Ao ler o título desse artigo, você deve estar pensando: “caramba, um artigo ensinando a medir a pressão arterial corretamente? Desnecessário, pois é muito fácil e qualquer um sabe fazer!”.
De fato a medida da pressão arterial- desde que feita com os materiais adequados e com as técnicas apropriadas- consiste em um procedimento bastante simples e de baixa complexidade. No entanto, embora a verificação da pressão arterial (PA) seja relativamente fácil, os erros são comuns e podem resultar em um registro equivocado do verdadeiro nível de PA de um indivíduo. Situações simples e triviais, tais como o fato de o paciente ter fumado ou ter feito algum esforço físico logo antes da aferição dos valores podem provocar elevações transitórias da pressão arterial, levando à uma interpretação errada do grau de hipertensão do indivído. Dessa forma, é importante que estejamos atentos à técnica correta, sem subestimar a necessidade de realizar a medida com bastante atenção e cautela.
Sons de Korotkoff
Os sons de Korotkoff são sons produzidos durante a aferição da pressão arterial pelo método auscultatório na artéria braquial. Os sons são decorrentes da obstrução parcial do fluxo na artéria pela pressão imposta pelo esfigmomanómetro. Nesse contexto, promove- se um aumento da velocidade do fluxo e, assim, é gerado turbilhonamento do mesmo, desencadeando vibrações ouvidas por meio do estetoscópio. Os sons de Korotkoff são no total 5 sons:
- K1 – som súbito, forte, bem definido, que aumenta em intensidade;
- K2 – sucessão de sons mais suaves e prolongados (qualidade de sopro intermitente);
- K3 – Surgimento de sons mais nítidos e intensos (semelhantes ao da fase I), que aumentam em intensidade;
- K4 – Os sons tornam-se abruptamente mais suaves e abafados, são menos claros;
- K5 – desaparecimento completo dos sons
A medição precisa e o registro da PA
A medição precisa e o registro da pressão arterial são essenciais para categorizar o nível da PA, para averiguar o risco de doença cardiovascular relacionado à pressão arterial e também para orientar sobre o manejo da PA elevada. Percebe- se que a maioria dos erros sistemáticos na medida da pressão arterial pode ser evitada seguindo alguns passos, os quais incluem a necessidade de que o paciente mantenha- se em repouso por ao menos cinco minutos antes da leitura, selecionar o tamanho correto do manguito e corrigir o nível tensional de acordo com a largura do manguito e a circunferência do braço (vide tabela). Além disso, outro erro comumente detectado é o hábito de se esvaziar o manguito de maneira muito rápida ou abrupta, visto que, para leituras auscultatórias, o manguito deve ser esvaziado lentamente.
Largura do manguito | 12 | 15 | 18 | ||||
Circunferência do braço | PS | PD | PS | PD | PS | PD | |
26 | +5 | +3 | +7 | +5 | +9 | +5 | |
28 | +3 | +2 | +5 | +4 | +8 | +5 | |
30 | 0 | 0 | +4 | +3 | +7 | +4 | |
32 | -2 | -1 | +3 | +2 | +6 | +4 | |
34 | -4 | -3 | +2 | +1 | +5 | +3 | |
36 | -6 | -4 | 0 | +1 | +5 | +3 | |
38 | -8 | -6 | -1 | 0 | +4 | +2 | |
40 | -10 | -7 | -2 | -1 | +3 | +1 | |
42 | -12 | -9 | -4 | -2 | +2 | +1 | |
44 | -14 | -10 | -5 | -3 | +1 | 0 | |
46 | -16 | -11 | -6 | -3 | 0 | 0 | |
48 | -18 | -13 | -7 | -4 | -1 | -1 | |
50 | -21 | -14 | -9 | -5 | -1 | -1 |
Tabela1. CORREÇÃO DOS NÍVEIS DE PRESSÃO ARTERIAL PELA LARGURA DO MANGUITO (cm) E A CIRCUNFERÊNCIA DO BRAÇO (cm). Disponível em Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil Sub-Secretaria de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde Gerência do Programa de Hipertensão “Técnica de aferição da pressão arterial”
Adicionalmente, deve- se ter cautela no que se refere aos pacientes que já se encontram em uso de medicação anti- hipertensiva. No caso desses pacientes, o momento das medições de pressão arterial em relação à ingestão dos fármacos deve ser padronizado. Vale lembrar também que, como as medidas individuais da PA tendem a variar de maneira imprevisível ou aleatória, uma única leitura é inadequada para a tomada de decisão clínica.
Quais são os erros de aferição da PA mais comuns na prática clínica?
Como dito anteriormente, embora aferição da pressão arterial consista em um procedimento simples, não é incomum notarmos a presença de estimativas imprecisas da PA. Dentre as possíveis causas dessas medidas inadequadas, podem ser mencionadas a impossibilidade de permitir um período de descanso e/ ou o hábito de conversar com o paciente durante ou imediatamente antes de aferir a pressão. Além disso, contribuem para que sejam feitas medidas não confiáveis de PA o posicionamento inadequado do paciente, o esvaziamento rápido do manguito- no caso de leituras auscultatórias- bem como a confiança nas PAs medidas em uma única ocasião.
Checklist de verificação para medição precisa da pressão arterial (PA)
Para facilitar a vida do profissional de saúde, a nova diretriz da American Heart Association (AHA) para a prevenção, detecção, avaliação e controle da hipertensão em adultos propõe alguns passos básicos que devem ser seguidos, a fim de que se obtenha uma medição acurada da pressão arterial nos consultórios. Vamos dar uma olhada nesses passos?
Principais etapas para medições de PA adequadas
Passo 1. Preparar adequadamente o paciente
Instruções Específicas:
·Faça o paciente relaxar, sentado em uma cadeira- pés no chão, com apoio para as costas- por um tempo superior a 5 min.
·O paciente deve evitar cafeína, exercícios e fumo por pelo menos trinta minutos antes da medição. O profissional de saúde.
·Assegure-se de que o paciente esvaziou sua bexiga.
·Nem o paciente nem o observador devem falar durante o período de descanso ou durante a medição.
·Remova todas as roupas que cobrem o local de colocação do manguito.
Passo 2: Use técnica adequada para medições de PA
Instruções específicas:
·Use um dispositivo de medição de PA que tenha sido validado e verifique se o dispositivo está calibrado periodicamente.
.Apoie o braço do paciente, por exemplo, descansando em uma mesa
.Posicione o meio do manguito no braço do paciente no nível do átrio direito (o ponto médio do esterno)
·Use o tamanho correto do manguito, de forma que a bexiga envolva 80% do braço, e observe se um manguito maior ou menor que o normal é usado
·O diafragma ou a campânula do estetoscópio podem ser usados para leituras auscultatórias
Passo 3: Faça as medições adequadas necessárias para o diagnóstico e tratamento da pressão arterial elevada / hipertensão
Instruções específicas:
·Na primeira consulta, registre a PA em ambos os braços. Use o braço que dá a leitura mais alta para leituras subsequentes
·Separe as medições repetidas por cerca 1 a 2 min
·Para determinações auscultatórias, use uma estimativa palpada de pressão de obliteração de pulso radial para estimar a PAS. O manguito deve ser Inflado 20-30 mm Hg acima deste nível para uma determinação auscultatória do nível da PA. Para leituras auscultatórias, esvazie a pressão do manguito 2 mm Hg por segundo e ouça os sons de Korotkoff.
Etapa 4: documentar corretamente as leituras precisas da PA
Instruções específicas:
·Registre pressão arterial sistólica (PAS) e a pressão arterial diastólica (PAD). Se estiver usando a técnica auscultatória, registre a PAS e PAD como o início do primeiro som de Korotkoff e o desaparecimento de todos os sons de Korotkoff, respectivamente, usando o número par mais próximo. Observe o tempo da medicação mais recente utilizada para manejo da pressão arterial tomada antes das medições.
Etapa 5: média das leituras
Instruções específicas:
·Use uma média maior ou igual a duas leituras obtidas em duas ou mais ocasiões para estimar o nível de PA do indivíduo.
Etapa 6: Forneça leituras de PA ao paciente
Forneça aos pacientes as leituras de pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) tanto verbalmente quanto por escrito.
Partindo para a ação: o passo a passo para a correta aferição da pressão arterial
Aqui, para sistematizar e facilitar o aprendizado, mencionamos o passo a passo para a verificação da PA, de acordo com o divulgado pela Gerência do Programa de Hipertensão da secretaria municipal de saúde do Rio de Janeiro. Certamente seguindo esses passos você não vai esquecer de nada quando precisar aferir a pressão arterial do seu paciente.
1 – Explicar o procedimento ao paciente;
2 – Certificar-se de que o paciente não está com a bexiga cheia, não praticou exercícios físicos e não ingeriu bebidas alcoólicas, café, alimentos ou fumou até 30 minutos antes da medida.
3 – Deixar o paciente descansar por 5 a 10 minutos em ambiente calmo, com temperatura agradável. A PA é medida com o paciente sentado, com o braço repousado sobre uma superfície firme.
4 – Localizar a artéria braquial por palpação.
5 – Colocar o manguito firmemente cerca de 2 cm a 3 cm acima da fossa antecubial, centralizando a bolsa de borracha sobre a artéria braquial. A largura da bolsa de borracha do manguito deve corresponder a 40% da circunferência do braço e seu comprimento, envolver pelo menos 80% do braço. Assim, a largura do manguito a ser utilizado estará na dependência da circunferência do braço do paciente.
6 – Manter o braço do paciente na altura do coração.
7 – Posicionar os olhos no mesmo nível da coluna de mercúrio ou do mostrador do manômetro aneroide.
8 – Palpar o pulso radial e inflar o manguito até seu desaparecimento no nível da pressão sistólica, desinsuflar rapidamente e aguardar de 15 a 30 segundos antes de inflar novamente.
9 – Colocar o estetoscópio nos ouvidos, com a curvatura voltada para frente.
10 – Posicionar a campânula do estetoscópio suavemente sobre a artéria braquial, na fossa antecubial, evitando compressão excessiva.
11 – Solicitar ao paciente que não fale durante o procedimento de medição.
12 – Inflar rapidamente, de 10 mmHg em 10 mmHg, até o nível estimado da pressão arterial.
13 – Proceder ao esvaziamento do manguito, com velocidade constante inicial de 2 mmHg a 4 mmHg por segundo, evitando congestão venosa e desconforto para o paciente. Procede-se neste momento, à ausculta dos sons sobre a artéria braquial, evitando-se compressão excessiva do estetoscópio sobre a área onde está aplicado.
14 – Determinar a pressão sistólica no momento do aparecimento do primeiro som (fase I de Korotkoff), que se intensifica com aumento da velocidade de deflação.
15 – Determinar a pressão diastólica no desaparecimento completo dos sons (fase 5 de Korotkoff), exceto em condições especiais . Auscultar cerca de 20 mmHg a 30 mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e depois proceder à deflação rápida e completa. Quando os batimentos persistirem até o nível zero, determinar a pressão diastólica no abafamento dos sons (fase 4 de Korotkoff).
16 – Registrar os valores das pressões sistólica e diastólica. Deverá ser sempre registrado o valor da pressão obtido na escala do manômetro que varia de 2- 2 mmHg em 2 mmHg, evitando-se arredondamentos e valores de pressão terminados em “5”.
17 – Esperar 1 a 2 minutos antes de realizar novas medidas, recomendando-se a elevação do braço para normalizar mais rapidamente a estase venosa, que poderá interferir na medida tensional subseqüente.
CURIOSIDADE
A primeira medição de pressão arterial (PA) de um animal
A primeira medição da pressão arterial em um animal deve- se ao inglês Stephen Hales. Improvisando um longo tubo de vidro como manômetro, ele descreveu o seu primeiro experimento, em 1733, da seguinte maneira:
“Em dezembro, eu imobilizei uma égua, com 1,4m de altura e cerca de 14 anos, que tinha uma fístula na sua virilha. Não era nem forte, nem fraca. Tendo aberto sua artéria crural esquerda em cerca de 7,6cm a partir de seu ventre, eu inserí um tubo de cobre com 0,4cm de calibre e, através de um outro tubo de cobre que estava firmemente adap- tado ao primeiro, eu fixei um tubo de vidro de, aproxima- damente, o mesmo diâmetro, com 2,7m de comprimento. Então, soltando a ligadura da artéria, o sangue subiu a 2,5m no tubo de vidro, acima do ventrículo esquerdo do coração… quando atingia sua máxima altura, oscilava 5, 7,5 ou 10cm após cada pulsação. Então eu tirei o tubo de vidro, e deixei o sangue jorrar livremente, quando a altura máxima atingida pelo jato não era mais do que 61cm. Eu medí como o sangue jorrava da artéria, e após cada quart que saía, eu refixei o tubo de vidro na artéria para ver o quanto a força do sangue tinha diminuído; isto eu repeti até 8quart, quando a força tornou-se então fraca… Após a morte do animal, quase 3 quart do sangue permanecia no seu corpo, o qual somado com o que havia sangrado, totaliza 20quart, o que, numa baixa estimativa, podemos calcular como a quantidade de sangue circulante de um cavalo”.
(Tradução do procedimento descrito por Stephen Hales)
Apesar de Hales ter ganho, com a descoberta da pressão sangüínea, toda as honrarias na Inglaterra (Fellow of the Royal Society e a Copley Medal em 1739) e na Europa (membro da Academia de Ciências da França) e de não ter sido contestado, seus estudos simplesmente caíram no esquecimento e foi necessário quase um século para que novos estudos e achados surgissem.