Mas o que é gravidez ectópica?
É uma gravidez extrauterina, em que a implantação do blastocisto ocorre em um local diferente do endométrio da cavidade uterina. Sua prevalência é de cerca de 2%.
É a principal causa de mortalidade materna relacionada à gestação no primeiro trimestre, sendo responsável por 4% de todas as mortes relacionadas à gravidez.
O local mais comum de implantação é na trompa de Falópio, responsável por 96% de todas as gestações ectópicas. Outros locais possíveis são: região cervical, região intersticial, cicatriz de cesariana, intramural, ovário e abdome. Dentre as tubárias, a maior parte acontece na região ampular, e depois na ístmica. Além disso, também é possível que uma gestação múltipla inclua gravidez uterina e extrauterina (gravidez heterotópica).
Quais são os fatores de risco?
Estão relacionados com a anatomia e funcionalidade tubária, que pode atrasar o transporte do ovo e possibilitar sua implantação nos demais locais, antes de chegar ao endométrio. Além disso, alterações no endométrio podem não permitir que haja implantação do ovo nesse local, culminando nas gestações cervicais.
São eles: doença inflamatória pélvica (DIP) – principal fator, salpingite, endossalpingite, alterações anatômicas da trompa, raça negra, idade maior que 35 anos, falha anticoncepcional, uso de anticoncepcional oral contendo apenas progestágenos, uso de dispositivo intrauterino (DIU) – risco relativo, gestação ectópica anterior, endometriose, cirurgia tubária prévia, exposição intraútero ao dietilestilbestrol, infertilidade tratada com indutores da ovulação, múltiplos parceiros sexuais, cirurgia abdominal prévia, uso frequente de duchas vaginais, tabagismo, início da atividade sexual com menos de 18 anos, e fertilização in vitro.
Quais os sintomas da gravidez ectópica?
O sangramento pode estar presente em 50% dos casos, e acontece devido ao processo de erosão da mucosa tubária pelo trofoblasto em desenvolvimento, ou pela rotura tubária. Simula um fluxo menstrual ou um abortamento, o que pode dificultar o diagnóstico.
É preciso investigar gravidez ectópica se atraso menstrual, sangramento vaginal discreto, dor abdominal, útero de tamanho reduzido em relação ao esperado pela idade gestacional, massa anexial palpável, defesa abdominal, e grito de Douglas (sinal de Proust – dor à mobilização do colo uterino e abaulamento, e dor no fundo, de saco de Douglas, devido ao acúmulo de sangue no fundo, de saco vaginal) – esses 2 últimos acontecem mais se a gravidez ectópica for rota.
E se houver gravidez ectópica rota?
O rompimento da trompa acontece principalmente quando a gravidez se localiza na porção ístmica e, geralmente, se dá nas primeiras semanas de gestação.
É acompanhada de hemorragia intraperitonial, dor aguda e intensa na fossa ilíaca ou no hipogástrio, e pode levar ao choque.
Com isso, podemos observar alguns sinais na paciente, são eles: sinal de Laffon (dor no ombro por irritação do nervo frênico), sinal de Blumberg (descompressão dolorosa do abdome), sinal de Cullen (equimose periumbilical, decorrente de sangramento no retroperitônio), e o sinal de Proust, já abordado acima.
Como diagnosticar uma gravidez ectópica?
O diagnóstico é baseado na combinação de clínica compatível com esse quadro, gonadotrofina coriônica humana quantitativa no soro, e ausência de saco gestacional intraútero na ultrassonografia transvaginal, comprovando a implantação extra-útero.
Se o beta-hCG for maior que 1500 mUI/ml e não for visualizada gestação tópica na ultrassonografia transvaginal, aumenta a probabilidade de que seja uma gravidez ectópica.
O beta-hCG é produzido pelo trofoblasto em desenvolvimento, mas como na gestação ectópica o espaço é limitado para o seu crescimento, essa produção geralmente não acontece com o mesmo aumento de uma gestação tópica.
Apesar da não ascensão do beta-hCG como na gravidez intraútero, não podemos dizer que esse é um sinal específico da gestação ectópica, pois também pode ocorrer em insuficiência do corpo lúteo e abortamento.
Na ultrassonografia abdominal, o valor limítrofe de beta-hCG para a visualização de saco gestacional intraútero é de 6000 a 6500 mUI/ml.
Também é possível dosar a progesterona, que, nesse caso, estará inferior a 10 ng/ml.
Alguns achados da ultrassonografia transvaginal que podem ajudar no diagnóstico são:
- Presença de anel tubário em região anexial ou massa complexa anexial com líquido livre na cavidade peritoneal.
- Sinal do halo: Halo anecoico ao redor do anel tubário, representando edema da camada subserosa da tuba uterina.
- Pseudossaco gestacional (acúmulo de líquido entre as camadas do endométrio, centralizado, mas não dentro do endométrio, como o saco gestacional verdadeiro).
- À dopplerfluxometria: Aumento do fluxo à artéria tubária, fluxo trofoblástico periférico ao saco gestacional, fluxo de baixa resistência na artéria tubária do lado supostamente acometido, e neoformação vascular em possível tumoração anexial.
- Reação de Arias-Stella: Espessamento endometrial como consequência da hipertrofia das glândulas secretoras endometriais, devido aos estímulos hormonais da gestação ectópica (mas não é específica).
Como é feito o tratamento da gestação ectópica?
A conduta depende de vários fatores, como o quadro clínico da paciente, a estabilidade hemodinâmica, o desejo de gestar novamente, a trompa íntegra e o acesso a diferentes terapias.
Geralmente a instabilidade hemodinâmica será causada por rompimento da trompa, e então o tratamento deve ser feito com laparotomia e salpingectomia, que é a retirada da trompa rompida.
Em caso de rompimento da trompa, mas paciente estável hemodinamicamente, também será preciso realizar o tratamento cirúrgico para retirada da trompa acometida, mas pode ser feito por videolaparoscopia. Caso não tenha havido rompimento, temos algumas possibilidades terapêuticas.
Se estabilidade hemodinâmica, trompa íntegra, desejo de nova gestação e massa anexial menor que 5 cm, pode ser feito tratamento cirúrgico ou medicamentoso.
O tratamento cirúrgico pode ser conservador, com salpingostomia linear, que consiste em remoção do saco gestacional, sem retida da trompa. Se saco gestacional na porção ístmica, o melhor a ser feito é a ressecção tubária segmentar.
Se condições clínicas para a realização de cirurgia laparoscópica, essa deve ser sempre preferida em relação à laparotomia, pois evita a formação de aderências, possibilita menor tempo de internação, com uma recuperação pós-operatória mais favorável, além de melhor resultado estético.
Comparando o tratamento cirúrgico com o medicamentoso, pode-se dizer que os índices de gestações tópicas subsequentes são semelhantes, sendo o tratamento medicamentoso mais barato. Entretanto, esse não poderá ser realizado em todas as pacientes, apenas se saco gestacional menor que 3,5 cm, feto sem atividade cardíaca e beta-hCG menor que 5000 mUI/ml. Caso não se enquadre nesses critérios, a chance de sucesso será menor.
Como é feito o tratamento medicamentoso?
É feito com metotrexate, um antagonista do ácido fólico que interfere na síntese do DNA e RNA, impedindo a multiplicação celular. Ele pode ser administrado diretamente no saco gestacional, em dose única de 50 mg, ou por via intramuscular (também em dose única de 50 mg), ou ainda por injeção intramuscular em dias alternados, na dose de 1 mg/kg.
Vamos agora diferenciá-los:
- A injeção no saco gestacional diminui os efeitos colaterais da medicação, mas é preciso realizar um procedimento invasivo (laparoscopia ou punção guiada por ultrassonografia) para que seja administrado.
- A injeção intramuscular em dose única apresenta menor taxa de sucesso, mas causa menos efeitos colaterais que o tratamento em múltiplas doses. É preciso dosar o beta-hCG no 4º e 7º dias após a administração, e caso a última não tenha caído pelo menos 15% em relação ao valor do 4º dia, é preciso repetir a dose de 50 mg. Caso essa segunda dose ainda não tenha sido eficaz, podemos realizar a terceira tentativa. Se essa ainda não for eficaz, não está mais indicada a terapia medicamentosa, pois se conclui que não houve sucesso. Em casos de queda hormonal e sucesso terapêutico, é preciso repetir o beta-hCG semanalmente até que seja negativado (menor que 5 mUI/ml).
- A terapia em múltiplas doses é feita com administração de metotrexate 1mg/kg no 1º, 3º e 5º dia, e administração de ácido folínico de 0,1 mg/kg no 2º, 4º e 6º dia. É preciso dosar o beta-hCG diariamente até que haja queda de pelo menos 15% em 48 horas. Se não houver queda, podemos repetir o esquema até 4 vezes, dando um intervalo de 7 dias entre eles. Se queda do beta-hCG, esse deverá ser dosado semanalmente até a sua negativação.
Uma observação importante, é que a ultrassonografia transvaginal não pode ser utilizada como controle do tratamento medicamentoso, já que as imagens podem persistir por até 3 meses após a negativação do beta-hCG.
Quais são os efeitos colaterais do tratamento clínico?
Os efeitos principais são náuseas, vômitos, diarreia, aumento transitório de transaminases, estomatite, supressão da medula óssea, hepatotoxicidade, nefrotoxicidade, dermatite, fibrose pulmonar, alopecia e dor abdominal (alguns dias após a administração da medicação, pode haver dor aguda devido ao processo de necrose no local da implantação do ovo, mas necessita de acompanhamento).
A paciente deverá ser acompanhada com exames laboratoriais para avaliação da repercussão medicamentosa.
Existe alguma contraindicação para esse tratamento?
Sim, as contraindicações são: imunodeficiência, alcoolismo, aleitamento, doença renal ou hepática, doenças pulmonares ativas, úlcera péptica, hemorragia intra-abdominal ativa, hipersensibilidade à medicação e indicação de conduta expectante.
Outra conduta possível, embora rara, é a expectante:
Essa é uma conduta para pacientes estáveis hemodinamicamente, com o beta-hCG decrescendo, (principalmente se menor que 1000 a 1500 mUI/ml), implantação incerta ou em trompa, sem sangramento na cavidade abdominal ou ruptura tubária, e diâmetro da massa de até 3,5 cm.