O teste de susceptibilidade ao antibiótico (TSA) é um grande aliado do médico para o diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas. As informações desse teste permitem, a partir do isolamento de um agente bacteriano, guiar a terapêutica, identificando aqueles antibióticos aos quais a cepa é resistente ou sensível, permitindo assim que se realize a chamada terapia alvo. O uso do teste de susceptibilidade é de extrema importância devido ao aumento da emergência de cepas bacterianas resistentes ao tratamento com fármacos mais utilizados no dia-a-dia. É importante lembrar que a cultura e o TSA não são capazes de diferenciar infecção de colonização, bem como o TSA também não é capaz de apontar qual o antibiótico que deve ser utilizado para o tratamento. Todas essas respostas são da avaliação do médico que solicitou o exame.
Antes de discutirmos propriamente o teste de susceptibilidade, precisamos entender alguns conceitos básicos sobre resistência. Existem duas naturezas de resistência diferentes: resistência intrínseca e resistência adquirida. Chamamos de resistência intrínseca aquela que todas as bactérias de uma determinada espécie apresentam, sendo uma característica própria desta bactéria. No teste de susceptibilidade essas bactérias sempre se apresentam como resistentes a um determinado antibiótico aos quais tem resistência intrínseca (como é o caso das Mycoplasmas em relação as penicilinas, essas são resistentes intrinsecamente a esse grupo de fármacos, pois não apresentam parede celular para que as penicilinas se liguem). Já nos casos de resistência bacteriana adquirida, temos apenas algumas cepas que desenvolvem resistência a um determinado fármaco. Um exemplo disso é Pseudomonas aeruginosa, essa bactéria, quando apresenta genes de resistência para a produção de uma carbapenemase, apresentam-se como resistentes aos antibióticos carbapenêmicos. Entretanto, nem todas as cepas de P. aeruginosa são produtoras de carbapenemase e, por isso, entendemos esse tipo de resistência como adquirida.
Vamos continuar falando dos mecanismos de resistência? Podemos ter mecanismos que se apresentam de forma constitutiva, ou seja, são mecanismos de resistência que são expressos continuamente pela bactéria, enquanto ainda existem outros tipos de mecanismo de resistência que são induzíveis. Isso significa que, para expressar um determinado mecanismo de resistência, essa bactéria precisa ser exposta a um fator que desencadeie a sua expressão. As Enterobacterias produtoras de AmpC são um exemplo de mecanismo de resistência induzível. Essas bactérias, quando expostas a cefalosporinas de terceira geração, expressam a produção de beta-lactamase. Por isso, é importante que se saiba identificar essas bactérias pelo TSA antes, pois mesmo apresentando-se como sensíveis, elas podem não estar expressando seus mecanismos de resistência e, a escolha errônea de um antibiótico, pode levar a falha terapêutica.
Com essas informações, agora podemos avaliar melhor o teste de susceptibilidade. O TSA pode ser realizado por diferentes métodos laboratoriais, os quais dividimos em métodos qualitativos e quantitativos. Os testes qualitativos são mais fáceis de serem performados e historicamente são realizados por métodos com discos de difusão. Esses testes nada mais são do que discos contendo determinados antibióticos em concentrações padrão, que são adicionados a um meio de cultura, onde se semeia a bactéria em que se quer performar o teste. Como o antibiótico se difunde de forma radial em torno do disco, caso haja susceptibilidade ao antibiótico, não observaremos crescimento da cepa em torno do disco em questão. Caso haja resistência, não haverá um halo de inibição de crescimento em torno do disco ao qual a cepa é resistente, mostrando que ela cresceu independentemente da ação do antibiótico. Em geral, existe um tamanho mínimo de halo para cada antibiótico para que se considere resistência. Entretanto, com os métodos qualitativos, temos como resultado apenas sensibilidade ou resistência in vitro.
O problema é, os testes qualitativos têm concentrações padrões de antibióticos e, por isso, eles não são capazes de nos dizer qual a concentração mínima para impedir o crescimento de um determinado agente. Para que isso ocorra, precisam ser performados os testes quantitativos. Quando testes quantitativos são performados, conseguimos obter a chamada MIC (sigla do inglês que quer dizer concentração inibitória mínima). A MIC é de extrema importância para a avaliação do TSA, uma vez que ela indica qual a concentração mínima de um determinado antibiótico que é necessária para que se iniba o crescimento de um determinado agente bacteriano.
A partir do estudo das MIC e dos agentes etiológicos, podemos identificar os ‘Breakpoints’: sensibilidade quer dizer que a bactéria é inibida com a concentração atingida pela droga em sua dose habitual, resistência intermediária significa que a bactéria só é inibida com a dose máxima recomendada para uso do fármaco e resistência significa que as doses usuais não são capazes de inibir o crescimento do agente infeccioso.
Como interpretar o teste de susceptibilidade ao antibiótico:
- Observe qual a bactéria que está sendo testada no TSA
Identificar qual a bactéria que está sendo testada é fundamental na ajuda quanto a escolha dos agentes antibacterianos possíveis para o tratamento. Um teste de susceptibilidade pode apresentar diversos antibióticos sensíveis para uma determinada bactéria, mas você, conhecendo o patógeno e o sítio de infecção que este está associado, saberá escolher entre os antibióticos quais o patógeno é sensível, qual o melhor para o tratamento de acordo com as suas propriedades farmacocinéticas (levando em conta principalmente a distribuição do fármaco) e mecanismos de ação. Além disso, determinar qual é a espécie bacteriana é fundamental para identificarmos a possibilidade de estarmos diante de uma bactéria que pode apresentar um mecanismo de resistência que seja induzível, pois, no TSA, esta bactéria pode se apresentar sensível, mas ela, ao se iniciar o tratamento com tal droga, pode ter a expressão dos genes de resistência e assim não responderá adequadamente a terapêutica escolhida. Sabiamente, algumas bactérias específicas apresentam esse tipo de mecanismo, por isso, identificar a espécie já faz parte da etapa de escolha terapêutica.
- Identificar drogas resistentes e sensíveis.
Alguns mecanismos de resistência levam a falha terapêutica não só com um determinado antibiótico testado, mas sim com todo um grupo de drogas da mesma classe, mesmo que ela não tenha sido testada pelo ensaio. Por isso, é importante que se olhe para o TSA e não se identifique apenas as drogas as quais a bactéria se apresenta com sensibilidade, mas também aquelas que se apresentam com resistência. Excluindo opções que podem não ter sido testadas do seu leque terapêutico e que poderiam levar a falha terapêutica. Aqui também é importante ressaltar que, algumas bactérias apresentam mais comumente mecanismos que podem levar a resistência, não só de um antibiótico em questão, mas também de um segundo antibiótico de outra classe por mecanismo de resistência cruzada ou até mesmo por mecanismos diferentes que são frequentemente encontrados em uma determinada espécie. Assim, mesmo que in vitro a bactéria se apresente como sensível a um determinado antibiótico que apresentaria resistência por esses mecanismos, você, conhecendo-os, não escolheria como opção terapêutica.
- Análise da MIC
O bom teste de susceptibilidade é aquele que traz consigo, não só as drogas testadas e o perfil de resistência a cada uma delas, mas também traz a concentração inibitória mínima para cada uma das drogas diferentes. A análise de MIC é complexa, porém é fundamental para escolher a melhor droga para o tratamento de uma infecção e, por isso, algumas considerações devem ser feitas:
Geralmente, o antimicrobiano que apresentou a menor MIC é considerado a melhor alternativa de tratamento. Entretanto, interpretações corretas da MIC devem considerar as propriedades farmacocinéticas e a resposta clínica do respectivo antimicrobiano em erradicar a bactéria nos diversos sítios. A MIC, para uma determinada droga, não deve ser comparada com a de outra. Isso porque drogas apresentam diferentes propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas, assim uma MIC maior ou menor para uma droga não significa que ela seja obrigatoriamente superior ou inferior a outra. Comparar MIC de drogas diferentes é como achar que um comprimido de Captopril de 25mg é mais potente que um de Enalapril de 10mg porque a dose é maior. hehehe
Quanto a interpretação dos Breakpoints, consideramos ainda aqueles resultados que indicam sensibilidade intermediária como resistentes na prática clínica, uma vez que a possibilidade de falha terapêutica com essas drogas é alta.
Diversos fatores são capazes de interferir na concentração de uma droga, uma vez que cada droga tem uma maior concentração em um determinado sítio. Como é o exemplo das penicilinas, que atingem menor concentração a nível de sistema nervoso central (SNC) do que em pulmão. Portanto, muitas vezes, ter uma droga sensível para um determinado agente infeccioso não significa que esta tratará de forma mais eficaz o paciente. O pneumococo é um bom exemplo. Pneumonia por pneumococo tem uma interpretação de MIC diferente de uma meningite pelo mesmo agente, quando a droga em questão é a penicilina G cristalina. Como a penetração desta droga no SNC é menor que no pulmão, consideramos breakpoints diferentes de acordo com o sítio de infecção, sendo a MIC para sensibilidade mais baixa no pulmão do que no sistema nervoso central. Entretanto, o TSA traz apenas a MIC in vitro, o médico que avalia o TSA deve observar a MIC da cepa infecciosa e avaliar se tal MIC permite o tratamento com tal droga para tal sítio, independentemente da susceptibilidade apontada pelo teste.
O BrCAST – Brazilian Committee on Antimicrobial Susceptibility Testing – é um comitê que tem como objetivo liderar e promover o desenvolvimento e padronização dos testes de sensibilidade antimicrobiana in vitro no Brasil. Em sua página, acessível em http://www.brcast.org.br/, o comitê disponibiliza tabelas que apresentam pontos de corte clínicos para interpretação da MIC, de acordo com cada bactéria testada para cada antibiótico.
A interpretação da MIC e do TSA exige um estudo contínuo e, para que você esteja sempre por dentro, é preciso que estude também os diferentes mecanismos de resistência bacteriana. Bons estudos!