Como o próprio nome já diz, se você nunca ouviu falar sobre este assunto, agora vai ter pelo menos uma noção desse método que vem apresentando bons resultados tanto na qualidade quanto na sobrevida dos pacientes com doenças cardíacas crônicas.
Os programas de reabilitação cardiovascular baseados em exercício tiveram início na década de 1950 (mesmo que ainda muito embrionários). O treinamento físico é um componente chave desses programas, além de aconselhamento psicológico, orientações para cessação do tabagismo, incentivo à aderência às medicações e à dieta específica.
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QUAL O PAPEL FUNDAMENTAL DO TREINAMENTO FÍSICO NA REABILITAÇÃO CARDIOVASCULAR?
De forma simples e resumida, o exercício aumenta a tolerância ao esforço, diminui isquemia cardíaca, reduz a angina induzida por esforço, diminui também fatores de risco cardíacos (lipídios séricos, pressão arterial, disfunção endotelial).
ANTES DE SEGUIRMOS COM ESSE ARTIGO, VAMOS DEFINIR ALGUNS TERMOS RELACIONADOS AO EXERCÍCIO:
Atividade física: termo utilizado para definir qualquer atividade corporal;
Exercício: atividade física com o objetivo de treinar, capacitar e estressar algum sistema;
Exercício aeróbico: é aquele que utiliza primariamente o sistema de transporte de oxigênio (ex.: caminhada, corrida, natação, ciclismo);
Exercício resistido: primariamente afeta o sistema musculoesquelético (ex.: levantamento de pesos, musculação);
Treinamento: aquele exercício físico realizado de forma sistemática de modo a aumentar a capacidade de desempenho do sistema cardiovascular e/ou musculoesquelético.
O QUE AS DOENÇAS CARDÍACAS CAUSAM NO DESEMPENHO DO EXERCÍCIO?
Alguns pacientes cardiopatas podem apresentar desempenho normal quando comparados a indivíduos saudáveis, com mesmo sexo e faixa etária. Entretanto, outra parcela deles se encontra mais limitada (ex.: pacientes com menor volume de ejeção sistólico; os que apresentam isquemia miocárdica; resposta cronotrópica deficitária; uso de medicamentos como betabloqueadores).
E O QUE O TREINAMENTO FÍSICO PODE TRAZER DE BENEFÍCIO PARA ESSES PACIENTES?
O principal efeito (tanto do exercício aeróbico quanto do resistido) é a melhora na tolerância ao esforço. O primeiro acarreta aumento do VO2 máximo (nada mais é do que a capacidade máxima de exercício de cada indivíduo), o que reduz a elevação exagerada da frequência cardíaca e da pressão arterial sistólica no exercício e, consequentemente, o consumo de oxigênio pelo miocárdio. Já o segundo (treinamento resistido) gera um aumento da força e da resistência muscular do grupamento treinado.
O quanto o VO2 será aumentado com o treinamento depende da idade do paciente, da intensidade e duração do protocolo de treinamento, fatores genéticos, características da doença de base. Em média, os pacientes submetidos à reabilitação cardíaca apresentam um aumento do VO2 máximo de aproximadamente 11 a 36%.
VAMOS DETALHAR OS EFEITOS DA REABILITAÇÃO NA MORBIMORTALIDADE DESSES PACIENTES?
Nessa parte do artigo, vamos separar por sinais/sintomas ou grupos específicos de pacientes.
Angina: o treinamento físico aumenta o tempo de exercício até o início do sintoma anginoso, ou até mesmo elimina tal sintoma.
O treinamento físico pode reduzir o consumo de oxigênio pelo miocárdio (MO2) durante o exercício submáximo. O aumento do VO2 máximo reduz a necessidade de elevações exageradas da frequência cardíaca (FC) e da pressão arterial sistólica (PAs). Com essa redução do duplo produto, há redução no MO2, retardando o aparecimento da angina.
Além disso, há uma melhora também da vasodilatação endotelial nos indivíduos que possuem treinamento físico. Isso faz com que haja uma atenuação na disfunção endotelial presente na doença aterosclerótica.
Atualmente, a reabilitação cardíaca se encontra mais consolidada naquele perfil de paciente que ainda mantém angina, mesmo com tratamento medicamentoso otimizado, e que não apresenta propostas de intervenção como angioplastia ou revascularização miocárdica.
Morbimortalidade na doença arterial coronariana: a maioria dos estudos aponta que a mortalidade geral e cardíaca são menores nos pacientes submetidos à reabilitação cardíaca (redução de 20 e 26%, respectivamente).
Insuficiência cardíaca: aumento de VO2% (aproximadamente 16%) com o treinamento. As metanálises que comparam os pacientes submetidos à reabilitação com os que não apresentam treinamento físico demonstraram uma redução na mortalidade em cerca de 29%, demonstrando que, além de melhorar a capacidade ao exercício, o treinamento também pode contribuir na redução da mortalidade cardíaca em pacientes com IC sistólica.
Um dos estudos de maior relevância para esse assunto (“HF-ACTION”) foi capaz de demonstrar que pacientes com história de insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida que são submetidos à reabilitação cardíaca, quando comparados ao grupo controle, apresentam redução na mortalidade cardiovascular e no número de internações por etiologia cardiovascular.
COMO SE DÁ O PROGRAMA DE REABILITAÇÃO CARDÍACA IDEAL?
No mundo ideal, os programas de reabilitação cardíaca são divididos em três fases (de acordo com o estado clínico do paciente). Na primeira delas, o programa ainda é intra hospitalar, durante a internação, sendo iniciado logo após uma intervenção ou cirurgia cardíaca, por exemplo (ainda pouco disponível no mundo). Seria o momento ideal para introduzir os pacientes ao conceito da reabilitação cardiovascular e também fornecer as orientações apropriadas.
A fase de número 2 já é extra hospitalar, sendo supervisionada por um profissional médico após a alta do paciente, em monitorização eletrocardiográfica. Em geral, os pacientes se exercitam 3 vezes por semana, totalizando 36 sessões em um período de 3 a 4 meses.
Já a fase 3 é a fase de manutenção, sem necessidade de monitorização eletrocardiográfica, podendo ser realizada em clubes, academias ou locais com capacidade de prover o treinamento físico específico para cada indivíduo.
COMO É FORMADA UMA EQUIPE DE REABILITAÇÃO CARDÍACA?
Idealmente deve ser composta por um diretor médico, um enfermeiro e outros profissionais com capacidade de atuação em exercício (fisioterapeutas, nutricionistas, por exemplo).
Em geral, o médico, principalmente na fase 2, deve estar presente acompanhando o treinamento. Toda a equipe deve ser adequadamente treinada em suporte avançado de vida em cardiologia (ACLS). A quantidade recomendada de profissionais é de um para cada cinco pacientes na fase 2 e de um para 10-15 pacientes na fase 3.
COMO DESENHAR UM PROGRAMA DE EXERCÍCIOS?
Antes de iniciar o programa, o paciente deve ser submetido a um teste de esforço que seja limitado por início de sintomas do mesmo. Esse teste possui como principal objetivo definir sintomas graves, arritmias, isquemias que possam necessitar de outra intervenção antes do início do programa de reabilitação cardiovascular.
Além disso, o teste também é útil para definir melhor a capacidade funcional inicial de cada paciente além de determinar intensidade do treinamento físico a que será submetido.
De forma geral, as sessões de exercício físico as formadas por 5 minutos de aquecimento (mobilização articular e alongamentos), com 20-30 minutos de exercício aeróbico posteriormente e 5 a 15 minutos de atividade leve.
Alguns exercícios leves de resistência devem ser realizados após a etapa aeróbica (envolvendo os principais grupamentos musculares, aumentando a capacidade do paciente de realizar as tarefas do trabalho e do cotidiano. Ex.: rosca bíceps; rosca tríceps; desenvolvimento de ombros; abdominal; agachamento; flexão de braços com joelhos apoiados).
Outro fato é que o treinamento aeróbico geralmente é realizado a 60-70% dos VO2 máximo (podendo ser mais atenuado em alguns pacientes específicos). Nos dias em que não há sessão de reabilitação, os pacientes são orientados a realizarem atividades leves como jardinagem, caminhadas.
ESSES PACIENTES PODEM REALIZAR TREINAMENTO FÍSICO NÃO SUPERVISIONADO?
Vamos lá! Muitos desses pacientes não conseguem frequentar programas de treinamento supervisionado, já que, na prática, ainda mais no nosso meio, existe pouca disponibilidade de centros capacitados em reabilitação cardíaca, ou porque os pacientes não são capazes de arcar com o custo de deslocamento até os locais capacitados, por exemplo.
No entanto, todos os pacientes com história de doença arterial coronariana e também os com insuficiência cardíaca (com exceção dos que possuem alguma contraindicação) devem ser estimulados à prática do exercício físico devido aos benefícios provocados pelo mesmo como já citados anteriormente.
Sendo assim, os pacientes que não podem ser supervisionados devem ser estimulados a praticarem caminhadas (caso não possuam algum limitante para essa atividade).
A intensidade deve ser aquela anterior ao início da possível dispneia leve. Essa forma de orientação elimina a necessidade de monitorização da frequência cardíaca. Outra orientação fácil é que o paciente caminhe na maior intensidade que permita uma conversa com outra pessoa de maneira confortável (correspondendo à intensidade de treinamento orientada para pacientes cardiopatas).
ALÉM DESSAS ORIENTAÇÕES, EXISTEM OUTRAS QUE DEVEM FAZER PARTE DE UM PROGRAMA DE REABILITAÇÃO CARDÍACA?
Sem dúvidas! Estratégias como aconselhamento nutricional, psicológico, vocacional, controle da pressão arterial, dos níveis do colesterol sérico e orientação sobre a interrupção do tabagismo devem ser adotadas.
PLANOS DE SAÚDE POSSUEM COBERTURA PARA ESSES PROGRAMAS?
A Agência Nacional de Saúde (ANS) incluiu a reabilitação cardíaca como procedimento a ser coberto por planos de saúde há alguns anos. Em geral, o plano cobre até 36 sessões do programa. Ao final dessas, há uma reavaliação para verificar os resultados e necessidade de prolongamento do programa ou se o paciente já pode receber alta para treinamentos não supervisionados.
Além disso, mesmo que o centro de reabilitação cardíaca não seja credenciado por algum plano em específico, o paciente pode solicitar o reembolso, já que o procedimento é de cobertura obrigatória definida pela ANS.
POR QUE A REABILITAÇÃO CARDIOVASCULAR É POUCO UTILIZADA?
Realmente, calcula-se que somente 25-30% dos homens e 11-20% das mulheres com indicação desse tipo de programa realizam o mesmo. Isso ocorre pela falta de encaminhamento do médico assistente (ainda não se sabe ao certo o motivo, talvez por desconhecimento da indicação ou por falta de estrutura do ambiente de trabalho – essas são apenas algumas hipóteses). Além disso, acredita-se que os médicos ainda subestimem os benefícios provocados pela reabilitação cardíaca.
Mesmo quando os médicos não estão convencidos sobre os benefícios, a experiência do programa, em geral, traz algo positivo para o próprio paciente como, por exemplo, elevação da autoestima.
QUAIS SÃO AS PERSPECTIVAS FUTURAS PARA A REABILITAÇÃO CARDÍACA?
Ainda é um futuro incerto. Provável que um futuro mais distante consiga ver com mais clareza, baseado em ensaios clínicos bem idealizados, os benefícios do programa. Talvez este possa ser mais utilizado para o tratamento da angina e da doença arterial coronariana estável, diminuindo as intervenções de alto custo como angioplastia e cirurgia de revascularização miocárdica.