As enterobactérias são uma família de bactérias que apresenta mais de 25 gêneros, centenas de espécies e subespécies e milhares de sorotipos. São bactérias gram-negativas que fazem parte da microbiota do trato gastrointestinal (TGI) do homem ou de animais, mas também estão presentes no solo, água, etc. Esses patógenos são responsáveis por infecções associadas ao TGI, mas podem causar infecção de sistema nervoso central, trato respiratório, corrente sanguínea e trato urinário. As infecções variam de quadros leves a infecções graves.
Veja também: “Bactérias multirresistentes: da suspeita à prevenção.”
Alguns membros dessa família apresentam um mecanismo de resistência antimicrobiana que envolve a produção de uma enzima chamada ampC. Para compreendermos como identificar e tratar adequadamente essas infecções, precisamos entender quem são essas bactérias e como se dá seu mecanismo de resistência.
AmpC nada mais é do que um gene que está presente no cromossomo de algumas bactérias, mas que também se apresenta, em menor frequência, em plasmídeos. As principais bactérias de importância clínica que apresentam esse gene em seu cromossoma são aquelas do chamado grupo CESPM, são elas:
• Citrobacter spp.
• Enterobacter aerogenes e Enterobacter cloacae
• Serratia spp.
• Providencia spp.
• Morganellla spp.
Entretanto é importante frisar que esse gene já foi descrito em outras bactérias. Com menor importância clínica, temos os relatos na literatura que indicam a presença de genes ampC em plasmídeos (elementos genéticos móveis) relacionados principalmente a espécies de Klebsiella e Escherichia coli. Aqui, discorreremos sobre o grupo CESPM, como identificar essas bactérias no teste de susceptibilidade ao antimicrobiano e quais são as melhores opções terapêuticas para esses agentes.
Tratando-se de um gene intrínseco, todas as bactérias da espécie produtora o apresentarão. Existem diferentes tipos de enzima ampC, que são capazes de degradar uma série de antibióticos. Em geral consideramos essas bactérias resistentes as penicilinas, ao ácido clavulânico e as cefalosporinas incluindo a terceira geração, sendo essa última a característica mais marcante dessas bactérias.
O gene ampC é induzível e isso significa que, a bactéria em um primeiro momento pode se mostrar sensível a um determinado antimicrobiano devido a uma baixa produção da enzima. Entretanto, a exposição a alguns agentes antimicrobianos pode induzir a tradução desse gene, levando a síntese da enzima e aumentando então a taxa de hidrolise do antibiótico.
São considerados fortes indutores da expressão de ampC as benzilpenicilinas, ampicilina, amoxicilina, cefalosporinas de primeira e segunda geração e também o imipeném, um carbapenêmico que apresenta maior estabilidade frente a hidrólise. Outras drogas como cefotaxime, ceftriaxona, cefepime, piperacilina, aztreonam são indutores fracos, mas são susceptíveis a hidrolise caso haja enzima o suficiente para degradá-los.
Uma mutação sofrida por algumas bactérias do grupo reduz a expressão de reguladores da expressão do gene ampC, assim essas bactérias se tornam hiperprodutoras. O aumento da produção da enzima ampC é capaz de ampliar o espectro de resistência dessas bactérias. Podendo incluir as cefalosporinas de quarta geração, monobactâmicos, outros inibidores de beta-lactamase e, em poucos casos, alguns carbapenêmicos.
Em termos clínicos, a cultura e o perfil de sensibilidade a droga guiarão a terapêutica. Ao analisarmos a cultura, o primeiro passo é identificar qual a bactéria que cresceu. Essa, de forma objetiva, trará indícios de ser uma ampC, se for do grupo CESPM.
Para se identificar em um antibiograma uma bactéria produtora de ampC, é importante que o teste inclua a cefoxitina, uma cefamicina que tem grande capacidade de indução e também alta taxa de hidrolise, devido à grande afinidade pela ampC. Em geral, todas as bactérias produtoras de ampC se mostrarão no teste de sensibilidade resistentes a cefoxitina. Como no possível exemplo abaixo:
Perceba que a espécie é do grupo CESPM e no antibiograma identificamos a resistência a cefoxitina, tratando-se assim de uma produtora de ampC. Nossa análise ainda pode afirmar que a bactéria não sofreu processo de indução da enzima, pois há ampla sensibilidade no teste as cefalosporinas, por isso, cuidado!
O fato da bactéria se apresentar como sensível no teste não quer dizer que essa sensibilidade seja verdadeira, mas sim que a bactéria ainda não expressa níveis suficientes de ampC para a hidrolise.
Quando se expõe a bactéria a um antimicrobiano indutor, ocorre o aumento da produção da enzima, o que altera o resultado do antibiograma. Um exemplo possível para este caso seria o seguinte perfil de sensibilidade:
Perceba que neste caso ainda se trata de uma bactéria do grupo CESPM e podemos observar a resistência a cefoxitina. Entretanto, nesse caso houve a indução da produção da enzima e agora temos o perfil de sensibilidade clássico da ampC, com resistência as cefalosporinas até a terceira geração, mas poupando o cefepime, pertencente a quarta geração.
A terceira possibilidade é a presença de uma bactéria hiperprodutora de ampC, ou seja, uma bactéria que sofreu uma mutação nos gener reguladores da expressão da ampC. Um perfil de sensibilidade possível para essa é:
Perceba que aqui houve um aumento do espectro de resistência, incluindo as cefalosporinas de quarta geração como também a combinação de piperacilina com tazobactam.
Portanto, ao escolhermos as opções terapêuticas para o tratamento dessas bactérias, é prudente evitar o uso de beta-lactâmicos em geral. Mesmo as combinações com inibidores de beta-lactamase, monobactâmicos ou as cefalosporinas de quarta geração, que se mostram sensíveis nas cepas não hiperprodutoras podem não ser uma boa opção terapêutica, pois há relatos documentados de resistência a esses agentes na literatura para algumas cepas. Mesmo a combinação de piperacilina com tazobactam deve ser evitada, pois não há bases sólidas o suficiente para ratificar o uso.
As cepas hiperprodutoras se dão por processo de mutação, por isso ambientes com grandes quantidades de bactérias tem maior probabilidade de apresentar essas cepas. Assim, uma terapêutica adequada inclui drenagem de abcessos, retirada de cateteres que não tenham funcionalidade, etc. Assim se tem um maior sucesso terapêutico.
A falha terapêutica pode ser um indicador de indução a produção de ampC. Caso seja prescrita uma antibioticoterapia de forma errada, o paciente pode experimentar um quadro de melhora no inicio do tratamento, entretanto, com a exposição contínua a droga indutora, a produção de ampC por indução leva a falha terapêutica.
As principais opções terapêuticas são:
• Carbapenêmicos:
Únicos beta-lactâmicos de escolha no tratamento. São considerados a primeira linha terapêutica para infecções graves por essas bactérias, é importante lembrar que o meropeném se destaca entre as drogas do grupo, por apresentar maior espectro de ação quanto a resistência.
O ertapenem não cobre Pseudomonas e já foi demostrada hidrolise da droga in vitro por cepas hiperprodutoras. O imipenem é uma droga que abaixa o limiar de convulsão, além de apresentar uma MIC alta para Morganella, Providencia e Proteus. É prudente que seja considerada na terapia empírica do paciente grave que se desconfie de uma enterobactéria como agente infeccioso.
• Aminoglicosídeos:
As melhores escolhas são a amicacina e plazomicina (não disponível no Brasil). Devem ser considerados como uma opção empírica em áreas de prevalência de ESBL e/ou AmpC, principalmente em ITU e sepse. Deve ser trocado para uma droga melhor tolerada assim que os resultados de suscetibilidade estiverem disponíveis. Importante lembrar que a amicacina não age bem em abcesso, e é uma droga concentração dependente, ou seja uma vez acima da MIC, tem ação rápida.
• Tigeciclina
Apesar de cobrir ampC em seu espectro de ação, é uma droga que não atinge boa concentração urinária e nem em corrente sanguínea, por isso deve ser evitada no paciente grave. Sua penetração é boa em pele e partes moles e nos pulmões.
• Fosfomicina
Utilizada em dose única em infecções de trato urinário. É recomendada para tratamento empírico, entretanto, não há evidência de efetividade em monoterapia, sendo em geral feita em associação com outra droga.
• Fluoroquinolonas