade.
Nesta imagem, observamos a placenta recobrindo todo o orifício interno do colo uterino, o que configura uma placenta prévia centro-total. Vale ressaltar que o feto, neste ultrassom, não está totalmente desenvolvido, o que pode sugerir que esteja com menos de 28 semanas e que a placenta pode migrar para o fundo uterino antes de chegar a termo. Imagem adaptada de http://www.fetalultrasound.com/online/text/33-032.htm
Nesta outra imagem, de um feto mais desenvolvido, observamos a extremidade da placenta se aproximando, mas não recobrindo o orifício interno do colo uterino, o que configura uma placenta prévia baixa ou marginal. Imagem adaptada de http://www.fetalultrasound.com/online/text/33-032.htm
Tá, mas como conduzir a paciente com Placenta Prévia?
A conduta nos casos de placenta prévia sempre incluirá o encaminhamento da gestante a um centro de referência. O que será feito a partir disso depende dos fatores quantidade de sangramento, condição hemodinâmica materna e idade gestacional.
No caso de uma gestante SEM sangramento ativo, com feto prematuro, deve-se adotar conduta expectante com acompanhamento em centro especializado. Não há evidências que sustentem a hospitalização dessa gestante, exceto em casos específicos, como dificuldade de acesso ao hospital. Deve ser feita a orientação de repouso relativo e evitar relações sexuais. Além disso, o uso de corticoterapia deve ser considerado para aceleração da maturidade pulmonar. A suplementação de ferro é uma opção para evitar anemia e deve ser acompanhada da monitoração dos níveis do hematócrito e da hemoglobina. Em gestantes Rh negativo, deve-se prescrever Imunoglobulina anti-D, quando apresentar sangramento, pelo risco de contato com o sangue do feto e a ocorrência da doença hemolítica perinatal.
No caso de sangramento ativo, a gestante deve ser avaliada com relação à sua condição hemodinâmica. O sangramento normalmente não é excessivo e não compromete a vitalidade fetal. Tocolíticos parecem não aumentar morbimortalidade nos casos de trabalho de parto prematuro, mas só devem ser utilizados se a mãe estiver estável hemodinamicamente, devendo ser monitoradas. Se a gestação já se encontra a termo, ou próximo a ele, o parto deve ser realizado pela via mais adequada.
A escolha da via mais adequada depende do julgamento clínico e das informações do USG. Se o bordo placentário estiver a menos de 2cm do orifício interno do colo uterino, se a placenta for posterior ou espessa (>1 cm), a chance de cesárea aumenta significativamente. Por outro lado, se for uma Placenta prévia marginal de menor grau, com bordas finas e apresentação cefálica encaixada, pode-se tentar o parto vaginal. No caso da identificação de uma placenta prévia completa, há indicação absoluta para cesariana que deve ser planejada. Em TODOS os casos, seja por via cesariana ou vaginal, a reserva e disponibilidade imediata de sangue é mandatória.
No caso de acretismo placentário, em 70% dos casos será realizada histerectomia total no momento do parto, mas, caso ocorra invasão de órgãos adjacentes, como bexiga e colo, não se deve retirar a placenta, pelo risco de sangramento maciço, e deve-se usar, posteriormente, o metotrexate, que reduz, progressivamente, o tamanho da placenta.
Como prevenir hemorragias no pós-parto?
Com a invasão trofoblástica do segmento inferior do útero, a sua contratilidade fica prejudicada e há um risco aumentado de hemorragia pós-parto. Para evitar isso, podem ser usados uterotônicos associados a manobras de compressão uterina, mas pode ser necessária intervenção cirúrgica, como a sutura de B-Lynch, a ligadura das artérias uterinas e ilíacas internas e a histerectomia.
Em centros mais avançados, pode ser realizada a cateterização seletiva dos vasos uterinos, para bloquear temporariamente a circulação local e/ou proceder à embolização, para reduzir a hemorragia e evitar procedimentos mais invasivos, como a histerectomia. Em todos esses casos, é necessária uma equipe cirúrgica experiente e pronta para agir e reverter o quadro hemodinâmico da paciente.
Concluindo…
A Placenta Prévia é uma das principais causas de sangramento na segunda metade da gestação e pode configurar uma emergência obstétrica, devendo ser adequadamente investigada e conduzida. Pode causar apenas sangramento discreto sem quaisquer outros sintomas ou queixas, no caso de uma placenta prévia baixa ou marginal, mas pode também configurar risco de choque hemorrágico à mãe e complicações para o bebê, sobretudo nos casos de placenta prévia completa.
Portanto, esteja atento a este diagnóstico diferencial quando se deparar com uma gestante com a queixa de sangramento vaginal, após as 20 semanas de gestação.