O termo amiloidose é um termo geral referente a uma série de doenças consequentes do depósito de subunidades proteicas (proteínas séricas) em diversos órgãos do corpo (coração, rins, fígado, sistema nervoso autônomo), que possuem em comum a formação de estrutura beta-pregueada.
Suas manifestações serão diretamente dependentes do tipo de proteínas envolvidas, o local de depósito e a quantidade do mesmo.
O envolvimento cardíaco depende do tipo de amiloidose. O prognóstico da mesma também depende do subtipo associado, apresentando alta mortalidade em alguns desses.
A importância do tema, além da possível mortalidade, é a inclusão dessa doença como diagnóstico diferencial em causas de insuficiência cardíaca.
QUAL O TIPO DE AMILOIDOSE ASSOCIADA COM O ENVOLVIMENTO CARDÍACO?
Vamos lá, pessoal! Apesar de diversos tipos de proteínas amiloides já tenham sido descritas (mais de 25), muitas são raras e não são envolvidas com o desenvolvimento da doença cardíaca.
Os tipos mais comuns de amiloidose podem ser definidos de acordo com suas proteínas precursoras. São elas: amiloidose de cadeia leve (AL), familiar ou senil (ATTR) e secundária (AA).
A gravidade e a frequência do comprometimento cardíaco variam entre os vários tipos de amiloidose.
Na primária (AL), o acometimento cardíaco se encontra em tordo de 50% dos pacientes. Já na forma secundária, apenas 5% dos pacientes são afetados.
Na amiloidose familiar (ATTR), a principal manifestação é a cardiomiopatia amiloide. No entanto, a presença da doença cardíaca varia de acordo com a mutação específica nessa forma de amiloidose.
QUAIS SÃO AS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS?
As manifestações gerais são as mesmas de qualquer tipo de insuficiência cardíaca, com surgimento de dispneia e edema. Angina, lipotímia (pré síncope) e síncope podem ocorrer.
Outros sintomas não específicos podem ser os associados com o acometimento de outros órgãos (mais presentes na forma AL da amiloidose) como anorexia, saciedade precoce, perda de peso.
E a insuficiência cardíaca?
Sinais e sintomas da falência cardíaca incluem dispneia e acometimento do lado direito do coração, tais como edema periférico, hepatomegalia e ascite.
Um acometimento raro, mas que pode ocorrer, é o acúmulo desproporcional de amiloide no septo ventricular, mimetizando uma cardiomiopatia hipertrófica.
Doença dos pequenos vasos:
Pode se manifestar como púrpura, claudicação ou angina. Púrpura periorbital que ocorre em situações como tosse, espirro, pequenos traumas, em associação com uma clínica de insuficiência cardíaca pode sugerir o diagnóstico de amiloidose.
O acometimento coronariano geralmente é pouco extenso e raro, sendo muito comum termos uma cineangiocoronariografia normal nesses pacientes.
Síncope e Morte súbita:
Síncope e pré síncope são ocorrências comuns nos pacientes com amiloidose cardíaca. Arritmias ventriculares aparecem como um mecanismo incomum de causa para as síncopes desses pacientes.
Muitos estudos demonstram que os pacientes com amiloidose, que apresentam síncope como sintoma, estão sob maior risco de morte súbita.
Doença do sistema de condução:
Apesar do sistema de condução estar muito envolvido na doença cardíaca da amiloidose (principalmente na forma AL), o bloqueio atrioventricular de alto grau é uma característica mais rara nesses pacientes.
Por outro lado, a doença degenerativa progressiva do sistema de condução ocorre de forma frequente na amiloidose ATTR, sendo, muitas vezes, necessário o implante do marcapasso definitivo.
Doença pericárdica:
O depósito amiloide no pericárdio pode culminar em derrame pericárdico, podendo produzir tamponamento cardíaco raramente.
COMO COSTUMA SER O CURSO DA DOENÇA?
A idade de início dos sintomas varia de acordo com o tipo de amiloidose. No tipo AL, geralmente a doença se apresenta a partir dos 40 anos de idade. Na forma senil, a partir dos 60 anos e ainda mais comumente a partir dos 70 anos.
Na ATTR, a faixa etária é muito diversificada, de acordo com o tipo de mutação causadora da doença.
E quanto ao prognóstico?
Bom, na amiloidose AL, se não tratada, o prognóstico é ruim e, se houver acometimento cardíaco sem tratamento, é ainda pior.
Por outro lado, a forma senil possui uma progressão mais lenta e um melhor prognóstico.
O QUE POSSO ENCONTRAR NO EXAME FÍSICO DESSES PACIENTES?
No exame físico desses doentes, alguns achados são marcantes como:
– Turgência jugular – por uma pressão venosa elevada;
– Hipotensão – geralmente, encontrada secundária a um débito cardíaco reduzido e/ou uma vasodilatação periférica inapropriada. Hipotensão postural, quando presente nesses doentes, pode sugerir neuropatia autonômica (que é comum nos pacientes com amiloidose).
– Bulhas cardíacas: em geral, os sons cardíacos são normais. No entanto, no caso de um ventrículo direito muito acometido, podemos notar B3 desse lado do coração. B4 é incomum nesse perfil de doente.
– Aparelho valvar: raramente é acometido na amiloidose cardíaca. No entanto, sopro de regurgitação mitral e/ou tricúspide pode ser auscultado em alguns casos.
– Exame físico de outros aparelhos: no abdome, hepatomegalia secundária à congestão pode estar presente, ascite e edema periférico também.
O QUE ESPERAR DO ELETROCARDIOGRAMA?
Uma das alterações mais comuns no eletrocardiograma é a baixa voltagem (ocorre em até 50% dos pacientes da forma AL).
Também é comum encontrarmos alguns padrões de isquemia, como sinais sugestivos de áreas eletricamente inativas.
De forma menos comum, também se pode identificar bloqueio atrioventricular de primeiro grau, fibrilação/flutter atrial.
E O ECOCARDIOGRAMA?
É o exame não invasivo inicial de escolha para o diagnóstico de amiloidose cardíaca.
A alteração ecocardiográfica mais precoce que devemos esperar é o aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo, com evidência de disfunção diastólica, também podendo ocorrer a disfunção do ventrículo direito.
A alteração ecocardiográfica mais precoce que devemos esperar é o aumento da espessura da parede do ventrículo esquerdo, com evidência de disfunção diastólica, também podendo ocorrer a disfunção do ventrículo direito.
Já a doença mais avançada está associada com o seguinte:
– Comprometimento sistólico do ventrículo esquerdo (VE), além de padrão restritivo. Espessamento simétrico da parede do VE;
– Os átrios se tornam aumentados e com dificuldade de mobilização, além de ocorrer espessamento dos folhetos das valvas mitral e aórtica, e do septo atrial;
– Derrame pericárdico frequentemente presente (geralmente com pequeno volume);
– Pode ocorrer hipertensão pulmonar moderada;
– O Doppler tecidual pode demonstrar comprometimento da contração do eixo longo, mesmo que a fração de ejeção do ventrículo esquerdo dentro da faixa normal;
– Aparência “granular e brilhante” do miocárdio pelo depósito de amiloide, ou seja, aumento da ecogenicidade. Vale lembrar que apesar de ser uma iamgem marcante, a minoria dos pacientes apresenta esse achado.
A RESSONÂNCIA CARDÍACA PODE AJUDAR NO DIAGNÓSTICO?
É um exame muito importante nesse diagnóstico porque pode fornecer evidências fortes do mesmo. Isso se deve principalmente por um tipo de realce tardio pelo gadolíneo, raramente visto em outras cardiomiopatias.
A ressonância cardíaca é mais sensível que a ecocardiografia para detectar a deposição de amiloide, pois o depósito de amiloide pode ser detectado pelo realce tardio de gadolínio, mesmo com espessuras normais da parede do VE.
AFINAL, EM QUE INDIVÍDUO DEVEMOS PENSAR NESSE DIAGNÓSTICO?
O diagnóstico de amiloidose cardíaca deve ser considerado em qualquer adulto com insuficiência cardíaca de etiologia inexplicada, com ecocardiograma demonstrando aumento da espessura da parede ventricular, com cavidade não dilatada (principalmente se o eletrocardiograma demonstrar baixa voltagem).
Se, em associação com a clínica de insuficiência cardíaca, tivermos alguns dados na história como pré síncope, síncope, angina, proteinúria (pelo acometimento renal da amiloidose), hepatomegalia desproporcional ao grau de insuficiência cardíaca e/ou neuropatia, a hipótese diagnóstica se torna ainda mais forte.
QUAL O PAPEL DA BIÓPSIA CARDÍACA?
O diagnóstico da amiloidose cardíaca através da biópsia ocorre pela confirmação de depósito amiloide através da biópsia endomiocárdica, ou quando o paciente apresenta achados compatíveis com a amiloidose cardíaca e são encontrados depósitos amiloides na biópsia realizada em outros tecidos (ex.: rins, reto, gordura abdominal subcutânea).
Se o paciente possui características típicas de amiloidose cardíaca e uma biópsia positiva para depósito de proteínas amiloides em um sítio não cardíaco, não há necessidade da realização da biópsia endomiocárdica.
GUILHERME, QUAIS SÃO OS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS DESSA SITUAÇÃO?
O diagnóstico diferencial da amiloidose cardíaca inclui uma variedade enorme doenças que levam à hipertrofia miocárdica. Dentre elas podemos citar algumas como:
– Cardiomiopatia hipertensiva;
– Cardiomiopatia hipertrófica;
– Doença de Fabry;
– Cardiomiopatias com etiologia em desordens mitocondriais;
– Cardiomiopatias restritivas (ex.: neoplasia, idiopática).
Alguns detalhes que podem nos ajudar!!!
A hipertrofia do VE causada por doenças como a cardiomiopatia de etiologia hipertensiva, a cardiomiopatia hipertrófica e a doençade Fabry geralmente levam ao aumento da voltagem (ou mantêm dentro da normalidade) do eletrocardiograma (lembramos que na amiloidose é comum percebermos uma diminuição da mesma! Correto?).
As características comentadas nesse artigo com relação ao ecocardiograma também contribuem para diferenciar a amiloidose cardíaca de outros tipos de acometimento, assim como os achados da ressonância cardíaca.
OK! AGORA, DEPOIS DE TUDO ISSO, VAMOS FALAR DE TRATAMENTO?
Em termos gerais, o tratamento da amiloidose cardíaca se fundamenta em dois pilares: o tratamento da insuficiência cardíaca em si e o da doença subjacente.
Os pacientes com amiloidose do tipo ATTR costumam responder melhor ao tratamento proposto da insuficiência cardíaca do que os pacientes do tipo AL.
Insuficiência cardíaca: na amiloidose, o tratamento dessa entidade é um pouco diferente da insuficiência cardíaca diastólica ou sistólica clássica. Os diuréticos de alça (ex.: furosemida) continuam sendo um dos pilares do tratamento a insuficiência cardíaca na amiloidose. No entanto, betabloqueadores e IECAs podem ter efeitos deletérios (o que é paradoxal quando comparamos à maioria das causas de insuficiência cardíaca).
Sendo assim, os diuréticos são a pedra fundamental no tratamento desses doentes.
Em alguns casos, a associação de espironolactona à furosemida é benéfica.
Sabidamente, os betabloqueadores reduzem a mortalidade dos pacientes com insuficiência cardíaca de fração de ejeção reduzida, porém não apresentam benefício comprovado nos doentes com cardiomiopatia amiloide.
Pelo contrário, eles podem piorar a clínica dessa população em específico. Isso ocorre porque, nos pacientes com esse tipo de cardiomiopatia, o débito cardíaco depende diretamente da frequência cardíaca.
Os benefícios dos IECAs ou BRAs nessa situação específica também é incerta.
Na experiência médica, notamos que esses fármacos provocam frequentemente hipotensão nesses doentes, possivelmente expondo uma neuropatia autonômica subclínica.
Bloqueadores dos canais de cálcio como verapamil e diltiazem são ineficazes, pois o déficit de relaxamento na amiloidose cardíaca se deve exatamente pelo depósiot de proteínas amiloides, e não por disfunção celular miocárdica.
Dessa forma, são medicamentos contraindicados nessa situação.
Transplante cardíaco: em geral, o transplante cardíaco não é indicado nessa população. Poucos centros médicos trabalham com esse perfil de pacientes. Na literatura atual, há um pequeno número de casos de pacientes transplantados cardíacos por ter a cardiomiopatia amiloide como doença de base. Nessa pequena parcela, nota-se uma grande recorrência da doença em outros órgãos e até mesmo no órgão transplantado.
Terapia específica: varia de acordo com a causa base do excesso de proteína amiloide (ou seja, de acordo com o tipo de mutação responsável pela doença).
– Amiloidose AL: o prognóstico nessa população é variado de acordo com a extensão da doença e os órgãos acometidos. Naqueles com insuficiência cardíaca, a sobrevida é calculada em 4-6 meses. No entanto, quando o diagnóstico é precoce, há uma chance de melhora desses números com a seleção cuidadosa e específica de alguns quimioterápicos. A terapia pode envolver estes, em associação ou não, com transplante autólogo de células tronco na tentativa de eliminar os clones das células plasmáticas responsáveis pela produção de proteína amiloide. Os esquemas iniciais mais comumente utilizados nos dias atuais são os baseados em bortezomibe, ciclofosfamida e dexametasona.
A Classe Funcional NYHA III-IV é contraindicação ao uso de células tronco.
– Amiloidose ATTR: tratamento com tafamidis (naqueles com Classe Funcional I-III). Esse tratamento demonstrou diminuir mortalidade, reduzir internações e apresentar melhora da Classe Funcional.
Vale a pena lembrar que o tratamento desses pacientes deve ser super individualizado, avaliando prognóstico, capacidade funcional, gravidade, estágio da doença, indicações e contraindicações de cada fármaco e modo terapêutico.
Apesar de rara, a amiloidose cardíaca se trata de doença grave, que deve entrar como um diagnóstico diferencial importante na investigação inicial de etiologia de insuficiência cardíaca.
Se tratada e diagnosticada de forma adequada, esses pacientes possuem uma esperança na melhora de sobrevida e na qualidade de vida.