Com certeza você já ouviu falar em prolapso da valva mitral, mas não sabe muito bem se isso é grave, como é o acompanhamento, se devemos nos preocupar e quais são as possíveis consequências desse diagnóstico, não é mesmo?
Bom, desde 1966, o termo prolapso da valva mitral existe, quando Criley apresentou seus achados ao associar dados cineangiocardiográficos a sinais clínicos e auscultatórios.
Vamos conversar e aprender um pouco mais sobre isso?
GUILHERME, O QUE É O PROLAPSO DA VALVA MITRAL DE FATO?
O prolapso é assim definido quando ocorre o abaulamento de uma parte ou totalidade de uma ou ambas as cúspides presentes na valva mitral durante a sístole. Isso pode ser consequência de algum acometimento estrutural ou funcional, além de alterações ventriculares ou atriais que alterem a anatomia adjacente.
Exemplos de alterações estruturais, chamado de prolapso primário, são aqueles em que a própria valva já possui algum “defeito”: degeneração mixomatosa.
Já as alterações funcionais, conhecidas como prolapso secundário, são aquelas que ocorrem na ausência de degeneração mixomatosa ou de espessamento valvar. Isso pode ocorrer em qualquer situação que altere a estrutura / geometria do ventrículo esquerdo (ex.: comunicação interatrial, insuficiência aórtica); cúspides maiores que a cavidade do ventrículo esquerdo; coronariopatias com disfunção dos músculos papilares.
Por fim, esse abaulamento das cúspides pode gerar uma passagem da retrógrada do sangue na sístole, tendo como sentido do sangue do ventrículo para o átrio, ocorrendo como se fosse uma insuficiência mitral.
OK! E ISSO É MUITO COMUM?
A prevalência do prolapso mitral é de aproximadamente 2% da população. No Brasil, é a segunda causa mais comum de insuficiência mitral, estando atrás apenas da lesão reumática.
QUAIS SÃO OS POSSÍVEIS SINAIS / SINTOMAS?
Geralmente a maioria dos pacientes portadores de prolapso de valva mitral é assintomática, porém sintomas como dor torácica inespecífica, dispneia, astenia ou palpitações podem estar associados.
E O EXAME FÍSICO?
A ectoscopia de alguns pacientes pode demonstrar deformidades da caixa torácica, como pectus escavatum (algumas situações como defeito do septo atrial, síndrome de Turner, persistência do ducto arterial, síndrome de Marfan, cardiomiopatia, síndrome de Wolff-Parkinson-White e pseudoxantoma elástico são situações que podem apresentar o prolapso).
– Ausculta cardíaca: mais clássico seria um clique mesossistólico. Pode haver sopros sistólicos tardios.
TODOS OS PORTADORES DE PROLAPSO DE VALVA MITRAL (PVM) SÃO POSSUIDORES DA SÍNDROME DO PROLAPSO DE VALVA MITRAL?
Não! Em 1966, Barlow descreveu uma síndrome caracterizada por sopro telessistólico e click mesotelessistólico acompanhados de alterações eletrocardiográficas (inversão de onda T nas derivações DII, DIII e aVF).
A síndrome possui sintomas que parecem resultar de distúrbios neuroendócrinos ou autonômicos em pacientes que apresentam alterações na dinâmica da valva mitral.
COMO É REALIZADO O DIAGNÓSTICO DO PVM?
O diagnóstico é primariamente clínico, porém definitivamente confirmado por critério ecocardiográfico.
– E quais são os critérios ecocardiográficos?
Esse é um tema específico, mas basicamente consiste em prolapso de um ou ambas as cúspides de pelo menos 2,0 mm além do plano valvar no eixo longo, com ou sem espessamento. O espessamento valvar com 5 mm ou mais reforça a possibilidade do diagnóstico.
Para aqueles que gostam de algo mais específico:
. Deslocamento sistólico posterior, de toda ou de parte, de uma ou ambas as cúspides da valva mitral, em direção ao átrio esquerdo, ao corte longitudinal paraesternal;
. Deslocamento mesotelessistólico acentuado da valva mitral ao Modo-M;
. Deslocamento sistólico posterior, de toda ou de parte, de uma ou ambas as cúspides da valva mitral, em direção ao átrio esquerdo, em qualquer corte longitudinal (mesmo os apicais), desde que em presença de sinais de degeneração do tipo mixomatosa;
. Deslocamento sistólico posterior, de toda ou de parte, de uma ou ambas as cúspides da valva mitral, em direção ao átrio esquerdo, ao corte longitudinal apical 4 câmaras, desde que a borda de coaptação das cúspides esteja também deslocada no mesmo sentido e localizada, pelo menos, ao nível do plano anular.
Agora complicou, não é mesmo? Sem problemas! Esses detalhes foram apenas para aqueles que gostam de algo mais detalhado ou que já tenham um conhecimento um pouco mais avançado sobre o assunto.
QUEM POSSUI PROLAPSO DE VALVA MITRAL TEM INDICAÇÃO DE REALIZAR ANTIBIOTICOPROFILAXIA PARA ENDOCARDITE INFECCIOSA COM PROCEDIMENTOS DENTÁRIOS, POR EXEMPLO?
Há um tempo atrás todo portador de prolapso de valva mitral possuía indicação de antibioticoprofilaxia para endocardite infecciosa quando submetidos a um procedimento odontológico. No entanto, as recomendações mais atuais (inclusive a da American Heart Association) retiram esse grupo dos que teriam tal indicação.
Então, atualmente não há mais indicação para isso nesse grupo em específico!
QUAL A HISTÓRIA NATURAL DO PROLAPSO DE VALVA MITRAL?
Na maioria desses pacientes, o prognóstico é bom e a evolução benigna, tendo sobrevida semelhante aos indivíduos não possuidores de tal diagnóstico. Por outro lado, uma minoria pode desenvolver algumas complicações, como endocardite infecciosa, regurgitação mitral importante, arritmias e até mesmo morte súbita (embora raríssimo). O risco é maior em homens acima de 45 anos, com história familiar positiva para PVM, com sopro holossistólico e com aumento das câmaras cardíacas esquerdas.
Há preditores ecocardiográficos de complicações também: regurgitação mitral importante, espessamento e redundância das cúspides.
Pacientes com esse diagnóstico possuem maior risco para o desenvolvimento de endocardite infecciosa (5 a 8 vezes mais do que os sem PVM).
ACOMPANHAMENTO:
Como vimos, na maioria das vezes o prolapso de valva mitral é uma situação benigna com ótimo prognóstico. Porém, também vimos que em uma minoria algumas complicações podem ocorrer. Com isso, nos pacientes que já possuem tal diagnóstico, faz-se importante uma avaliação rotineira com médico cardiologista, com uma frequência a ser definida de acordo com os sintomas e gravidade de cada caso, a fim de acompanhamento de sintomas, ausculta buscando sopros, e até mesmo realização de um ecocardiograma transtorácico.
E COMO SE DÁ O TRATAMENTO?
Os pacientes assintomáticos não necessitam de tratamento algum específico, apenas o acompanhamento mencionado anteriormente.
O tratamento é guiado com base na gravidade dos sopros e possíveis sintomas. Quando a regurgitação for leve, no máximo moderada, o ecocardiograma deve ser realizado anualmente, enquanto os com regurgitação grave, esse deve ser realizado de 6 a 12 meses.
Após essas avaliações é que podemos definir se haverá necessidade de tratamento cirúrgico ou não.
ESPERO QUE COM O ARTIGO TENHAMOS ESCLARECIDO UM POUCO SOBRE AS DÚVIDAS QUE CIRCUNDAM O PROLAPSO MITRAL.