A morte encefálica é uma condição que tem seu diagnóstico primordialmente clínico. Entretanto, como este muitas vezes é um diagnóstico difícil de ser realizado, e como também sua definição pode resultar em diversas implicações legais, a legislação brasileira, por normatizações estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina, preconiza que, além de um diagnóstico feito através de um exame clínico, performado por dois médicos diferentes, em intervalo determinado entre os examinadores, outras avaliações devem ser feitas para a declaração legal do óbito. No Brasil, além do exame físico, devem ser realizados o teste da apneia e pelo menos um exame complementar gráfico para demonstrar a morte encefálica.
TESTE DA APNEIA
O teste da apneia consiste na constatação da ausência de drive respiratório no paciente, e é um passo mandatório na determinação da morte encefálica. Sua avaliação determina a funcionalidade do tronco cerebral. Como o teste consiste na interrupção do suporte ventilatório mecânico, antes de ser performado, é importante que o médico responsável comunique a família quanto a suspeita da morte encefálica, para que estes possam questionar o diagnóstico ou até mesmo solicitar que outro profissional médico o confirme. Tal comunicação com a família é garantida como um direito por lei.
O controle da respiração se dá nos núcleos do trato solitário, que se encontram no bulbo. Existem 3 fatores capazes de exercer um controle sobre esse centro respiratório, são eles:
- A pressão parcial de CO2 (PaCO2) – age diretamente no centro respiratório
- O pH sanguíneo – via quimiorreceptores carotídeos e aórtico
- Amplitude da distensão pulmonar – via mecanorreceptores da caixa torácica
Todos esses mecanismos tem vias aferentes e eferentes que os ligam ao centro respiratório bulbar. Quando realizamos o teste da apneia, o objetivo é alcançar um estímulo máximo através desses mecanismos sobre o centro respiratório, para que este execute o drive respiratório. A avaliação do teste da apneia tem maior acurácia quando executada de forma padronizada conforme convenção. Este estímulo máximo ao centro respiratório é conseguido quando se alcançam valores de PaCO2 maiores ou iguais a 55 mmHg.
PROTOCOLO DE REALIZAÇÃO DO TESTE DA APNEIA
No Brasil, este teste faz parte do exame neurológico dentro do protocolo de morte encefálica e pode ser performado por qualquer um dos dois médicos necessários para definir o evento. É necessário executar apenas um teste da apneia.
Para que seja executado, o paciente deve ter sua fração inspirada de oxigênio aumentada para 100% durante 10 minutos na ventilação mecânica, etapa conhecida como pré-oxigenação. O objetivo desta pré-oxigenação é obter uma PaO2 maior ou igual a 200mmHg e um valor de PaCO2 entre 35 e 45 mmHg.
Então, deve-se colher uma primeira gasometria arterial para monitorar esses parâmetros, bem como o paciente deve ser mantido sob monitorização da saturação com oxímetro de pulso. Uma vez feito isso, deve-se desconectar o paciente da ventilação mecânica e inserir, através do tubo, um cateter para fornecer oxigênio puro pela via intratraqueal a 6 L/min. Este fluxo de O2 também pode ser fornecido por CPAP ou tubo T. Instalado o fluxo de oxigênio, deve-se observar o paciente por cerca de 8 a 10 minutos, observando presença de movimentos respiratórios. É preciso que o tempo de observação seja anotado. Em situações de morte encefálica, prevê-se um aumento da PaCO2 de 3 mmHg/min em pacientes adultos, assim, consegue-se estimar melhor o tempo para observação.
Passado o intervalo de observação, colhe-se nova gasometria arterial e reconecta-se o doente à ventilação mecânica. O teste da apneia é dito positivo, ou seja, presença de apneia mantida, quando o paciente não apresenta movimentos respiratórios com uma PaCO2 superior a 55 mmHg, mesmo que o teste tenha sido interrompido antes de 10 minutos. Se o resultado final foi uma PaCO2 inferior a 55 mmHg, mesmo sem movimentos respiratórios, diz-se que o teste foi inconclusivo e, se houver qualquer tipo de movimento respiratório, mesmo que débil, o teste é dito negativo.
Caso haja hipotensão, hipoxemia significativa ou arritmia cardíaca, deve-se colher uma nova gasometria arterial e reconectar o paciente a ventilação mecânica novamente e, após estabilização hemodinâmica, o teste deve ser repetido.
EXAMES COMPLEMENTARES
Apesar de o diagnóstico de morte encefálica ser essencialmente clínico, é necessário que seja realizado pelo menos um exame complementar para documentar a ausência de atividade encefálica. A ausência de atividade encefálica pode ser avaliada de três maneiras diferentes, são elas:
- Atividade elétrica encefálica
- Perfusão sanguínea encefálica
- Atividade metabólica encefálica
A disponibilidade do exame a nível local é que muitas vezes vai guiar a escolha do método gráfico complementar para a avaliação. O exame complementar ideal para este fim deve ter boa sensibilidade, mas este deve apresentar principalmente alta especificidade, para que não hajam casos falsos-positivos, em que o paciente apresente sinais de atividade de tronco encefálico, mas que o exame complementar não seja concordante.
ELETROENCEFALOGRAMA
O eletroencefalograma foi o primeiro método utilizado para a avaliação de pacientes vítimas de morte encefálica, e até hoje ainda é amplamente utilizado. O eletroencefalograma deve ser realizado com no mínimo 8 derivações de impedância entre 100 e 10.000 Ω, sensibilidade de ao menos 2 µV e duração mínima de 30 minutos. Seu resultado é compatível com morte encefálica, quando o resultado do exame exibe silêncio isoelétrico. Pode resultar em falso-positivo na presença de hipotermia ou de distúrbios metabólicos graves. Sua vantagem é poder ser realizado à beira do leito e ter baixo custo, além de estar amplamente disponível.
Caso haja dúvidas quanto a realização do exame ou se tenha registro gráfico de atividade elétrica, é de bom tom aguardar pelo menos 6 horas para a realização de um novo eletroencefalograma. Caso se opte por outro exame complementar, este pode ser realizado imediatamente.
ANGIOGRAFIA CEREBRAL
A arteriografia cerebral avalia a presença de fluxo sanguíneo na porção intracraniana das artérias carótidas internas e vertebrais. Este exame é tido como “padrão-ouro” no diagnóstico de morte encefálica e serve como referência para comparação de novos testes.
A parada do fluxo de contraste deve ser documentada na região acima da artéria oftálmica e da artéria basilar, bilateralmente. Sua desvantagem é que, para sua realização, muitas vezes pacientes graves, que necessitam de suporte em terapia intensiva, precisam ser deslocados até o local de realização do exame. Também demanda punção arterial para infusão de contraste que tem potencial nefrotóxico.
DOPPLER TRANSCRANIANO
Avalia a presença de fluxo sanguíneo encefálico nas artérias carótidas internas intracranianas, cerebrais médias, vertebrais e basilar. Na morte encefálica, observa-se ausência de fluxo nesses vasos, pode se visualizar apenas de fluxo diastólico reverberante e pequenos picos sistólicos. Tem vantagem de poder ser realizado à beira do leito, não ser invasivo e dispensar o uso de contraste. Em 10% dos pacientes, o exame é impossível de ser realizado devido à janela óssea incompatível.
CINTILOGRAFIA (SPECT CEREBRAL)
Exame que avalia a atividade metabólica cerebral, bem como sua perfusão. O método é feito pela análise da captação do radionuclídeo tecnécio pelo parênquima cerebral. Sua vantagem é não utilizar contraste iodado, ser de fácil interpretação e ter elevada concordância com a arteriografia cerebral.
A vantagem dos exames que avaliam fluxo cerebral é que alterações metabólicas não falseiam seus resultados. A principal limitação desses exames reside no fato de poderem apresentar fluxo sanguíneo encefálico em pacientes que apresentam algum grau de abertura da caixa craniana, como crianças abaixo de 1 ano, vítimas de TCE aberto e pós-operatório de craniotomia extensa. Nestas situações, um bom método de escolha pode ser a avaliação da atividade elétrica cerebral, embora um exame que confirme ausência de fluxo nesta condição seja definitivo.
Esses são as principais qualidades quanto ao teste da apneia e exames complementares para o diagnóstico de morte encefálica da nossa revisão.