Embora a o turbilhão crescente de tecnologias e facilidades esteja crescendo de forma absurda na Medicina nos últimos anos (muitas vezes fazendo com que os médicos negligenciem dois aliados muito antigos de seu trabalho – a história e o exame físico), a coleta de uma boa história já, chamada de anamnese no meio médico, é o início do tratamento do paciente.
E por que você diz isso, Guilherme?
Todo (ou quase todo) ser humano se culpa, de alguma forma, por estar doente. Muitas vezes pensa que está sendo punido por algum motivo. Em um processo de quase “furacão” psicológico está a todo momento se cobrando e buscando justificativas para o seu adoecimento. O médico, por sua vez, não consegue curar totalmente esse pensamento errôneo do doente, porém apresenta papel fundamental em ajudá-lo a remover essas premissas da sua mente.
E como eu, como médico, ou aluno de Medicina, posso contribuir ou ajudar? Com a demonstração de solidariedade, paciência e interesse em resolver o problema (e isso já se inicia quando começamos a conversar e coletar a anamnese). Afinal, esse é o grande papel do ser médico, curar ou aliviar a dor e enfermidade dos nossos pacientes.
Como uma anamnese mal feita pode influenciar meu tratamento?
Bom, se qualquer médico, por mais capacitado que seja, adota uma atitude grosseira, sem empatia ou compaixão com seu paciente, de forma fria, desinteressada, o tratamento já estará comprometido. A relação médico paciente (essencial para a confiança e tão necessária para o engajamento do doente no seu tratamento) já estará abalada.
Além disso, tais atitudes facilitam o erro diagnóstico, pois não permite que o médico obtenha as informações de forma tão clara ou fidedigna.
Mesmo com as facilidades da Medicina moderada, a principal ferramenta de trabalho do médico ainda é ele mesmo. A profissão médica exige uma sensibilidade de percepção, a postura mais adequada, a forma correta de obter informações. E não podemos chamar de “dom”, mas isso tudo exige treino e esforço. Como sabemos, nada é muito fácil em medicina, mas se torna possível com o treino. E não é diferente com a técnica de anamnese.
A poesia da anamnese (“Guilherme, como vou conseguir a empatia com meu doente?”)
Aí que está a “poesia” da anamnese, com suas técnicas e dicas para obter a melhor relação médico paciente e, consequentemente, as melhores informações para o alvo terapêutico e a descoberta diagnóstica.
Uma fórmula boa (óbvio que não possível de ser aplicada com qualquer paciente) é perguntar se o paciente possui netos. Antes da resposta do mesmo, nós já sabemos o que virá pelo sorriso que se forma nos lábios antes da emissão das palavras, provocado pelas lembranças dos netos.
Outra coisa importante que é bom termos em mente é que o médico não é juiz nem pode/deve sê-lo. É inerente ao ser humano julgar o outro, porém o médico tem que se esforçar ainda mais para conter este tipo de impulso.
Como vou ter paciência, sensibilidade e empatia com todo paciente?
Para isso, pessoal, não tem jeito! É necessário permanente esforço para que a sensibilidade não seja perdida, já que pelo que passamos no dia a dia, convivendo rotineiramente com o sofrimento o humano, o reflexo é que isso aconteça. Quem quer ser médico tem que aprender a gostar de gente de maneira sincera. O nosso compromisso tem que estar no doente. Sem doente e sem doença não haveria o médico, não é mesmo?
Agora vamos falar da técnica da anamnese e de seus tópicos em si?
Do início, não é mesmo?
Identificação: Na própria identificação o paciente já pode fornecer informações que possam nos ajudar no diagnóstico, a começar pela idade. Por exemplo, na presença de cardiopatia, um adolescente possui como principal suspeita a doença reumática no nosso país, enquanto na idade adulta a cardiopatia isquêmica e hipertensiva são as mais comuns.
Prosseguindo na identificação, o gênero também pode contribuir para nossas suspeitas. A área onde o paciente nasceu também traz dados relevantes. Por exemplo, seguindo no assunto de cardiologia, saber se o paciente nasceu, viveu ou mora em área endêmica de doença de Chagas nos faz pensar em algumas hipóteses no contexto de determinadas alterações eletrocardiográficas ou apresentações clínicas. Profissão e etnia também contribuem muito para o nosso raciocínio diagnóstico;
História da doença atual: Essa é uma parte que todo mundo entende que é importante, afinal é aqui que a gente vai conversar sobre a queixa de fato do paciente. Só gostaria de chamar atenção que como toda a anamnese, essa é também uma parte que deve ser feita com cuidado e método, deve-se tomar cuidado para caracterizar a maior quantidade possível de informações sobre os sintomas, como, intensidade, tipo, fatores de melhora, fatores de piora e etc.
Hábitos de vida: o uso de álcool e o tabagismo devem ser investigados. O uso de outros tipos de drogas também deve ser interrogado;
Uso de medicações;
Hábito nutricional;
Antecedentes patológicos: doenças em tratamento contínuo, história de doenças prévias, cirurgias realizadas, internações passadas e toda história de doença deve ser extraída dos pacientes.
Revisão de sintomas: talvez a parte mais negligênciadada na anamnese, ela pode trazer muitas informações tanto para definir melhor a queixa atual do paciente como pode trazer informações sobre outros aspectos da saúde que o paciente pode estar negligenciando.
Lembrando que este artigo não possui a mínima intenção de ensinar um colega médico ou a um aluno de Medicina a realizar uma anamnese, mas sim ressaltar a grande importância deste ato médico (apesar de todas facilidades, exames complementares e tecnologia de ponta da medicina atual), além de dar algumas dicas de realizá-la com mais sucesso e relembrar a importância de ser médico e de “conquistar” a confiança do seu paciente.