Quem nunca ouviu a expressão “infarto fulminante”, “mal súbito” ou “morte súbita” antes? Todos esses são termos muito utilizados pela população leiga para se referir a um episódio de óbito de causa inexplicada que ocorre de maneira aguda. Para nós, médicos, ou qualquer outro profissional da saúde, esses termos devem deixar de existir. Na maioria das vezes, estamos nos referindo a uma morte súbita cardíaca (MSC).
Qual a importância disso? Qualquer um conhece algum caso ou já ouviu sobre um caso próximo de tal fatalidade. A MSC é responsável por cerca de 4 milhões de mortes por ano em todo o mundo. Representa 25% das mortes de origem cardiovascular. A incidência varia se o paciente possui algum substrato prévio ou não (infarto do miocárdio e arritmia ventricular complexa), sendo muito maior nos que possuem alguma lesão cardíaca estrutural como as exemplificadas.
Acomete predominantemente indivíduos acima dos 65 anos de idade (quando há maior prevalência de coronariopatia e doença cardíaca estrutural), embora possa ocorrer em qualquer faixa etária. Também vale a pena lembrar que a MSC pode ser a primeira manifestação de uma doença arterial coronariana. Além disso, metade dos pacientes coronariopatas morre por morte súbita cardíaca. É cinco vezes mais prevalente no sexo masculino.
Uma pequena parcela (5-10%) tem por trás corações estruturalmente normais, tendo, nesses casos, como responsáveis doenças cardíacas genéticas raras (exemplo: Canalopatias).
E como é definida a MSC?
DEFINIÇÃO:
Morte súbita cardíaca pode ser definida como morte natural inexplicada, de causa cardíaca, que ocorre de forma super aguda (em geral, com menos de 1 hora do início dos sintomas), em indivíduos sem comorbidades agudas prévias que poderiam evoluir para o evento (óbito).
TUDO BEM, GUILHERME! MAS, O QUE, DE FATO, CAUSA UMA MORTE SÚBITA CARDÍACA?
Vamos lá! O principal mecanismo é a arritmia cardíaca. Em 75% dos casos, é causada por taquicardia ventricular (TV) ou fibrilação ventricular (FV).
Agora vamos mencionar alguns tópicos específicos sobre a MSC.
MSC EM CARDIOPATAS:
Essa situação é uma complicação catastrófica do paciente cardiopata. Por exemplo, no caso de um paciente com quadro de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST, 85% dos episódios de FV/TV ocorrem nas primeiras 48 horas após infarto, diminuindo o risco progressivamente na evolução temporal.
E quais são os fatores que influenciam na ocorrência de MSC nesse contexto? O episódio está diretamente ligado à extensão da lesão miocárdica, à isquemia recorrente e distúrbios eletrolíticos.
E QUAL O PERFIL DE PACIENTE QUE SOFRE MSC?
Como já mencionado, a morte súbita cardíaca pode ocorrer em qualquer idade e sem lesão cardíaca estrutural. Porém, se tivéssemos que listar o tipo de indivíduo mais susceptível seria: paciente sobrevivente de IAM, com disfunção sistólica de ventrículo esquerdo. Outras situações de risco são: portadores de cardiomiopatia dilatada idiopática, doença cardíaca de origem chagásica, também lembrando de cardiomiopatia hipertrófica e displasia arritmogênica de ventrículo direito.
MSC EM CORAÇÃO ESTRUTURALMENTE NORMAL:
A maioria desses casos ocorre por consequência de condições arritmogênicas geneticamente determinadas (Síndrome do QT longo; QT curto; Síndrome de Brugada; TV polimórfica), que são doenças raras (Canalopatias) determinadas por mutações que se dão por transmissão autossômica dominante.
Devemos ficar atentos para indivíduos com coração estruturalmente normal, porém com eletrocardiograma (ECG) de repouso alterado, história familiar de MSC em jovens.
O grande drama deste nosso tópico é a idade em que ocorre a primeira manifestação da doença, em geral precoce.
MSC EM ATLETAS:
Esse é um tema que ganha cada vez mais importância no mundo e na sociedade como um todo, pela maior visibilidade dos últimos casos em atletas profissionais e pela comoção gerada, visto que estes são considerados exemplos de indivíduos saudáveis. Além disso, é algo de muita discussão com relação à avaliação cardiovascular realizada por clubes e confederações para a liberação da atividade física profissional e de alto rendimento e à tarefa dificílima de proibir um esportista de exercer a profissão.
Entre as principais causas de MSC em atletas estão a miocardiopatia hipertrófica (descrita como a causa mais comum na maioria dos estudos); displasia arritmogênica do VD (relatada como a principal causa em lugares específicos, como a Itália, por exemplo); anomalia congênita de artérias coronárias e miocardite. Commotio cordis é uma situação que também deve ser destacada, oriunda de um trauma direto ao tórax, ocorrido em fase vulnerável da repolarização ventricular (intervalo de até 30 ms antes do pico da onda T), podendo alterar a estabilidade elétrica do miocárdio e induzindo uma TV.
UFA! QUANTA INFORMAÇÃO! AGORA, VAMOS AO QUE IMPORTA! EU CONSIGO PREVENIR A MORTE SÚBITA CARDÍACA?
A profilaxia é realizada basicamente pelo cardiodesfibrilador implantável (CDI), além do controle dos fatores de risco modificáveis. O CDI está indicado basicamente em duas situações: naqueles pacientes que foram recuperados de uma MSC e que apresentam alto risco de recorrência (prevenção secundária); e naqueles de alto risco que ainda não apresentaram nenhum episódio espontâneo, como prevenção primária.
Não abordaremos as indicações específicas para essa profilaxia pela complexidade do assunto.
APÓS ESSA PEQUENA LEITURA, JÁ SABEMOS COM O QUE REALMENTE ESTAMOS LIDANDO AO FALAR DE MORTE SÚBITA CARDÍACA!