Um dos maiores símbolos da Medicina é esse objeto conhecido como estetoscópio. Revolucionou a área médica com o seu surgimento e, embora hoje seja deixado de lado por muitos, é uma ferramenta de suma importância para o médico e para quem sabe manuseá-lo de maneira correta.
No período atual de superespecialização e métodos cada vez mais sofisticados e tecnológicos de diagnóstico, o estetoscópio nos parece relembrar um aspecto mais genuíno e humano que sempre se evidenciou na Medicina, com o contato direto médico-paciente em uma relação harmoniosa.
Nesse contexto, o método da ausculta (muito aprimorada com o uso dessa ferramenta) permanece ainda como peça chave no exame clínico e também como parte da aproximação médico paciente.
Segundo o historiador Roy Porter: “ao dar acesso aos ruídos corporais – o som da respiração, o sangue gorgolejando ao redor do coração – o estetoscópio mudou a abordagem da doença interna e, portanto, das relações médico-paciente. Por último, o corpo vivo já não era um livro fechado: a patologia podia agora ser feita nos vivos.”.
QUEM INVENTOU O ESTETOSCÓPIO?
Em 1816, o médico francês René Laennec inventou esta ferramenta, que consistia em um tubo de madeira com uma extremidade em forma de trombeta que fazia contato com o peito. A cavidade cheia de ar transmitia sons do corpo do paciente para o ouvido do médico.
Além de inventar o próprio estetoscópio, Laennec também registrou cuidadosamente o exame e diagnóstico (através dos sons), realizado pelo aparelho, de doenças específicas como pneumonia, tuberculose e bronquite. Ironicamente, aos 45 anos, René Laennec morreu de tuberculose, sendo diagnosticado por seus colegas com o uso de um estetoscópio.
DE ONDE SURGIU A MOTIVAÇÃO PARA ESSA INVENÇÃO?
Ainda na época de Laennec, antes da sua invenção, o médico costumava colocar a orelha diretamente no tórax do paciente (ou anterior ou no dorso) para tentar ouvir os ruídos.
No entanto, Laennec não concordava com isso, achava que a técnica “é sempre inconveniente, tanto para o médico quanto para o paciente; no caso das mulheres, não é apenas indelicada, mas muitas vezes impraticável.”.
Isso foi ainda mais intensificado quando Laennec precisou examinar uma paciente jovem, mulher e obesa, com sintomas gerais de doença cardíaca, na qual a palpação e percussão não haviam sido úteis devido à presença de gordura em grande quantidade e, naturalmente, se viu constrangido ao realizar a ausculta direta (devido ao sexo e a idade da paciente).
Com isso, recordou-se de um princípio da acústica que lhe poderia ser útil – o aumento da intensidade do som quando é transmitido por alguns materiais sólidos.
Fez um cilindro, enrolando folhas de papel, e aplicou uma das extremidades no tórax da paciente e a outra em seu ouvido, percebendo os sons cardíacos de forma muito mais clara e distinta do que com a ausculta direta.
Correlacionando suas observações à ausculta mediada com os achados de necropsia, ele foi capaz de adquirir vasta experiência e descrever sons cardíacos (primeira e segunda bulha), até mesmo distinguindo a hipertrofia da dilatação de câmaras cardíacas.
Sua contribuição à ausculta pulmonar foi ainda maior, devendo-se a ele a maior parte das descrições dos sons pulmonares.
UMA OBRA PRIMA: DE I’AUSCULTATION MÉDIATE:
Obra de Laennec, vista como um dos clássicos da literatura médica, publicou os resultados das observações do autor, em 1819. Foi organizada em dois volumes, e era vendida acompanhada com um estetoscópio de madeira.
No início, não houve uma conquista e venda expressiva. Inicialmente o estetoscópio era visto até como motivo de piada. No entanto, grande parte dos contemporâneos parisienses de René acolheu os seus ensinamentos.
COMO OCORRIA A AUSCULTA ANTES DESSE PERÍODO?
As primeiras referências em relação ao uso da ausculta para fins diagnósticos datam do período de Hipócrates (460 a 370 a.C.). Era realizada também com a aplicação direta do ouvido ao tórax ou abdome do paciente.
O próprio Hipócrates descreveu diversos ruídos diagnósticos, dentre eles o succussion splash – descrito como um barulho produzido quando a cavidade de um corpo contendo água e ar é balançada bruscamente – ruído verificado em um paciente com hidropneumotórax.
Também definiu com a presença de água ou pus no tórax como som semelhante ao da fervura do vinagre quando se tratava de água; e definiu o atrito pleural como som semelhante aos estalos de couro.
Do período de Hipócrates até o século XVII, pouco se foi realizado quanto à ausculta cardíaca. Antes do século XIX, o exame cardíaco era limitado à inspeção e à palpação. Apesar de já conhecida, a ausculta direta raramente era utilizada.
NOMES CURIOSOS DO ESTETOSCÓPIO ATÉ CHEGAR AO NOME FINAL:
Vários nomes foram dados até chegar ao nome final: cilindro, pectorilóquio, sonômetro, corneta médica. Finalmente, Laennec escolheu o nome estetoscópio, que faz referência a duas palavras de origem grega, que possuem como significado “peito” e “examinar”.
A PARTIR DE QUANDO OS APARELHOS COMEÇARAM A SER PARECIDOS COM OS DE HOJE?
Até chegar aos modelos que temos hoje, houve diversas evoluções e modificações. O próprio Laennec experimentou modelos de madeira, marfim e outros tipos de materiais.
Em 1829, Charles James Blasius Williams, um dos discípulos mais brilhantes de Laennec, construiu um modelo biauricular (uma das principais evoluções do estetoscópio).
Em 1851, o Dr. George Philip Camman desenvolveu um aparelho que muito se aproxima dos modelos atuais. Foi um grande avanço, pois adaptava-se de maneira fácil ao ouvido do examinador e podia ser carregado no bolso.
O estetoscópio continuou evoluindo pelo final dos séculos XIX e início do XX. Nessa época a peça torácica já apresentava a forma de uma campânula. No entanto, ainda havia a necessidade de se melhorar a ausculta dos sons mais agudos.
Em 1940, os estetoscópios com peças “dupla face” se tornaram padrão. Um dos lados da peça que entra em contato com o tórax do paciente é chamado de diafragma (um disco de plástico que fecha a abertura) feito para vibrar através do contato com a pele do indivíduo, produzindo ondas de pressão acústica que viajam através do “tubo de ar” interno do estetoscópio (grande avanço, por ser melhor para auscultar os sons mais agudos).
O outro lado da mesma extremidade contém uma forma de sino, que é melhor para a transmissão de sons de baixa frequência (campânula). Ao usar este lado, o médico pode variar a pressão sobre a pele para sintonizar a frequência da vibração desta a fim de revelar melhor os sons dos batimentos cardíacos.
Em 1961, o Dr. David Littman, grande cardiologista e autoridade internacional em eletrocardiografia, descreveu o modelo que veio a ser o mais utilizado na prática médica dos dias de hoje. Construído de aço inoxidável, condutores de tygon (é o nome de uma família de tubos flexíveis de polímero), possuindo campânula e diafragma.
Ao decorrer dos anos, muitos outros refinamentos do aparelho foram realizados: amplicação aprimorada, redução de ruído e outras características que foram otimizadas.
VISÃO DO PASSADO, PRESENTE E FUTURO:
Como podemos ver em uma breve revisão histórica nesse artigo, a invenção de Laennec consistiu em grande marco na Medicina. Mesmo que, inicialmente, visto de forma “morna”, e até mesmo sarcástica em seus primórdios, o estetoscópio trouxe grandes benefícios e descobertas para a área médica.
Após sua aceitação, consolidou a ausculta como método de exame físico e se tornou um dos maiores símbolos da Medicina, além de valioso instrumento para a aproximação médico-paciente.