Com o avançar da Medicina, da expectativa de vida dos pacientes com doença do coração, e das artérias coronarianas, saber orientar e prescrever exercícios físicos para esse perfil de paciente é cada vez mais importante. Principalmente no ambiente do consultório / ambulatório, dúvidas como: “Doutor, posso dar uma corridinha?”, “Posso jogar meu futebol aos finais de semana”, “Quais atividades eu posso fazer?” se tornam cada vez mais frequentes. Dessa forma, o médico deve ter uma noção do que deve ser orientado a esses pacientes, mesmo que seja aquele familiar com doença do coração que venha tirar alguma dúvida.
Você já se perguntou alguma vez se tem a segurança necessária para orientar exercício físico para um paciente cardiopata? Óbvio! Estou falando de algo mais específico do que aquela recomendação geral de 30 minutos de atividade moderada, 5 vezes na semana. Estamos falando, aqui, de um tratamento individualizado e mais seguro para cada paciente em questão.
Nesse cenário, entra em voga o termo reabilitação cardíaca.
DO QUE SE TRATA A REABILITAÇÃO CARDÍACA?
A reabilitação cardíaca ou cardiovascular (RCv) é um ramo de atuação da cardiologia, com o suporte de uma equipe multiprofissional, que visa a restituição de uma boa condição clínica, psicológica e, muitas vezes, profissional ao indivíduo cardiopata. De forma individualizada, todos os programas buscam a redução do risco cardiovascular e a melhora da qualidade de vida desses pacientes.
Além da prática de atividades físicas, os programas de RCv fornecem orientações nutricionais, psicossociais e estratégias de adesão ao tratamento. Nos pacientes portadores de doença arterial coronariana (DAC), a reabilitação fornece melhora sintomática, atenuação da isquemia miocárdica e redução do risco cardiovascular.
Inúmeros benefícios são gerados pelos exercícios físicos nesse perfil de pacientes e com a RCv e, por isso, temos que ter uma ideia de como orientar tais indivíduos. O programa de RCv consegue atuar na prevenção e tratamento da DAC, além de ser extremamente seguro e custo efetivo.
ANTES DE COMEÇARMOS A FALAR DAS ORIENTAÇÕES, VAMOS DEFINIR ALGUNS TERMOS:
– Atividade Física: definida como qualquer movimento corporal, produzido pelos músculos esqueléticos, que resulte em gasto energético, podendo ser relacionado a qualquer tipo de atividade, desde laborais até atividades de lazer.
– Exercício Físico: é a atividade física em que há a intenção de se movimentar, sendo planejada, com uma série de repetições e de forma estruturada, objetivando manutenção da saúde ou melhora de condicionamento físico (ex.: RCv).
QUAIS SÃO OS BENEFÍCIOS DO EXERCÍCIO FÍSICO NOS PACIENTES JÁ CORONARIOPATAS?
Vamos lá, galera! Podemos dividir em dois grandes grupos de benefícios: controle de fatores de risco e tratamento da coronariopatia.
– Controle dos fatores de risco: os exercícios físicos, se praticados regularmente, contribuem para o controle clínico, prevenção de DAC e redução do risco cardiovascular. De forma já comprovada, são capazes de reduzir os níveis da pressão arterial, atuar na melhora do perfil lipídico (principalmente redução do triglicerídeo e aumento dos níveis de HDL), no controle glicêmico, podendo ajudar também na perda ponderal.
– Tratamento da coronariopatia: diversos estudos vêm demonstrando o benefício do exercício físico nos pacientes com doença coronária. Por exemplo, há estudos que demonstram queda da mortalidade em pacientes coronariopatas praticantes de atividades física (mesmo que de leve intensidade), quando comparados ao mesmo perfil de paciente, porém sedentários.
Há uma série de vertentes que defendem a melhora do prognóstico nos pacientes que começam a praticar exercícios físicos e melhoram seu condicionamento físico após o diagnóstico de DAC, em relação aos que não o fazem.
Também já temos comprovado que os pacientes em programa de reabilitação cardiovascular conseguem aumentar a carga de exercícios e atividades diárias com menor consumo miocárdico de oxigênio, que, em palavras mais simples, capacita e reduz sintomas desses pacientes em atividades não toleráveis anteriormente.
TUDO BEM, GUILHERME! MAS, O QUE DE FATO ACONTECE NESSES PACIENTES PARA A OCORRÊNCIA DESSA MELHORA DE RESULTADOS?
Bom, existem várias hipóteses e cada vez mais estudos estão sendo feitos para tentar confirmá-las. Por exemplo, alguns deles já demonstraram redução de lesões em angiografia e retardo de progressão das mesmas, quando comparamos pacientes praticantes de atividades físicas em comparação com indivíduos sedentários.
Outra justificativa plausível é a melhora da circulação colateral.
Além disso, também há a comprovação de um duplo produto mais controlado no exercício em pacientes melhores condicionados, ou seja, atingem um mesmo grau de atividade com pressão arterial e frequência cardíaca mais controladas, quando comparados aos pacientes que não estão habituados a praticarem atividade. Isso determina um menor consumo miocárdico de oxigênio.
A prática de exercícios físicos aeróbios regulares modula o sistema nervoso autônomo, levando ao aumento do tônus parassimpático e redução do tônus simpático. Isso pode reduzir a frequência cardíaca no repouso e também em cargas submáximas. Além disso, a atividade simpática aumentada parece ser relacionada a um maior risco cardiovascular. Sendo assim, pacientes treinados possuiriam um melhor prognóstico.
A PARTIR DE QUANTO TEMPO COMEÇO A VER OS BENEFÍCIOS DO EXERCÍCIO NESSES PACIENTES?
A maioria dos estudos demonstram algum grau de benefício já ocorrendo a partir do primeiro mês de treinamento. A principal explicação para esses efeitos a curto prazo seria a melhora da função endotelial dos vasos coronarianos, em associação com o metabolismo do óxido nítrico, causando melhora do fluxo coronariano.
QUAIS SÃO OS RISCOS DOS EXERCÍCIOS FÍSICOS NOS CORONARIOPATAS?
Sabemos que, nos indivíduos saudáveis, o risco de eventos cardiovasculares, na prática de atividade física, é muito baixo.
Em programas de reabilitação cardíaca, o risco de complicações cardiovasculares é considerado baixo. Os trabalhos que se referem a esse assunto demonstram baixa incidência de complicações, tanto de mortalidade, quanto de infarto agudo do miocárdio não fatal.
Portanto, o risco global da prática de exercícios físicos é baixo. No entanto, cada paciente deve ser individualizado e acompanhado de acordo com sua condição clínica e capacidade, recebendo uma prescrição específica. Muitas vezes, exames complementares serão necessários para estratificarmos os riscos de cada paciente. Por exemplo, o teste ergométrico é muito utilizado para a obtenção desses dados, definição da prescrição do exercício e a necessidade de supervisão inicial.
E A PRESCRIÇÃO DOS EXERCÍCIOS FÍSICOS EM SI?
Antes da prescrição, o paciente é avaliado clinicamente e, se possuir condições, realiza um teste ergométrico para a avaliação dos dados citados anteriormente. A partir disso, são determinados os riscos e tipo de supervisão necessária para a prescrição dos exercícios físicos.
Os exercícios mais benéficos nesse perfil de pacientes são os aeróbios, contínuos, com envolvimento de grandes grupamentos musculares, em intensidade leve a moderada, com duração de 30 a 60 minutos, com uma frequência semanal variando entre 3 a 5 vezes. Preconiza-se a realização de períodos de aquecimento e “desaquecimento” antes e após os exercícios aeróbicos, com o intuito de reduzir os riscos de lesões cardiovasculares e osteomioarticulares.
E como avaliar / calcular a intensidade dos exercícios físicos?
A prescrição de intensidade do exercício físico pode ser realizada de diversas maneiras. Podemos utilizar valores de VO2 pico (consumo de O2) ou FC pico, além da sensação subjetiva de esforço. Os valores de VO2 pico e FC pico são os obtidos em teste ergométrico, em uso das medicações habituais do paciente.
Nos pacientes com doença arterial coronariana, os métodos para a prescrição de exercícios podem ser os seguintes (não havendo comprovação de superioridade entre um e outro na literatura médica):
– Intensidade relativa ao VO2 pico: 40-60%;
– Intensidade relativa à reserva de VO2 pico: mínima de 40%, podendo chegar a 65-88%;
– Intensidade relativa à FC pico: 50-90%;
– Intensidade relativa à reserva de FC pico: 50-70%, podendo aumentar para 85%, se tolerado;
– Situando-se entre os limiares obtidos no teste cardiopulmonar
Em casos de pacientes com alterações isquêmicas no teste ergométrico, seguimos a linha descrita anteriormente, porém abaixo do limiar isquêmico do paciente (clínico e eletrocardiográfico). A frequência cardíaca (FC) deve se encontrar, no mínimo, abaixo de 10 bpm da frequência cardíaca do limiar isquêmico do indivíduo.
Na reabilitação cardíaca, esses pacientes devem ser acompanhados por educadores físicos e fisioterapeutas especializados neste tipo de atendimento. Além disso, o local do programa deve possuir materiais para suporte básico de vida e desfibriladores de fácil acesso, em caso de algum evento clínico.
Além dos exercícios aeróbicos, exercícios que trabalhem a flexibilidade (ex.: alongamentos) e a resistência muscular também devem ser realizados (sempre de forma individualizada para cada paciente).