A morte encefálica é um evento de difícil diagnóstico. Por isso, sua definição se dá com uma série de exames diferentes, com o fim de assegurar um diagnóstico preciso. Entende-se que é necessário para se fechar o diagnóstico de morte encefálica alguns requisitos, que são eles:
- 2 exames clínicos realizados por médicos diferentes
- Teste da apneia
- Exame complementar
Como o exame físico em um paciente vítima de morte encefálica, bem como os exames complementares a serem realizados, não são tão frequentes na prática clínica, esse post tem como objetivo te mostrar quais são as principais qualidades e atribuições de cada etapa desse exame diagnóstico.
EXAME FÍSICO
Lembre-se que o diagnóstico de morte encefálica é primordialmente clínico, as avaliações laboratoriais precedem a partir da suspeita clínica. Quando iniciamos o exame físico de um paciente com suspeita clínica de morte encefálica, estamos procurando pela ausência de sinais de atividade, não só cerebral, mas também de tronco encefálico. Por isso, o termo morte cerebral não é um termo correto a ser utilizado, pois quando o usamos, não estamos incluindo as funções associadas ao tronco encefálico, que também devem estar ausentes para se diagnosticar a morte encefálica.
Por isso, ao examinarmos o paciente, precisamos determinar um estado de coma em que o paciente não apresente respostas aos estímulos externos. Esse paciente deve apresentar uma escala de coma de Glasgow de 3, ou seja, o paciente não apresenta abertura ocular, resposta verbal ou motora quando estimulado. A graduação da escala de Glasgow é feita da seguinte maneira:
Score | abertura ocular | Resposta verbal | Resposta motora |
1 | Nenhuma | Nenhuma | Nenhuma |
2 | A dor | Palavras incompreensíveis | Extensão anormal (decerebração) |
3 | Ao chamado | Palavras inapropriadas | Flexão anormal (decorticação) |
4 | Espontânea | Confusa | Movimento de retirada |
5 | – | Orientada | Localiza dor |
6 | – | – | Obedece a comandos |
Entretanto, a escala de coma de Glasgow não tem sensibilidade alta para diagnosticar lesões encefálicas baixas. Por isso, é importante que outros testes clínicos sejam realizados. O estímulo álgico em face, na região supraorbitária ou temporomandibular, tem como objetivo avaliar a via aferente do nervo trigêmeo, se houver qualquer reação motora ao estímulo, isso significa que o tronco encefálico ainda apresenta atividade. Recentemente, foi desenvolvida uma atualização da escala de coma de Glasgow, que inclui a resposta pupilar. Porém, ela ainda não foi totalmente validada para a morte encefálica. De qualquer forma, muitos estudiosos defendem que ambas podem ser utilizadas hoje.
Outros estímulos dolorosos podem ser testados, como a compressão do leito ungueal, mas esse só terá resposta considerada caso haja alteração da mímica facial ao estímulo. O estímulo esternal ou dos mamilos não são adequados para o teste pois podem significar um reflexo medular, que não exclui o diagnóstico de morte encefálica.
Na morte encefálica, as porções mais baixas do encéfalo são comprometidas, por isso, aqueles reflexos, que tem sua localização a nível de tronco, também são perdidos nesses pacientes. Assim, os chamados reflexos de tronco devem ser pesquisados. São eles:
- Reflexo fotomotor (pupilar)
- Reflexo córneo-palpebral
- Reflexo vestíbulo calórico
- Reflexo oculocefálico
- Reflexo de tosse
REFLEXO FOTOMOTOR
Este reflexo tem como via aferente o nervo óptico (NC II), que tem seus núcleos no tálamo e sua via eferente é o nervo oculomotor (NC III), no mesencéfalo. No paciente com morte encefálica, as pupilas devem estar midriáticas, com dilatação média ou completa (3 a 9 mm) e devem estar centradas na linha média. A forma da pupila não é importante para o diagnóstico de morte encefálica, mas sim a sua reatividade. As pupilas devem ser iluminadas e não devem apresentar contração como resposta ao estímulo luminoso por 10 segundos. Devemos estar atentos a ausência de resposta direta (na mesma pupila iluminada), como também na resposta consensual (reatividade da pupila contralateral).
REFLEXO CORNEO PALPEBRAL
O reflexo córneo-palpebral tem como via aferente o nervo trigêmeo (NC V), com seus núcleos localizados na ponte e sua via eferente é o nervo facial, de mesma localização. Para se testar esse reflexo, utilizamos uma gaze ou algodão para se fazer um leve estímulo tocando a córnea do paciente, sem causar injúria. Quando presente, a resposta é de defesa, com fechamento ocular.
REFLEXO VESTÍBULO CALÓRICO
Sua via aferente é através do nervo vestíbulo coclear (NC VIII), que tem seus núcleos na ponte e sua via eferente se dá pelos nervos responsáveis pela musculatura extrínseca do olho. São os nervos oculomotor (NC III), abducente (NC VI) e troclear (NC IV). Ele têm seus núcleos localizados no fascículo longitudinal medial, que se encontra na transição entre o mesencéfalo e a ponte. Para se testar esse reflexo, primeiramente devemos realizar uma otoscopia para verificar ausência de obstruções do canal auditivo.
Então, o paciente deve ser posicionado com a cabeceira do leito a 30o, com pescoço e cabeça centrados, sem qualquer flexão ou extensão e com os olhos abertos. Então, devemos introduzir de forma lenta com seringa ou equipo 50 ml de soro fisiológico 0,9% na temperatura de 0oC no meato acústico externo, através de uma sonda fina, em ambos os ouvidos, um de cada vez. Quando preservado o reflexo, o olhar é desviado para o lado em que foi injetada a solução gelada.
REFLEXO OCULO CEFÁLICO
O reflexo óculo cefálico também tem como via aferente o nervo vestíbulo coclear (NC VIII), que tem seus núcleos na ponte, mas sua via eferente se da pelos nervos da musculatura extrínseca do olho, NC III, IV e VI. Como este é um exame que demanda mobilização da cabeça, ele não deve ser performado em casos de lesão cervical. Para iniciar o teste, o paciente deve estar com a cabeça e pescoço alinhados e centrados na linha média. Então, o reflexo é testado com a movimentação rápida em rotação lateral da cabeça. Caso o reflexo esteja preservado, espera-se que os olhos se mantenham com olhar centrado na linha média, indicando movimentação da musculatura extrínseca do olho. Os movimentos devem ser performados para ambos os lados. Na morte encefálica, ou seja, na ausência do reflexo, o olhar do paciente acompanhará a movimentação cefálica realizada.
REFLEXO DA TOSSE
O reflexo de tosse também pode ser testado, pois este também se dá a nível de tronco encefálico. Ele tem como via aferente de reflexo o nervo glossofaríngeo (NC IX), que tem seus núcleos localizados no bulbo e sua via eferente se dá via nervo vago (NC X), com seus núcleos também em bulbo. Como o está é a porção mais baixa do encéfalo, em casos de lesões superiores, muitas vezes esse pode ser um dos últimos reflexos a serem perdidos na evolução do paciente com morte encefálica. Como esses pacientes estarão em suporte ventilatório por ventilação mecânica, o estímulo para a tosse pode ser feito pela introdução de uma sonda através to tubo orotraqueal, ou através de traqueostomia, até que a árvore traqueobrônquica seja tocada ao nível da carina. Pacientes com o reflexo preservado terão como reação tosse, náuseas, movimentação facial e/ou movimento de deglutição.
O paciente ainda pode apresentar movimentações aleatórias e não coordenadas mesmo com lesão irreversível do encéfalo. Esses movimentos são fruto de reflexos a nível medular, uma vez que o encéfalo está lesado, não há inibição pelo controle cortical motor sobre a medula. Entretanto, esses movimentos não excluem a morte encefálica nesses pacientes. Após o diagnóstico de morte encefálica, quanto mais longo for o período em que o paciente se mantém sob suporte, maior a possibilidade de surgirem reflexos medulares. São reflexos medulares que não excluem morte encefálica:
- Reflexos osteotendinosos
- Reflexo cutâneo abdominal
- Reflexo cutâneo plantar em extensão ou flexão
- Reflexo cremastérico superficial e produndo
- Ereção peniana
- Reflexos flexores de retiradad e membros superiores e inferiores
- Reflexo tônico-cervical
- Sinal de Lázaro
Na avaliação clínica, ainda se precisa ainda constatar a apneia, ou seja, constatar a ausência de movimentos respiratórios do paciente, sendo este um teste realizado por um dos médicos que avaliará o paciente. Agora, você já conhece os princípios clínicos do diagnóstico de morte encefálica.