Avaliar um idoso no consultório pode parecer semelhante a avaliar um adulto, só que com mais de 60 anos de idade. Na realidade, não é bem assim. Alguns aspectos que são parte do envelhecimento, durante esse processo, passam a ter mais relevância no cotidiano dos pacientes. A avaliação geriátrica ampla (AGA), como é chamado o método de avaliação dos idosos, foi criada no intuito de elaborar um planejamento terapêutico amplificado, de maneira multidimensional, com o objetivo de estabelecer um plano integrado, focado na autonomia e independência do paciente.
Nessa avaliação, além dos itens como comorbidades e histórico familiar, a identificação do paciente toma mais destaque. É importante conhecer quem é o seu paciente, suas origens (ganhamos muita informação sobre epidemiologia nesse item), seu estado civil e quantos filhos tem (isso pode estar diretamente relacionado à rede de suporte social do paciente), onde o paciente mora (nos dá informações sobre acessibilidade, segurança doméstica e possibilidade de prevenção de quedas), sua espiritualidade (ganha grande destaque em pacientes com doenças crônicas e, mais ainda, naqueles com doenças terminais), profissões anteriores e a aposentadoria (permite a avaliação das condições de renda que o paciente dispõe na velhice), e escolaridade (grande importância na avaliação cognitiva, por exemplo). Em relação à queixa principal, outra diferença: raras vezes o idoso traz UMA queixa principal – normalmente são várias pequenas queixas, algumas crônicas, outras mais agudas; nesse ponto, entra a habilidade que o Geriatra adquire durante a sua formação – filtrar aquelas que mais podem trazer riscos à funcionalidade do paciente e priorizar medidas (se resolvermos responder a todas as queixas trazidas, o resultado normalmente é um monte de papel preenchido com exames e medicações e pouca – ou nenhuma – compreensão do paciente sobre o cuidado oferecido). Portanto, priorizar é essencial. E o seguimento é necessário para resolver “um problema de cada vez”.
Além disso, os déficits sensoriais devem sempre ser questionados, pois estão diretamente relacionados à perda de funcionalidade do idoso – outro ponto importante é a presença de um acompanhante na consulta. Por exemplo, o paciente pode estar apresentando um déficit auditivo inicial não percebido por ele, mas o acompanhante já nota alterações no cotidiano, como o volume da TV mais alto ou não ouvir chamá-lo se estiver de costas. Déficit auditivo, visual ou uso de próteses dentárias adequadas à mastigação devem ser checados e corrigidos sempre que possível. Em relação à mastigação, também faz parte da AGA a avaliação nutricional, observando aspectos clínicos e antropométricos de desnutrição – a medida da circunferência da panturrilha pode fornecer informações importantes nessa avaliação, aliada ao IMC (lembrar que a faixa de normalidade para idosos é de 22-27, devido às alterações corporais decorrentes da idade avançada) e diário alimentar.
Pacientes idosos também devem ser questionados em relação à incontinência – urinária e fecal; é importante perguntar de maneira aberta, sem tom de “vergonha” sobre o assunto. Normalmente os pacientes omitem essa informação, então cabe ao médico trazer a pergunta de maneira casual, questionando episódios de escapes urinários e em que situação isso ocorreu (na tentativa de diferencias incontinência urinária de esforço ou de urgência, por exemplo). Outro item essencial a ser avaliado é o equilíbrio e marcha; isso já pode ser observado no momento em que o paciente é chamado ao consultório – o modo como levanta da cadeira de espera e caminha até seu encontro já diz muito sobre o risco de quedas que esse paciente pode vir a apresentar. Nesse quesito, podemos lançar mão de alguns testes físicos como “teste de sentar e levantar”, “timed up and go test” e teste de velocidade de marcha, para mostrar, em números, como está o paciente em relação ao equilíbrio e risco de queda.
A lista de medicamentos do paciente idoso costuma conter uma gama bem variada de itens; o que leva a outra diferença nessa avaliação – identificar a polifarmácia e, sempre que possível, reduzir medicações fúteis ou que possam trazer risco ao paciente. Polifarmácia é definida como o uso crônico de 5 ou mais drogas; o grande problema disso é o risco proporcional de reações adversas. Existe uma relação, chamada de Critérios de Beers, que define medicamentos inapropriados/apropriados para o uso em idosos, bastante utilizada quando pensamos em desprescrição.
Outros dois pontos são destacados na AGA: cognição e humor; as manifestações mais típicas da depressão em idosos são o déficit cognitivo e a anedonia. A avaliação cognitiva está intimamente relacionada ao humor – pacientes depressivos podem ter queda nos índices de testes cognitivos, mas não necessariamente apresentam algum transtorno ou síndrome demencial (muitas vezes, ao corrigir o distúrbio psiquiátrico, o paciente retorna aos índices dos testes cognitivos prévios). Nesse ponto, é muito importante conhecer a escolaridade do paciente; o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), teste bastante utilizado na avaliação, tem sua pontuação variando de acordo com os anos de estudo dos pacientes – esse teste julga orientação temporal e espacial, habilidade de cálculo, memória imediata e evocativa e habilidade executiva – no entanto, tem baixa sensibilidade em pacientes com alto nível de escolaridade. Outros testes podem ser também utilizados, como teste do relógio, MOCA e fluência verbal, analisando diferentes aspectos cognitivos do paciente. Em relação ao rastreio psiquiátrico, existe a Escala de Depressão Geriátrica, composta por 15 perguntas de “sim” ou “não”, em que uma pontuação acima de 5 indica alto risco de depressão. Importante lembrar que esses testes e escalas são apenas para rastreio e não fazem diagnósticos desses distúrbios.
A AGA tem como principal objetivo a promoção da qualidade de vida, visando a autonomia e independência do paciente idoso. Para isso, outro ponto a ser avaliado é a funcionalidade desse indivíduo; existem algumas escalas, não validadas para nossa população, que facilitam essa compreensão, como Katz (que analisa as ditas “atividades básicas de vida diária”, como a capacidade de realizar sem ajuda o banho, vestir-se, higiene pessoal, continência, transferências e alimentar-se) e Lawton (avalia as “atividades instrumentais de vida diárias”, como usar o telefone ou transporte, compras, habilidade com dinheiro, habilidades domésticas), por exemplo.
Avaliar um idoso em uma consulta compreende uma visão multidimensional e transdisciplinar, com utilização de testes e escalas que permitem uma análise global do paciente em aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Esses fatores, muita vezes não levados em consideração em outros pacientes, nos idosos passam a ter destaque, no sentido de promover a manutenção de sua autonomia e qualidade de vida. É para isso que Geriatras e Gerontologistas são treinados e, nesse sentido, a AGA é fundamental.