Doenças com grande impacto no crescimento e desenvolvimento infantil podem ser detectadas no período neonatal através da aplicação de testes de triagem universal e, quando reconhecidas precocemente, proporcionam intervenções terapêuticas prematuras e redução da morbimortalidade. O Brasil, desde 2001, conta com o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) que engloba a triagem neonatal biológica, auditiva e ocular.
O PNTN permitiu não apenas que todos os recém nascidos tenham direito e acesso ao teste, mas garante que todos aqueles com resultado positivo tenham seguimento de tratamento e acompanhamento da doença.
CONCEITO IMPORTANTE
Uma doença para ser triada deve apresentar os seguintes Critérios de Wilson e Junger para triagem de doenças – 1968, OMS. 1. A condição a ser triada deve ser um importante problema de saúde; 2. Deve existir um tratamento adequado para os pacientes com a doença triada; 3. Recursos e logística para confirmação diagnóstica e tratamento devem ser disponíveis; 4. Deve existir um estágio precoce ou estágio latente identificável; 5. Deve existir um teste adequado para a triagem; 6. O teste deve ser aceitável pela população; 7. A história natural da doença deve ser bem conhecida; 8. Deve existir uma política estruturada para o tratamento dos pacientes; 9. O custo da triagem (incluindo diagnóstico e tratamento daqueles diagnosticados) deve ser balanceado em relação aos possíveis gastos com atendimento médico de forma geral; 10. Um caso identificado deve ser um processo contínuo e não um objetivo final. |
Agora que já entendemos o que é o PNTN, vamos entender melhor quais são os testes de triagem realizados:
1- Triagem Auditiva Neonatal ou Teste da Orelinha
A deficiência auditiva tem uma prevalência de 1 a 6 a cada 1.000 nascidos vivos, chegando a ser de 1 a 4 a cada 100 que necessitem ficar na UTI neonatal. A deficiência auditiva, se não detectada, leva a graves comprometimentos no desenvolvimento da criança e cerca de 50% dos casos são preveníveis, a detecção precoce leva a reabilitação.
Toda criança deve realizar o teste de Emissões Otoacústicas Evocadas, idealmente na maternidade, entre 24 e 48 h de vida, e no máximo até o 1° mês de vida. Se o resultado for positivo, ou seja, há sinais que sugerem alteração auditiva, mais investigações são necessárias e faz-se então o teste de Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) ou conhecido por sua sigla em inglês BERA. Criança com fatores de risco para deficiência auditiva devem realizar também, além do EOAE, o BERA.
Teste de Emissões Otoacústicas Evocadas (EOAE):
Registros de energia sonora gerada pelas células da cóclea em resposta a sons emitidos no conduto auditivo externo do RN.
Vantagens: Rápido, barato, simples, não invasivo, altas sensibilidade e, especificidade, não necessita sedação.
Desvantagens: avalia apenas sistema pré-neural, precisa ter integridade anatômica da orelha externa e média, vérnix e secreção no conduto podem levar a falsos positivos.
Teste de Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE):
Registro das ondas eletrofisiológicas geradas em resposta a um som apresentado e captado por eletrodos colocados na cabeça do RN.
Vantagem: Avalia vias neurais auditivas até o tronco cerebral.
Desvantagens: Falsos positivos até o 4° mês (imaturidade do SNC), mais demorado, pode necessitar sedação, menos disponível.
2- Triagem Ocular Neonatal ou Teste do Olhinho
Cerca de 1,4 milhão de crianças vivem com deficiência ocular no mundo, 90% vivem em países pobres ou em desenvolvimento. E em média 500 mil crianças ficam cegas por ano, e 60% morrem na infância. Além disso, 80% das causas de cegueiras infantis são preveníveis e tratáveis.
O período crítico para o diagnóstico de doenças oculares é até os primeiros 18 meses de vida, pois se dá a formação final dos olhos sendo o período ideal para tratamento e reabilitação visual.
A triagem ocular consiste no teste do reflexo do olho vermelho (ROV). É um teste universal que deve ser realizado:
- Antes da alta hospitalar;
- 2 a 3 vezes/ano até o 3o ano de vida;
- 1 vez/ano do 3o ao 5o ano de vida.
Esse teste avalia a transparência dos meios oculares e consiste na percepção pelo examinador do reflexo vermelho através do oftalmoscópio. O Teste, portanto, é sensível às patologias que comprometam essa passagem de luz através dos meios oculares (filme lagrimal, córnea, humor aquoso, cristalino, humor vítreo):
- Catarata;
- Glaucoma – nos recém-nascidos, o glaucoma dificilmente se manifestará com opacidade, não entrando como diagnóstico diferencial no exame feito na maternidade. Porém é importante repetir o teste do ROV até os 5 anos de idade, conforme as indicações, pois a opacidade é um sinal de glaucoma avançado e pode sim ser detectado.
- Retinocoroidite por Toxoplasmose Congênita;
- Retinoblastoma.
Atenção: Não identifica precocemente descolamentos de retina!!!
Para realizar o teste é necessário apenas o uso do oftalmoscópio direto posicionado a 30 cm do paciente e uma sala escurecida. Perceba que não há necessidade de colírios dilatadores de pupila.
O teste normal consiste na presença do reflexo vermelho bilateral e simétrico, qualquer alteração deve ser investigada pelo profissional adequado.
3. Triagem das Cardiopatias Congênitas ou Teste do Coraçãozinho
Das malformações congênitas, as malformações cardíacas são as mais comuns, cerca de 40%. Sendo as cardiopatias congênitas críticas (CCC) aquelas dependentes da patência do canal arterial, responsáveis por 10% dos óbitos infantis e 20% a 40% dos decorrentes de malformações. As CCC não têm manifestações precoces e cerca de 30% têm alta sem o diagnóstico evoluindo com choque, hipóxia e óbitos.
As Cardiopatias Congênitas Críticas (CCC) são cardiopatias canal-dependentes e apresentam manifestações clínicas em decorrência do fechamento do canal arterial. As CCC podem ser divididas da seguinte forma:
- Fluxo pulmonar dependente do CA – ex: Atresia Pulmonar;
- Fluxo sistêmico dependente do CA – ex: Síndrome da Hipoplasia do Coração Esquerdo e Coarctação de aorta crítica;
- Circulação em paralelo – ex: Transposição de Grandes Vasos.
O teste do coraçãozinho consiste no teste da oximetria de pulso. É um teste simples e barato, porém apresenta algumas limitações: sensibilidade 75% e especificidade 99%. O Ideal seria o ECO Dopller colorido, ante ou pós-natal. O teste é universal (desde 2014) em todos RN com > 34 sem. Para realizar um teste confiável é preciso se atentar a técnica:
- Entre 24h e 48h de vida, antes da alta hospitalar;
- Sempre membro superior direito (pré ductal) e um dos membros inferiores (pós ductal);
- Extremidades devem estar aquecidas;
- Bebê confortável, dormindo ou calmo;
- Onda do oxímetro de pulso com traçado homogêneo;
- 2 minutos em cada membro.
Como interpretar:
- Se SatO2 ≥ 95% nas medidas de membro superior e membro inferior e diferença entre as medidas < 3%, RESULTADO NORMAL.
- Se SatO2 < 95% em qualquer uma das medidas de membro superior ou inferior E/OU diferença entre as medidas ≥ 3%, RESULTADO ANORMAL, deve-se então repetir em 1h (aquecer extremidades e acalmar o bebê); se 2° teste permanecer anormal é igual a ECO em 24h, e observação hospitalar!
4- Triagem Biológica ou Teste do Pezinho
O primeiro teste de triagem neonatal implementado pelo SUS foi a triagem da Fenilcetonúria e Hipotireoidismo Congênito em 1992 no SUS, que deu início a construção do PNTN implementado em 2001. A implantação do PNTN foi dividido de acordo com as seguintes fases:
- Fase I – Fenilcetonúria e Hipotireoidismo congênito;
- Fase II – Anemia falciforme e outras hemoglobinopatias;
- Fase III – Fibrose Cística;
- Fase IV – Deficiência de biotinidase e Hiperplasia Adrenal Congênita.
O teste do pezinho é universal e deve ser realizado entre o 3° e 5° de vida, e nunca ultrapassar 30 dias, exceto em situações especiais como: prematuridade, transfusão sanguínea, doença grave neonatal, entre outras. O teste consiste na coleta de sangue em um papel filtro que será analisado em laboratório.
Para realizar um bom teste, deve-se seguir a técnica recomendada:
- Posicionar corretamente: Pé abaixo do nível do coração – posição do arroto ou posição da mamada;
- Realizar a assepsia: álcool 70%;
- Identificar local correto da punção;
- Utilizar lanceta, pois agulha aumenta o risco de atingir estruturas profundas;
- Desprezar primeira gota;
- Preencher corretamente o espaço circunscrito com uma gota e evitar superposição;
- Promover a hemostasia;
- Se assegurar da qualidade da amostra antes de envio ao laboratório;
O teste consiste na avaliação dos seguintes marcadores:
- Fenilcetonúria: dosagem da fenilalanina;
- Hipotireoidismo Congênito: dosagem de TSH;
- Doença Falciforme e outras Hemoglobinopatias: eletroforese de hemoglobina;
- Fibrose Cística: dosagem da tripsina imunorreativa;
- Deficiência de Biotinidase: teste qualitativo de atividade enzimática;
- Hiperplasia Adrenal Congênita: dosagem da 17 – hidroxiprogesterona.
Toda criança com resultado positivo têm direito a continuidade de atenção, reteste quando indicado, tratamento e/ou reabilitação.