A palavra “sarcopenia” tem origem grega e significa “pobreza de carne”. Esse termo tem sido muito falado nos últimos anos, mais precisamente desde a década de 80 (ou seja, bem recente), para descrever o declínio da massa muscular magra que afeta a mobilidade e a independência funcional, principalmente em idosos. Nesse tempo, a definição de sarcopenia tem evoluído bastante e, em 2016, passou a ser considerada como uma condição independente da Classificação Internacional de Doenças-10 – o famoso CID-10.
O que é a sarcopenia?
O conceito mais aceito é o de um distúrbio muscular esquelético generalizado e progressivo, com perda acentuada da massa e da função muscular. Estudos mais recentes mostram que o conceito real não envolve somente a perda de massa muscular, mas deve incluir a funcionalidade. A sarcopenia tem relação íntima com eventos como quedas, declínio funcional, fragilidade e mortalidade – eventos adversos tão temidos na população idosa. Um grupo europeu de trabalho em sarcopenia em idosos (EWGSOP), no início de 2019, definiu pontos de corte e criou um algoritmo para a identificação de pacientes com essa desnutrição, utilizando uma atualização da definição que haviam feito em 2010; na atualização de 2019, o grupo define sarcopenia como perda de massa e força muscular, e caso haja perda de performance nos testes físicos, ela é considerada grave. É importante lembrar que essa condição pode ocorrer subitamente – e isso geralmente envolve a apresentação de uma doença aguda ou imobilidade súbita, como numa internação hospitalar – ou se apresentar com um curso crônico.
Todo paciente com sarcopenia é magro?
Um grande equívoco! A perda muscular também ocorre em pacientes obesos e pode aumentar os riscos de morte, por não ser identificada. A chamada “obesidade sarcopênica” ainda não possui um consenso na sua definição, mas estudos recentes já mostram vias fisiopatológicas compartilhadas entre a obesidade e a sarcopenia.
Como identificar?
A maioria dos casos de sarcopenia não é diagnosticada e, pela falta de precisão nos critérios diagnósticos e nas ferramentas de triagem, essa condição ainda não pode ser rastreada de um modo mais global. Então, as instituições de saúde recomendam que seja feita a abordagem em pacientes que relatam sintomas: quedas, fraqueza, lentidão, dificuldade de realização de atividades cotidianas ou autorrelato de perda muscular.
A ferramenta SARC-F é bastante recomendada como um instrumento de identificação de pacientes em risco; tem baixa sensibilidade, mas alta especificidade. É um questionário que aborda 5 questões sobre força, necessidade de ajuda para caminhar, levantar de uma cadeira, subir escadas e número de quedas, com respostas variando entre fácil, moderada dificuldade ou difícil. As questões são: “o quanto de dificuldade você tem para levantar e carregar um objeto de 5kg?”, “o quanto de dificuldade você tem para atravessar um cômodo?”, “o quanto de dificuldade você tem para levantar de uma cama ou cadeira?”, “o quanto de dificuldade você tem para subir um lance de 10 degraus de escada?” e “quantas vezes você caiu no último ano?”; se o paciente responde nenhuma dificuldade, ou nenhuma queda, não soma pontos; se responde moderada/alguma dificuldade ou de 1 a 3 quedas no último ano, soma 1 ponto (a cada resposta); e se responde muita dificuldade/incapaz ou teve 4 ou mais quedas, soma 2 pontos por resposta. Além disso, deve ser medida a circunferência da panturrilha do paciente: mulheres com mais de 33cm e homens com mais de 34cm não somam pontos (se a circunferência de panturrilha for menor ou igual a 33cm para mulheres e menor ou igual a 34cm para homens, então somamos 10 pontos). O escore é sugestivo de sarcopenia se somar de 11 a 20 pontos, devendo prosseguir a investigação.
Para o diagnóstico de sarcopenia, devemos encontrar a combinação de massa muscular reduzida e força muscular diminuída. No algoritmo criado pelo EWGSOP, o paciente identificado com risco pelo SARC-F deve realizar medida de força muscular, com a aferição da força de preensão palmar – o handgrip: se a força de preensão estiver reduzida, o passo seguinte é a medida da massa muscular. Várias técnicas têm sido utilizadas para estimar a massa muscular e, em todas, são encontradas limitações em pontos de corte, variabilidade ou fraca associação com desfechos clínicos; o procedimento mais eficaz até o momento é a densitometria por raios-X (DXA), que estima a massa magra muscular utilizando um índice semelhante ao IMC (índice de massa corporal): o índice de Baumgartner. Esse índice é calculado dividindo a massa magra apendicular (braços + pernas) pela altura ao quadrado e o corte é definido por gênero. Caso o paciente apresente tanto redução de força quanto de massa muscular, é feito o diagnóstico de sarcopenia; depois do diagnóstico, o paciente realiza testes físicos padronizados, como o teste de velocidade de marcha e o Timed Up and Go (TUGT), e é avaliado do ponto de vista funcional – se houver declínio na performance física, a sarcopenia é considerada grave. Os pontos de corte escolhidos pelo EWGSOP para o diagnóstico de sarcopenia, em 2019, foram: força de preensão palmar menor que 27 kg para homens e menor que 16kg para mulheres, índice de Baumgartner menor que 7 kg/m² para homens e menor que 5,5 kg/m² para mulheres; nos testes físicos, os pontos de corte independem de gênero e são definidos como velocidade de marcha menor ou igual a 0,8m/s e TUGT maior ou igual a 20 segundos.
Feito o diagnóstico. Mas o que causa a sarcopenia?
A sarcopenia pode ocorrer em associação a várias condições e, em pacientes idosos, geralmente ocorre mais de uma condição ao mesmo tempo. Se não for encontrada uma causa evidente, ela é dita como primária ou associada à idade. Os principais fatores que levam à sarcopenia são: baixa ingesta proteica ou calórica total, deficiência de micronutrientes, anorexia, doenças mal absortivas, imobilidade, baixo condicionamento físico, sedentarismo, doenças osteoarticulares, doenças renais e hepáticas, neoplasias, distúrbios metabólicos (diabetes ganha destaque), doenças neurológicas, entre outras.
Um item importante da avaliação é fazer diagnóstico diferencial com: desnutrição, caquexia e fragilidade. Um achado isolado de massa muscular reduzida com força muscular normal pode estar relacionado com desnutrição ou caquexia – esta condição tem grande relação com doenças como AIDS e câncer, e tem uma fisiopatologia bastante complexa, com papel inflamatório importante e excesso de catabolismo. A fragilidade, definida como um estado de vulnerabilidade, é geralmente consequência de um declínio cumulativo de vários sistemas fisiológicos; a fragilidade física e a sarcopenia estão intimamente ligadas, com sobreposição de conceitos – como se a fragilidade fosse uma grande síndrome e dentro dela coexistisse a sarcopenia.
O tema vem ganhando importância e várias pesquisas vêm abrangendo essa área, tanto pela falta de dados consistentes na literatura, quanto pela gravidade da ligação entre a redução da força muscular com a ocorrência de eventos adversos na saúde, principalmente dos idosos, como quedas, internações, fraturas, aumento do tempo de internação hospitalar e mortalidade. Ainda não há nenhum tratamento farmacológico específico para sarcopenia. Na abordagem não farmacológica, as maiores evidências estão na “fórmula mágica”: dieta e exercícios físicos. É sabido que nossa performance muscular cresce ao longo da adolescência e tem pico na idade adulta (por volta dos 30 anos), com declínio posterior; então, pessoas que se exercitam e fortalecem a musculatura, desde a idade jovem, podem ter esse declínio reduzido com o passar da idade e não sofrer alterações na sua independência funcional.
Ainda não há um panorama consiso que suporte definição, ferramentas diagnósticas e tratamento da sarcopenia – alguns autores dizem até que a sarcopenia não é uma entidade ou doença, e sim uma grande síndrome. O que sabemos é que dieta e exercícios físicos regulares, com fortalecimento muscular, além de nos deixar com boas condições cardiovasculares também, nos preparam para uma velhice independente e funcional. Vamos correr para a academia!