A Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é a endocrinopatia mais comum nas mulheres em idade reprodutiva, com prevalência estimada de 8 a 13%.
Possui um background genético e é influenciada por fatores ambientais, podendo envolver questões reprodutivas, metabólicas e psicológicas.
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DESTA SÍNDROME?
1) Disfunção menstrual com menstruações infrequentes ou ausentes. Algumas mulheres, porém, apresentam Sangramento Uterino Anormal devido à anovulação crônica, sendo que essa disfunção ovulatória é responsável pela infertilidade;
2) Hiperandrogenismo, que pode ser clínico (acen. Hirsutismo e/ou alopécia com padrão masculino) e/ou laboratorial (elevadas concentrações séricas de androgênios);
3) Ultrassonografia transvaginal com aspecto típico de ovários policísticos. Porém, é importante saber que esse é um critério inespecífico que pode estar presente em mulheres com menstruação normal e sem SOP;
4) Presença de fatores de risco para diabetes, doença cardiovascular, incluindo obesidade, resistência periférica à insulina, intolerância à glicose e dislipidemia;
5) As pacientes podem ter apneia do sono e esteatose-hepática não alcoólica;
6) Mulheres com SOP estão mais propensas a desordens do humor (depressão e ansiedade), assim como transtornos alimentares.
COMO É REALIZADO O DIAGNÓSTICO DA SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS (SOP)?
Para confirmar o diagnóstico de Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), utiliza-se os CRITÉRIOS DE ROTTERDAM*:
1) Anovulação (manifestada por irregularidade menstrual);
2) Hiperandrogenismo clínico e/ou laboratorial;
3) USG = ovários policísticos (12 ou mais folículos medindo de 2 a 9 mm) ou ovário com volume aumentado (maior ou igual a 10 mm3);
*Para ser diagnosticada com SOP, a paciente deve apresentar, no mínimo, 2 dos 3 critérios.
Perceba que utilizando-se dos Critérios de Rotterdam, é possível que uma paciente seja diagnosticada com SOP somente através de anamnese e exame físico.
A SOP deve ser suspeitada em qualquer mulher em idade reprodutiva que apresente irregularidade menstrual e hiperandrogenismo, sendo que a presença de sobrepeso ou obesidade aumenta a suspeita diagnóstica.
ATENÇÃO: mulheres com ovários policísticos na USG sem nenhum outro aspecto clínico NÃO apresentam SOP e NÃO necessitam de investigações complementares.
Diagnóstico e tratamento precoce da SOP são cruciais para garantir a qualidade de vida e bem-estar das pacientes.
COMO DEVEMOS AVALIAR O HIPERANDROGENISMO?
O diagnóstico de hiperandrogenismo pode ser feito somente com avaliação clínica da paciente. Os principais achados que falam a favor de hiperandrogenismo são:
1) Acne;
2) Hirsutismo:
3) Padrão masculino de queda de cabelo;
O hiperandrogenismo também pode ser avaliado através de exames laboratoriais:
– Elevação sérica de androgênios, sendo que normalmente é avaliada a TESTOSTERONA TOTAL (se ela estiver acima dos valores de referência para o método utilizado, temos o hiperandrogenismo laboratorial);
O HIRSUTISMO é definido como o excesso de pelos terminais (grossos e pigmentados) com padrão de distribuição masculino, sendo que as principais regiões em que ele é notado são:
1) Acima do lábio superior;
2) Queixo;
3) Região periareolar;
4) Região medioesternal ao longo da linha alba do andar superior do abdome;
O Score de Ferriman-Gallwey é muito utilizado para avaliar o grau de hirsutismo clinicamente e é muito importante sempre levar em conta os padrões étnicos envolvidos.
Se o médico suspeitar que o hiperandrogenismo possa ser causado por um tumor ovariano ou suprarrenal secretor de androgênio (são casos em que o hirsutismo se instala em idade avançada, com progressão rápida e sinais de virilização, como mudança de voz e clitoromegalia), ele deve pedir a dosagem do SULFATO DE DEHIDROEPIANDROSTERONA (SDHEA) e TESTOSTERONA TOTAL, para buscar a fonte do hiperandrogenismo.
Fique atento! Os métodos disponíveis comercialmente para dosagem de testosterona livre não são confiáveis, pois nisso recomenda-se o cálculo a partir da dosagem de GLOBULINA CARREADORA DE HORMÔNIOS SEXUAIS (SHBG) e TESTOSTERONA TOTAL.
A dosagem de 17OH progesterona deve ser solicitada na fase folicular precoce para descartar a possibilidade de HAC, forma não clássica, pois esta condição é bastante similar a SOP e pode haver associação entre as duas patologias.
Não se deve solicitar a dosagem de androgênios em paciente em uso de contraceptivo hormonal oral (CHO) pois eles suprimem as gonadotrofinas e os androgênios (principalmente a testosterona).
COMO DEVEMOS AVALIAR A OLIGO/ANOVULAÇÃO?
O diagnóstico de anovulação na Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP) é puramente clínico.
Nas pacientes com SOP, o padrão menstrual mais comum é a oligomenorreia (menos de 9 períodos menstruais por ano). A amenorreia (ausência de menstruação por 6 meses consecutivos ou mais) é menos frequente.
Usualmente, o quadro de oligomenorreia aparece ainda na adolescência, sendo que as pacientes que desenvolvem esta condição em idade mais tardia (após 30 anos, por exemplo) têm menor probabilidade de ter SOP.
E QUANTO À ULTRASSONOGRAFIA TRANSVAGINAL?
A ultrassonografia transvaginal deve ser solicitada quando a paciente apresentar somente um dos critérios clínicos de Rotterdam (oligo/anovulação ou hiperandrogenismo) para avaliar se os ovários são policísticos ou tem volume aumentado.
Vale lembrar que o ovário é considerado com morfologia policística se:
1) Apresentar 12 ou mais folículos com 2-9 mm de diâmetro;
2) Apresentar ovário com volume aumentado (maior ou igual a 10cm3).
É NECESSÁRIO FAZER ALGUM TIPO DE AVALIAÇÃO COMPLEMENTAR?
Diante da confirmação do diagnóstico de SOP, deve-se proceder com a realização de uma avaliação complementar, que deve incluir:
1) Avaliação do risco cardiovascular:
– Pressão arterial;
– IMC;
– Perfil lipídico;
– Glicemia e Hemoglobina glicada ou teste de tolerância oral à glicose;
2) Avaliação de possíveis distúrbios alimentares;
3) Pesquisa de esteatose hepática não-alcóolica;
4) Pesquisa de apneia obstrutiva do sono (percepção de ronco, sonolência diurna excessiva ou cefaleia).
E QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS DA SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICO (SOP)?
1) IRREGULARIDADE MENSTRUAL
Já falamos várias vezes, mas vamos repetir: “SE TIVER IRREGULARIDADE MENSTRUAL, TEM QUE DESCARTAR GRAVIDEZ, MESMO SE A PACIENTE AFIRMAR SER IMPOSSÍVEL ESTAR GRÁVIDA!!!”.
E como descartamos a gestação? Solicitando o Beta-HCG…
Para descartar outras causas de irregularidade menstrual, como insuficiência ovariana ou hiperprolactinemia, podemos pedir a dosagem de TSH, Prolactina e FSH, por exemplo.
2) HIRSUTISMO
Quanto ao hirsutismo, outras patologias que podem culminar com este quadro são os tumores ovarianos ou suprarrenais produtores de androgênio.
3) HIPERPLASIA ADRENAL CONGÊNITA (HAC)
A apresentação clínica da HAC é muito semelhante à da SOP.
Para estabelecer o DD entre elas, pode-se solicitar a dosagem dos níveis séricos de 17-hidroxiprogesterona e SDHEA.
Na HAC, a 17-OH progesterona está acima de 200ng/dL e o SDHEA está normal…
4) SÍNDROME DE CUSHING
Uma mulher portadora de síndrome de Cushing pode apresentar um quadro muito parecido com a SOP (Oligomenorreia, hirsutismo e obesidade).
Porém, a paciente com Cushing apresenta outros sinais e sintomas que falam a favor de hipercortisolismo, como:
– Obesidade centrípeta;
– Hipertensão;
– Estrias róseas;
– Giba;
– Aumento do depósito de gordura supraclavicular;
– Fraqueza muscular proximal.
E QUANTO AO TRATAMENTO DA SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS (SOP)?
Lembre-se bem de uma coisa: o tratamento da SOP é individualizado para cada paciente pelo fato de a SOP apresentar uma variedade de fenótipos.
Se a mulher com SOP apresenta obesidade, ela tem mais risco de ter síndrome metabólica e, por isso, o tratamento deve incluir formas de combater essa obesidade e adiposidade abdominal.
No caso de a paciente apresentar hirsutismo e acne, é importante recomendar modificações no estilo de vida, medicamentos antiandrogênicos, assim como medidas cosméticas locais.
Uma paciente com SOP que não deseja engravidar se beneficia com o uso de anticoncepcionais hormonais, ao passo que aquelas que têm SOP e desejam engravidar mas apresentam infertilidade se beneficiam com o uso de drogas indutoras da ovulação.
1) MODIFICAÇÕES NO ESTILO DE VIDA
Dieta e exercícios físicos são o pilar do tratamento da SOP, especialmente em mulheres que apresentam obesidade central.
A SOP causa um ciclo vicioso no metabolismo da mulher:
– Excesso de androgênio favorece o depósito de gordura abdominal –>
– Gordura abdominal leva ao aumento da resistência periférica a insulina –>
– Maior resistência causa hiperinsulinemia –>
– Hiperinsulinemia exerce um efeito sinérgico aos androgênios ovarianos, além de aumentar sua secreção…
A perda de peso interrompe este ciclo e diminui o risco de comorbidades metabólicas associadas à SOP. Parar de fumar também é crucial para as pacientes com SOP.
2) CIRURGIA BARIÁTRICA
A cirurgia bariátrica vai ser recomendada para pacientes com SOP e obesidade grau 3 (IMC maior ou igual a 40kg/m2), trazendo resolução dos sinais e sintomas da SOP.
3) SENSIBILIZADORES DA AÇÃO DA INSULINA E OUTRAS DROGAS ANTIDIABÉTICAS
A METFORMINA (uma biguanida, que diminui a resistência periférica à insulina) é a droga de escolha como terapia adjuvante às modificações de estilo de vida na paciente com SOP e resistência periférica à insulina.
A metformina tem como benefícios:
1) Diminuição dos riscos cardiovasculares;
2) Melhora das alterações reprodutivas;
3) Efeito discreto nos sinais cutâneos de hiperandrogenismo;
O esquema de tratamento com metformina para SOP é o seguinte:
– No início são 500mg diários;
– A cada 15 dias, se aumenta a dose gradativamente, até atingir a dose máxima, que é de 2550mg/dia;
No caso da metformina XR (de liberação lenta), pode não ser necessário fazer a titulação da dose ou ela pode ser feita com maior rapidez.
Se não responder com metformina, pode-se usar Tiazolidinedionas (como a pioglitazone)…
4) CONTRACEPTIVOS HORMONAIS ORAIS (CHO)
Suprimem a produção de androgênios pelos ovários, mediada pelos níveis elevados de LH. Também aumentam as concentrações séricas de SBHG, reduzindo as concentrações de testosterona livre.
Deve-se evitar os CHO’s com altas doses de estrogênio e aqueles cujo progestágeno é derivado da 19-nortestosterona, pois eles possuem mais efeitos colaterais e mais risco cardiovascular, principalmente em pacientes obesas.
Sempre preferir a menor dose de estrogênio que seja eficaz para a paciente, devido ao risco de fenômenos tromboembólicos.
5) PROGESTERONA
Quando administradas de forma cíclica, são muito boas para controlar a irregularidade menstrual.
Os principais métodos de uso da progesterona são:
– Progesterona micronizada 100 a 200 mg/dia por 10 a 14 dias do mês;
– Acetato de medroxiprogesterona 10 mg/dia por 10 a 14 dias do mês;
Se a paciente apresenta oligomenorreia severa, o tratamento se faz ainda mais necessário, pois a exposição prolongada do endométrio ao estrogênio sem oposição da progesterona traz riscos, como a hiperplasia e câncer de endométrio.
6) ANTIANDROGÊNICOS
São usados quando a resposta do hiperandrogenismo ao CHO não é boa ou quando a paciente não deseja ou tem contraindicação ao uso de contraceptivos.
Melhoram tanto a aparência física, quanto as condições psicológicas e qualidade de vida da paciente.
Os antiandrogênicos mais utilizados são:
– Ciproterona;
– Finasterida (não é um antiandrogênico, mas inibe a 5 alfa redutase, inibindo a conversão periférica de testosterona);
– Drospirenona;
– Espirolactona;
É importante lembrar que os tratamentos que combinam mais de uma droga (metformina e CHO ou CHO e antiandrogênico) conferem melhores resultados.
7) INDUTORES DA OVULAÇÃO
Usados para aumentar os níveis de FSH e estimular a foliculogênese. Pode-se usar drogas antiestrogênicas ou inibidores da aromatase para aumentar o FSH endógeno ou administrar FSH exógeno em injeções diárias:
– Citrato de clomifeno 50-200 mg/dia (1 a 4 cp por dia) do terceiro ao sétimo dia do ciclo, por até 6 meses;
– Letrozol 2,5-5 mg/dia do terceiro ao sétimo dia do ciclo;
-Gonadotrofinas injetáveis, a partir de 50 U/dia;