Os AINEs (anti – inflamatórios não esteroidais) são medicamentos de suma importância no meio médico, uma vez que estão presentes em diversas estratégias terapêuticas, devido a sua função, por exemplo, em processos inflamatórios, febre e dor, situações que são “comuns” em nossa vida.
O primeiro AINEs utilizado foi a aspirina (o AAS, ou ácido acetil salicílico) em 1899.
É claro que esses anti – inflamatórios são essenciais para controle de diversas alterações as quais estamos suscetíveis. Mas, como a maioria dos fármacos ou substâncias exógenas, em geral, existem efeitos colaterais, que ocorrem concomitantemente aos efeitos terapêuticos.
É sobre esses efeitos colaterais que vamos conversar hoje, buscando entender o motivo deles acontecerem, isto é, o mecanismo.
Qual a função dos AINEs?
Os AINEs são tão importantes, pois eles possuem a capacidade de controlar diversas alterações em nosso organismo, ocasionadas, principalmente, por processos inflamatórios.
E a forma utilizada para realizar tal ação é inibindo uma enzima, a ciclooxigenase ou COXs.
Diversos estímulos, tais como lesão e traumas, podem levar a ativação da fosfolipase A2, que realiza fosforilação do ácido araquidônico, que, então, pode ser convertido em algumas substâncias pelas COX, ou entrar na via da lipoxigenase (LOX).
Diferentes tipos de COXs existem, sendo as principais: COX 1, COX 2 e COX 3 (=COX 1b). Da mesma forma, existem diferentes tipos de AINEs, que inibem tais COXs. Alguns possuem mais afinidade pela COX 1, outros pela COX 2.
Para entender os efeitos colaterais ocasionados pelo uso de AINEs, precisamos falar das funções desempenhadas pelas COXs, pois, se elas são o alvo do medicamento, os efeitos colaterais estão relacionados a sua inibição.
Tipos de COXs
Três diferentes tipos de COXs, principais, existem em nosso organismo.
A COX 1 é uma enzima constitutiva, ou seja, ela está presente normalmente em nosso organismo, sendo de suma importância para processos fisiológicos e homeostáticos.
Pela ação dessa enzima, são produzidas prostaglandinas que atuam na mucosa gástrica, promovendo proteção da mesma, uma vez que reduzem a secreção de HCl (ácido clorídrico), pelas células parietais do estômago.
Além disso, aumentam a produção de muco rico em bicarbonato, fazendo, assim, o controle do pH gástrico, regulando a acidez do estômago.
A COX 1 também promove a produção de tromboxano A2, que é uma substância pró agregante.
A agregação plaquetária, controlada, é de suma importância para a vida, pois faz parte da primeira etapa do processo de hemostasia (prevenção e controle de sangramentos).
Também há a produção de prostaglandinas vasodilatadoras que atuam a nível renal, aumentando a taxa de filtração glomerular (pelo aumento do fluxo sanguíneo nos rins) a níveis normais, uma vez que promovem dilatação da arteríola aferente.
Além disso, ativam o sistema renina – angiotensina – aldosterona, e a angiotensina II promove vasoconstricção da arteríola eferente.
COX 2
A segunda forma é a COX 2. Ao contrário da COX 1, a maior parte da COX 2 é induzida, ou seja, não está constitutivamente presente em nosso organismo. Ela surge quando há algum estímulo.
A COX 2 induzida está relacionada principalmente aos processos inflamatórios. Relacionada à febre, dor, e inflamação.
Não podemos nos esquecer que, apesar da COX 2 induzida ser um fator muito importante a ser controlado em processos inflamatórios, a COX 2 pode estar constitutivamente em nosso organismo e possui funções importantes.
A primeira delas é que, na mácula densa, há uma expressão importante de COX 2, e essa atua fazendo controle também da taxa de filtração glomerular, e excreção de sódio.
Outro local que possui COX 2 é no endotélio vascular, e no endotélio sua ação leva a produção de PGI2 , você lembra o que essa substância faz?
Essa prostaciclina promove vasodilatação e função antiagregrante plaquetária, ou seja, potencial antitrombogênico.
COX 3
E, por último, a COX 3 (ou COX 1b) que está presente principalmente no sistema nervoso central, e relacionada a processos de febre e dor.
Agora que já abordamos um pouco das funções das ciclooxigenases, vamos aos efeitos colaterais.
Efeitos colaterais
Alguns efeitos são esperados ou previstos quando se faz uso de AINEs, pois conhecemos a função normal de determinadas substâncias produzidas por ação das COXs, e, estando inibida tal função, podemos imaginar algumas consequências.
Ao utilizar um AINEs que inibe a COX 1, nós perdemos as funções fisiológicas que ela desempenha.
Gastrotoxicidade
Quando inibimos a COX 1, inibimos indiretamente o mecanismo de proteção gástrica mediado por prostaglandinas.
Na ausência das prostaglandinas, as células parietais aumentam sua produção de HCl, há redução da secreção de muco, redução das concentrações de bicarbonato no muco, ou seja, aumenta ácido e reduz bases, resultando em um meio cada vez mais ácido.
E essa acidez pode levar a um quadro de inflamação gástrica e úlceras gástricas, quadro esse que vem sendo cada vez mais relacionado ao uso de anti-inflamatórios (provavelmente pelo uso indevido).
Alteração da função plaquetária
Quando em uso de AINEs, podem ocorrer alterações plaquetárias, que acarretam, consequentemente, em alterações da hemostasia primária.
O tipo de alteração a ocorrer varia de acordo com o tipo de AINEs que está sendo utilizado, podendo ocorrer tanto sangramentos, quanto trombos por agregação plaquetária aumentada.
Quando inibimos a COX 1, como no uso de AAS que possui uma maior afinidade pela COX 1 do que pela COX 2, há redução do tromboxano A2 , uma substância vasoconstrictora e que aumenta a agregação plaquetária, que seria produzido pela ação da COX 1, mas estando a enzima inibida, essa produção é reduzida.
E ainda, temos a COX 2 livre produzindo PGI2, uma substância vasodilatadora e que reduz a agregação plaquetária.
Então, uma vez que temos redução de uma substância pró agregante (tromboxano A2) e aumento de uma substância antiagregante (PGI2), perde-se o equilíbrio.
E esse indivíduo, no caso de uma cirurgia ou trauma, por exemplo, pode vir a sangrar exageradamente, pois ele “perde” em grande parte essa capacidade de hemostasia.
Esse risco é maior em idosos.
Por outro lado, se inibirmos a COX 2, utilizando um celecoxib, por exemplo, que é altamente seletivo para COX 2, temos o inverso do quadro anterior.
Quem estará aumentado será o tromboxano A2 e a PGI2 reduzida. E, com isso, um paciente com fatores de risco para tromboembolismo, ou que tenha história pregressa de eventos tromboembólicos, sofrem um aumento do risco cardiovascular, pois aumenta a chance de formação de trombos patologicamente, desenvolvendo trombose.
Perceba a importância de fazer uma boa anamnese antes de prescrever qualquer medicamento, uma simples informação pode ser fundamental.
Insuficiência Hepática
O paracetamol é um AINE inibidor da COX 3 (COX 1b). Esse fármaco pode provocar lesão renal, mas não pela inibição da COX, e sim por metabólitos hepatotóxicos.
O paracetamol é metabolizado no fígado, e, ao passar por esse processo, formam-se metabólitos como NAPQI, que é tóxico ao fígado.
“Então não posso tomar paracetamol, pois irá provocar lesão hepática?” Não!! É normal que esse composto seja formado, mas após ser formado, o NAPQI sofre conjugação com a glutationa e, então, é liberado para ser excretado pelos rins.
O que leva a lesão hepática é quando não há glutationa suficiente para ser conjugada ao NAPQI.
E, então, o metabólito se acumula no fígado, e isso pode ocorrer em quadros de uso de associação ao álcool, ou no consumo de altas doses (acima de 4 mg por dia), e ainda na associação à medicamentos que potencializam a atividade das CYPs (Família do Citocromo P450).
Ou seja, você pode utilizar ou prescrever paracetamol sem problema algum! Você precisa apenas conhecer a dose correta, já dizia Paracelso, “A diferença entre o remédio e o veneno é a dose”.
E lembre-se de sempre orientar o seu paciente, informando-o sobre o uso correto do medicamento, utilizar apenas o que foi prescrito, esclarecer a respeito da associação com o álcool, além de saber se ele faz uso de algum outro medicamento, para que você tenha certeza que tal medicamento não interfere com a velocidade do metabolismo hepático.
Leucopenia
Temos um AINE, muito utilizado, e que há muito tempo se discute a respeito de um efeito colateral grave.
A dipirona é um AINE reversível não seletivo (inibe COX 1 e COX 2) e, por meio de seus metabólitos ativos, inibe também a COX 3.
É amplamente utilizada, principalmente por seu efeito antitérmico e analgésico.
Mas sabe-se que é uma importante causa de anemia aplásica, levando a agranulocitose e leucopenia.
Em alguns países, como Estados Unidos e diversos países da Europa, é proibida a comercialização da dipirona.
Alterações renais
Todos os AINEs, independente se inibem a COX 1 ou COX 2, podem provocar lesão renal. Isso porque tanto a COX 1 quanto a COX 2 estão expressas constitutivamente nos rins, e, em sua normalidade, mantêm a taxa de filtração glomerular (TFG).
Por exemplo, quando a TFG diminui, prostaglandinas vasodilatadoras são liberadas e promovem dilatação da arteríola aferente, aumentando a perfusão renal, ao mesmo tempo que ativam o sistema renina angiotensina aldosterona.
E a angiotensina II atua promovendo vasoconstricção da arteríola eferente, fazendo com o fluxo sanguíneo permaneça mais tempo nos capilares renais, e, assim, aumenta a filtração glomerular.
Quando utilizamos um AINE, esse processo fisiológico de regulação é inibido, pois reduzem-se as prostaglandinas vasodilatadoras, e reduz a angiotensina II, e, com isso, a TFG sofre redução, e certas partes dos rins, como a medula renal pode sofrer isquemia, provocando uma lesão renal
Além disso, a redução de prostaglandinas na medula renal pode levar à retenção hidrossalina, e consequente edema.
Por isso, em um paciente com alterações renais pré-existentes, ou um paciente idoso, você deve se atentar muito ao prescrever um AINE, a dose prescrita, e o tempo de uso, pois, independentemente do tipo de AINE que for prescrito, pode provocar alterações nos rins, mas os fatores citados (dose e tempo de uso) têm relação direta com a possibilidade de nefrotoxicidade.
Reações de Hipersensibilidade
Os AINEs, hoje, têm sido considerados uma das principais causas de hipersensibilidade induzida por drogas, senão a principal. O número cresce em pacientes asmáticos.
Ao fazer uso de AINEs, principalmente de maneira prolongada, também há risco de hipersensibilidades e até reações anafiláticas. Isso ocorre, pois, ao inibir a via das COXs, a via da LOX torna-se a única via ativa plenamente.
A via da LOX converte o ácido araquidônico em leucotrienos, que são mediadores de reações alérgicas.
Os leucotrienos promovem quimiotaxia, vasoconstricção, broncoespasmo e aumento da permeabilidade vascular – eventos de uma reação alérgica.
Por isso, no uso prolongado de AINEs, podem ocorrer essas reações alérgicas, manifestações cutâneas, pelo excesso de leucotrienos, e, em alguns casos, podem agravar-se, como em reações anafiláticas.
Gestação
Durante a gestação, o uso de AINEs também pode interferir.
Temos nas células uterinas produção de PGF2A, que é importante no processo de contração uterina que ocorre no parto.
Caso seja utilizado algum AINE nesse período, pode levar a diminuição de PGF2A, e, assim, reduzir as contrações uterinas, prolongando o parto.
Um outro efeito que pode ocorrer, mais relacionado ao feto, é o fechamento precoce do ductus arteriosus.
Durante a gestação, é fisiológico que o sangue arterial e o sangue venoso se misturem, pois há uma comunicação entre a artéria aorta e a artéria pulmonar. Porém, isso é interrompido quando o cordão umbilical é cortado.
O uso de AINEs pela gestante pode fazer com que haja um fechamento precoce dessa comunicação, pois as prostaglandinas estão relacionadas a essa comunicação, e, uma vez que se produção é inibida, essa comunicação pode se fechar e ocorrer, inclusive, aborto.
Vimos diversos riscos relacionados ao uso de AINEs. É importante conhecer tais riscos, saber que eles existem e, assim, buscar formas de evitar (muitos dos casos podem ser solucionados alterando o tipo de AINE utilizado).
Mais do que tudo, é preciso entender que tais fármacos são importantíssimos. O que precisamos é saber usá-los a nosso favor.
Observa-se, hoje, um uso inadequado do medicamento, muitas vezes sem nenhuma prescrição médica. E, com isso, os efeitos colaterais podem vir a acontecer.
Bons estudos, pessoal!! Espero que tenham gostado! Até a próxima!