Introdução
A doença cardiovascular, incluindo uma de suas principais formas de apresentação, a Doença isquêmica do miocárdio, permanece com uma das principais doenças do século 21 por sua morbidade e mortalidade.
No Brasil, dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) mostram que a doença cardiovascular corresponde, aproximadamente, 30% das causas de morte.
A Doença Arterial Coronariana (DAC) é o resultado de um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de O2 pelo miocárdio, tendo como causa principal a aterosclerose coronariana.
Os seus principais fatores de risco são HAS, DM, dislipidemia, tabagismo, obesidade, sedentarismo, história previa de DAC e história familiar de DAC precoce (homem < 55 anos e mulher < 65 anos).
Diante disso, falaremos nesta seção sobre Angina Estável.
Angina Estável:
A angina estável é uma sindrome clínica caracterizado por dor ou desconforto retrosternal, desencadeado por esforço e/ou estresse emocional, aliviando com repouso e/ou uso de nitrato, com duração menor que 20 minutos.
Caso, apenas duas das características estejam presentes, chamamos de Angina Atípica (provável).
Caso, apenas uma ou nenhuma das características estejam presentes, chamamos de Dor Torácica não cardíaca, sendo necessário a investigação de causas não cardiológicas para o quadro.
Classificação da Dor (Sociedade Canadense de Cardiologia – CCS):
Classe I – Angina aos grandes esforços.
Classe II – Angina aos médios esforços.
Classe III – Angina aos pequenos esforços.
Classe IV – Angina aos mínimos esforços.
Diagnóstico
Dentre os exames complementares, existe uma variedade de métodos hoje disponíveis, como Teste Ergométrico, Ecocardiograma com estresse, Cintilografia Miocárdica com estresse, Tomografia Computadorizada, Ressonância Magnética Cardiovascular (RMC) e Cineangiocoronariografia (CATE).
Teste Ergométrico (TE):
O Teste Ergométrico é o método não invasivo utilizado com maior frequência na angina estável, visando especialmente à confirmação diagnóstica, à determinação prognóstica e à definição de conduta terapêutica.
Para interpretação do TE, devem ser consideradas as respostas clínicas relacionadas aos sintomas e à capacidade funcional, as eletrocardiográficas e as hemodinâmicas. As variáveis mais preditivas relacionadas ao diagnóstico de obstrução coronariana são depressão do segmento ST ≥ 1 mm com configuração horizontal ou descendente e a presença da dor anginosa
As contra-indicações ao TE são pacientes com anormalidades do ECG basal como síndrome de pré-excitação ou de Wolff-Parkinson-White (WPW), ritmo de marca-passo, depressão do segmento ST > 1 mm no repouso e bloqueio completo de ramo esquerdo.
Ecocardiograma transtorácico de repouso (ECOTT):
O ECOTT constitui importante subsídio, tanto para a elucidação diagnóstica como para a avaliação do prognóstico, em pacientes com DAC crônica especialmente quando a história clínica e o ECG não são conclusivos. É um excelente método não invasivo de triagem em pacientes com DAC durante eventos agudos, pois as alterações da motilidade segmentar ocorrem segundos após a oclusão coronariana.
Além disso, auxilia a afastar outras causas de dor precordial como dissecção de aorta, pericardite e embolia pulmonar maciça.
Ecocardiograma sob stress:
A ecocardiografia sob estresse apresenta boa acurácia para detecção de isquemia miocárdica induzida em pacientes com probabilidade pré-teste intermediária ou alta. Quando comparada ao TE, a ecocardiografia sob estresse tem maior sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de DAC.
Os métodos disponíveis para a indução do estresse são o esforço físico (esteira ou bicicleta ergométrica), o uso de drogas vasodilatadoras (dipiridamol e adenosina) ou de estimulantes adrenérgicos (dobutamina). A ecocardiografia sob estresse pela dobutamina é recomendada para avaliação de pacientes com um ou mais fatores clínicos de risco cardíaco e limitada capacidade física para se exercitar.
A ecocardiografia sob estresse é uma opção para avaliar isquemia miocárdica em indivíduos sintomáticos, quando o TE não é diagnóstico, pesquisa de isquemia em pacientes com quadro clínico não sugestivo de insuficiência coronariana e TE positivo ou duvidoso e naqueles pacientes com ECG basal alterado, contraindicando o TE.
Cintilografia de Perfusão Miocárdica:
É recomendada para pacientes com probabilidade pré-teste intermediária ou alta e que tenham eletrocardiograma não interpretável ou incapacidade de exercício físico
O exame pode ser normal (ausência de falhas de perfusão no esforço e no repouso); pode haver falha de perfusão apenas no esforço (isquemia esforço-induzida) ou pode haver falha de perfusão tanto no esforço quanto em repouso (casos de infarto, fibrose ou miocárdio hibernante).
A cintilografia ajuda a localizar os segmentos isquêmicos, possuindo maior acurácia que o TE.
Tomografia Computadorizada Cardíaca:
Esse método oferece duas principais modalidades de exame, as quais empregam técnicas diferentes e fornecem informações distintas: o Escore de Cálcio (EC) e a angiotomografia coronariana.
– Escore de Cálcio (EC):
Os primeiros trabalhos sobre o tema procuraram correlacionar esse escore e a presença de redução luminal coronária, demonstrando que quanto maior a quantidade de cálcio, maior a chance de estenoses significativas. Posteriormente, vários trabalhos demonstraram que o EC tem forte associação com risco de eventos cardiovasculares futuros de maneira independente dos fatores de risco tradicionais e da presença de isquemia miocárdica.
Atualmente, a principal utilização do EC é como ferramenta para estratificação de risco cardiovascular por meio da detecção de aterosclerose subclínica, especialmente em pacientes assintomáticos de risco baixo e intermediário. Segundo as atuais diretrizes de dislipidemias da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o EC é considerado um fator agravante que, quando presente, reclassifica o indivíduo para um risco cardiovascular mais alto.
– Angiotomografia Computadorizada das Artérias Coronárias (angio-TC):
Este exame permite a avaliação da luz das artérias coronárias de maneira não invasiva, com alta acurácia diagnóstica quando comparada ao cateterismo cardíaco (o padrão-ouro), porém de maneira não invasiva, rápida e segura.
Sua principal indicação consiste na avaliação de pacientes com suspeita de síndrome coronária aguda com probabilidade pré-teste baixa a intermediária, ECG não diagnóstico e marcadores de necrose miocárdica negativos. No contexto de DAC crônica, está indicada para pacientes sintomáticos de risco intermediário, podendo ser utilizado como exame inicial ou quando há testes de isquemia prévios conflitantes ou inconclusivos; sintomas contínuos e testes de isquemia prévios normais ou inconclusivos.
Ressonância magnética cardiovascular (RMC):
É um excelente método diagnóstico, pois permite a avaliação da anatomia cardíaca e vascular, da função ventricular, da perfusão miocárdica e a caracterização tecidual de forma acurada, reprodutível, sendo capaz de fornecer todas essas informações juntas, em um único exame. Além disso, apresenta como grandes vantagens a não utilização de radiação ionizante e nem de meio de contraste, com maior potencial de nefrotoxicidade.
No que se refere especificamente à cardiopatia isquêmica, a RMC pode ser aplicada para a pesquisa de isquemia miocárdica, detecção de fibrose, infarto, viabilidade miocárdica e para a avaliação não invasiva das artérias coronárias.
Cineangiocoronariografia (CAT):
É o exame padrão ouro para o diagnóstico de DAC.
O CAT é um exame invasivo e nos permite estudar a anatomia coronariana com maiores detalhes, além de nos ajudar a escolher o melhor tratamento – angioplastia ou cirurgia de revascularização miocárdica.
As indicações de CAT bem estabelecidas são:
– Angina estável CCS III ou IV refratária ao tratamento clínico otimizado;
– Testes não-invasivos de alto risco;
– Angina e sinais/sintomas de insuficiência cardíaca;
– Angina e sobreviventes de parada cardíaca ou arritmia ventricular grave.
Tratamento
O tratamento de Angina Estável divide-se didaticamente em 3 medidas:
Tratamento não-farmacológico;
Tratamento farmacológico;
Tratamento intervencionista.
Tratamento Não-farmacológico:
Consiste em mudanças de hábitos de vida, entre eles:
– Dieta pobre em gorduras saturadas e rica em ômega-3;
– Atividade física (exercício aeróbico, pelo menos, 5 dias na semana, 30 minutos por dia);
– Abandono do tabagismo;
Tratamento Farmacológico:
Antiagregantes plaquetários:
– Ácido Acetilsalicílico (AAS): É um inibidor irreversível da ciclo-oxigenase-1 (COX 1), com consequente bloqueio da síntese do tromboxano A2, inibindo agregação plaquetária. Os estudos demonstraram que a AAS reduziu, em média, 33% o risco de eventos cardiovasculares.
– Clopidogrel: Inibe de forma irreversível a ligação entre a Adenosina Difosfato (ADP) e os receptores plaquetários. Indicado quando houver contraindicação ao uso do AAS e associado com AAS após intervenção com stents.
Hipolipemiantes Orais:
Os agentes hipolipemiantes diminuiuem o risco de eventos coronarianos em pacientes com DAC. As metas recomendadas para os portadores de DAC pela I Diretriz Brasileira de Prevenção Cardiovascular incluem: pacientes de alto risco, LDL-c < 70 mg/dL e não HDL-c < 100 mg/dL; risco intermediário, LDL-c < 100 mg/dL e colesterol não HDL-c < 130 mg/dL. Essas metas frequentemente são atingidas com o uso de medicamentos hipolipemiantes, juntamente com orientações de mudança de estilo de vida.
Dentre as classes dos hipolipemiantes, as estatinas, inibidores da HMG COA Redutase, constituem a melhor opção terapêutica para o controle dos níveis séricos da LDL-c.
Bloqueio do sistema renina-angiotensina:
– Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (iECA): Indicado em pacientes com disfunção ventricular, e/ou insuficiência cardíaca e/ou DM. A melhora do perfil hemodinâmico, da perfusão subendocárdica e da estabilização de placas ateroscleróticas justificaria seu uso de rotina em todos os pacientes com DAC, independentemente de infarto do miocárdio prévio, de diabetes melito ou disfunção ventricular.
– Bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA): Alternativa para os pacientes que não toleram iECA.
Beta-bloqueadores:
Constituem os medicamentos de primeira escolha no tratamento da angina estável, além de benefícios quanto à mortalidade e à redução de infarto após evento agudo coronário.
Seu benefício nos pacientes coronariopatas baseia-se na redução da contratilidade miocárdica e da frequência cardíaca, reduzindo o consumo miocárdico de O2.
Nitratos:
– Nitratos de ação rápida: os nitratos sublinguais de ação rápida exercem efeitos farmacológicos imediatos (1 a 3 minutos após sua dissolução), e os efeitos vasodilatadores perduram durante 30 a 45 minutos. O alívio dos sintomas advém da venodilatação, da redução da pós-carga e da dilatação coronariana. Os nitratos de ação rápida e curta duração continuam sendo a primeira opção para tratar as crises anginosas.
– Nitratos de ação prolongada: o seu uso contínuo induz à tolerância medicamentos. Dessa forma, devem ser restritos aos pacientes com angina não controlada por outros agentes antianginoso.
Antagonistas do Cálcio:
Agem no relaxamento da musculatura lisa, redução da pós-carga, efeitos inotrópicos negativos (em algumas formulações) e redução do consumo de oxigênio. São bastante eficazes na redução da isquemia miocárdica e, também, na angina vasoespástica.
– Derivados diidropiridínicos (nifedipina, anlodipino): têm efeito coronariodilatador mais potente por serem vasosseletivos.
– Derivados não – diidropiridínicos (diltiazem e verapamil): são cardiosseletivos, tendo efeitos semelhantes aos beta – bloqueadores.
Trimetazidina:
Droga com ação antianginosa usada geralmente em casos de angina refratária às medicações mais tradicionais (betabloqueadores e nitratos). Ela bloqueia a beta-oxidação de ácidos graxos nas células miocárdicas o que faz com que, durante a isquemia, haja preferencialmente oxidação da glicose. Isso diminui a produção de ácido láctico durante o período de isquemia.
Ivabradina:
É um inibidor específico da corrente If no nó sinusal. Como resultado, trata-se de uma droga exclusivamente redutora da frequência cardíaca.
O estudo BEAUTIFUL demonstrou que a ivabradina reduz a ocorrência de infarto, a necessidade de revascularização, em um subgrupo de pacientes − aqueles com DAC associada à disfunção ventricular e com frequência cardíaca em repouso ≥ 70 bpm. No entanto, na população geral do estudo, não houve redução da ocorrência do desfecho primário, que era de morte cardiovascular, admissão hospitalar por IAM e insuficiência cardíaca.
A ivabradina pode ser utilizada em pacientes com angina estável, disfunção de VE (FEVE < 40%) e frequência cardíaca ≥ 70 bpm em terapia clínica otimizada e em pacientes com angina estável sintomática intolerantes ao uso de betabloqueadores, isoladamente ou associado a outros agentes antianginosos.
Tratamento Intervencionista:
Cirurgia de Revascularização Miocárdica (CRVM):
– Estenose ≥ 50% em TCE ou na situação de tronco equivalente (DA e Cx no óstio, ou antes da saída de ramos importantes).
– Estenoses proximais (> 70%) nos três vasos principais, com ou sem envolvimento de DA proximal, principalmente nos pacientes com FE < 50%, ou com prova funcional mostrando isquemia moderada a importante.
– Estenose em dois vasos principais, com lesão proximal de DA, em pacientes com FE < 50%, ou com prova funcional com isquemia de grau moderado a importante.
Intervenção Coronariana Percutânea (ICP):
– Estenose significativas (≥ 70%) em artéria coronária passível de revascularização e angina refratária, apesar de tratamento medicamentoso otimizado (TMO).
– Estenose significativa (≥ 70%) em artéria coronária passível de revascularização e angina refratária, para os quais TMO não pode ser implementado por causa de contraindicações/efeitos adversos de medicamentos, ou preferências do paciente.
– Pacientes com CRM prévia, estenose significativa (≥ 70%) de artéria coronária associada à isquemia e angina refratária, apesar de TMO.
Muito bom !! Parabéns !!