Vocês já pararam para pensar de onde pode ter surgido a ideia de realizar compressões no peito de alguém para tentar manter a circulação em vigência após uma parada cardiopulmonar? E a famosa ventilação boca a boca? Essas eram táticas para realizar a Reanimação Cardiopulmonar!
É curioso como algumas dessas técnicas que fazem parte do nosso cotidiano médico simplesmente parecem ter “nascido” assim, sem nunca ter sido diferente. No entanto, a maioria das ferramentas, instrumentos e aparelhos que utilizamos hoje possuem uma longa história até chegar no ponto que os conhecemos.
Vamos tentar saber um pouco sobre a história da reanimação cardiopulmonar, em mais um artigo da série “História da Medicina”?
UMA PEQUENA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ACERCA DA REANIMAÇÃO CARDIOPULMONAR:
Durante muitos e muitos anos, a humanidade viu a morte como um evento completamente irreversível e todas as tentativas de modificá-lo através de uma “ressuscitação” como blasfêmia, um absurdo.
Isso foi engatinhar uma pequena mudança apenas depois de meados do século XVIII, quando se começou a acreditar na possibilidade de manobras efetivas para possível ressuscitação.
– Menções bíblicas: os primeiros relatos da ressuscitação cardiopulmonar datam dos tempos bíblicos. Por exemplo, sobre o momento da criação de Adão, a passagem cita que Deus o fez tendo “soprado em sua boca dando-lhe a vida”.
Em 476 a.C., durante o Império Romano, alguns métodos de tentativa de ressuscitação ocorriam sobre fornecimento de calor ao corpo através de objetos quentes sobre o abdome (método iniciado como fumigação), até chicoteadas com urtiga (planta que possui folhas irritativas contendo ácido fórmico).
A Bíblia também menciona o profeta Eliseu colocando a sua boca sobre o filho de uma mulher Sunamita e ressuscitando-o (II reis 4:34).
A passagem é descrita da seguinte forma: “…subiu à cama, deitou-se sobre o menino e, pondo a sua boca sobre a boca dele, os seus olhos sobre os olhos dele e suas mãos sobre as mãos dele, se estendeu sobre o menino; este espirrou sete vezes e abriu os olhos”.
LINHA DO TEMPO DA REANIMAÇÃO CARDIOPULMONAR:
– Fim do século XVIII até a metade do século XX: período caracterizado por um grande avanço científico com surgimento de vários métodos manuais de ventilação artificial.
No entanto, ainda houve espaço para a tentativa de métodos não muito convencionais. Por exemplo, a Sociedade Humanitária Holandesa, em 1767, publicou diretrizes sugerindo que os socorristas mantivessem as vítimas de afogamento aquecidas, fornecessem ventilação boca a boca e soprassem “fumaça de tabaco queimado no reto”.
Outros métodos, mais eficazes, consistiam em deitar a vítima com o rosto voltado para baixo sobre um barril e rolá-la para frente e para trás.
– 1812: nesse período aproximado, os europeus e chineses passaram a posicionar o corpo do paciente sobre cavalos em trote, acreditando que este movimento pudesse ativar os pulmões do indivíduo, retornando à respiração. Moritz Schiff, fisiologista alemão, descreveu que a compressão direta do coração de cães era capaz de gerar pulso carotídeo (isso é considerado pela maioria como os primórdios da ressuscitação moderna).
– Início do século XX: George Washington Crile descreve um exemplar relato de método experimental sobre a ressuscitação animal caracterizado pela combinação de compressões torácicas, ventilação artificial e infusão parenteral e epinefrina. Uma das partes da sua descrição destaca: “Pressão isolada sobre o tórax é capaz de produzir circulação artificial; isso não decorre de uma ação isolada sobre o coração e sim da sua ação sobre os vasos (artérias, veias e capilares) conjuntamente”.
– Anos 1950: estratégias de treinamento em reanimação cardiopulmonar (RCP) foram desenvolvidas.
Em 1956, o médico austríaco Peter Safar iniciou experimentos em humanos para determinar se a ressuscitação com ventilação a boca a boca forneceria oxigênio suficiente para manter o paciente vivo. Particularmente, o médico administrou curare a 31 voluntários para efetuar o bloqueio neuromuscular.
Ao monitorar os níveis de oxigênio no sangue e dióxido de carbono por várias horas enquanto inflava os pulmões com ar exalado, ele foi capaz de demonstrar que o ar exalado possuía oxigênio suficiente para validar a prática de reanimação com ventilação boca a boca.
Com essa descoberta, e com a pesquisa de outros médicos, como Jame Elam, Safar encorajou a fabricação norueguesa de um manequim (“Resusci Anne”) para treinamento de reanimação cardiopulmonar.
Em 1957, no livro ABC of Resuscitation, Safar também sugeriu uma abordagem combinada na qual um socorrista verificava as vias aéreas do paciente, e facilitava a ventilação, além de realizar compressões torácicas.
A era moderna é caracterizada a partir de Kouwenhoven e cols., em 1961, quando uma combinação de massagem cardíaca (compressão sobre o terço inferior do esterno, de forma adequada, fornecia uma circulação artificial suficiente para manter a vida em animais e seres humanos em parada cardíaca), desfibrilação, ventilações de resgate e drogas cardiotônicas.
A VANGUARDA NA LUTA CONTRA A MORTE SÚBITA, NA ERA MODERNA:
O primeiro esforço organizado na luta contra a morte súbita, reconhecido internacionalmente, ocorreu em agosto de 1767, com a criação da Sociedade para Recuperar vítimas de afogamento (existente até o dia de hoje) em Amsterdã, na Holanda.
As sociedades de resgate de afogados se espalharam rapidamente por território europeu, assim como nos EUA. O objetivo principal das mesmas era encontrar o caminho para reanimação com êxito e começaram a difundir informações sobre os cuidados na recuperação de vítimas de afogamento e asfixia.
Quatro anos depois da criação da Sociedade, 150 vítimas de afogamento já haviam sido salvas decorrente das seguintes orientações:
– Aquecer a vítima (até hoje);
– Remover roupas molhadas;
– Posicionar a cabeça de forma mais baixa que os pés a fim de “drenar água dos pulmões”;
– Estimular a vítima com técnicas tais como instilação de fumaça de tabaco via retal ou oral (ato realizado até 1890);
– Utilizar respiração boca a boca;
– Sangrias
Não havia um limite de tempo para se parar com as técnicas de reanimação e, na época, 6 horas era considerado um tempo razoável de esforço.
Com o avançar dos anos, diversos países e sociedades se empenharam para desenvolver novas técnicas ou otimizar as já existentes.
REANIMAÇÃO OU RESSUSCITAÇÃO?
Sem dúvidas está é uma grande discussão, sobre qual termo é mais adequado. O sentido primordial de “ressuscitar”, originando-se do latim, é de restabelecer o movimento, ou seja, a vida. Por sua vez, “reanimação” compõe-se do prefixo re + anima + sufixo -ção. “Anima”, em latim, pode significar tanto sopro, respiração, quanto vida e alma.
A maioria dos autores do tema acabam utilizando mais “ressuscitação” do que “reanimação”.
UM POUCO SOBRE A DESFIBRILAÇÃO CARDÍACA? QUANDO COMEÇOU A SER UTILIZADA?
A primeira desfibrilação com êxito, em animais, foi relatada em 1933, por Kouwenhoven. Entretanto, a técnica não foi mais referida até o ano de 1947, quando Beck e col. Descreveram a aplicação de uma corrente elétrica diretamente no coração humano, com êxito.
Em 1954, Paul M. Zoll relatou o uso e corrente elétrica alternada indiretamente através do tórax de um paciente, com sucesso (isso acendeu a luz para a o uso de marcapassos transcutâneos).
Em 1962, Bernard Lown prova que o uso de corrente elétrica contínua era superior nas desfibrilações e iniciou os princípios da cardioversão elétrica no tratamento de algumas arritmias (isso rendeu, posteriormente, um Prêmio Nobel da Paz a Bernard).
UM PEQUENO RESUMO TEMPORAL NA HISTÓRIA DA RESSUSCITAÇÃO CARDIOPULMONAR MODERNA:
– 1732: William Tossach usou a técnica boca a boca para ressuscitar um minerador de carvão;
– 1754:O primeiro tubo endotraqueal foi projetado sob o nome da “tubulação ou cano de ar”;
-1773: Scheele isolou o oxigênio;
-1838: O primeiro ventilador mecânico;
– 1850: Ludwig e Hoffa induzem fibrilação ventricular experimentalmente, liberando corrente elétrica alternada diretamente no ventrículo de um cão (desfibrilação);
– 1874: Moritz Schiff introduziu “massagem cardíaca com o tórax fechado”;
– 1877: Howard propõe que a queda da base da língua obstrui a passagem do ar em vítimas de afogamento e que, portanto, devia ser deslocada para melhorar esta obstrução;
– 1891: primeira documentação de compressão torácica em humanos;
– 1895: Kirstein introduziu o laringoscópio;
– 1899: corrente contínua é comprovadamente capaz de reverter fibrilação ventricular;
– 1940: confirmada a eficácia da desfibrilação e da massagem cardíaca com tórax aberto;
– 1947: um garoto de 14 anos é desfibrilado, com sucesso, por Claude Beck, após uma fibrilação ventricular durante procedimento cirúrgico;
– 1955: primeiro caso de sucesso descrito de desfibrilação com tórax fechado;
– 1956: o uso de ventilação boca a boca é proposto na reanimação cardiopulmonar por Peter Safar e James Elam;
– 1957: militares americanos adotam a técnica anterior no socorro de vítimas inconscientes;
– 1960: Kouwenhoven, Jude e Knickerbocker observaram que a compressão fechada da região anterior do tórax de um paciente era capaz de produzir pulso arterial;
– 1966: desenvolvimento das primeiras diretrizes de Ressuscitação;
– 1979: primeiro desfibrilador externo portátil é desenvolvido;
– 1980: é descrito o desfibrilador automático implantável por Mirowski;
– Dias atuais…
BOM, PESSOAL, ESTE FOI MAIS UM ARTIGO DA SÉRIE HISTÓRIA DA MEDICINA! A IDEIA NÃO ERA ESGOTAR O TEMA, MAS DEMONSTRAR O QUE ALGO TÃO “BANAL” NA MEDICINA ATUAL TEVE QUE PASSAR POR DIVERSAS TRANSFORMAÇÃO ATÉ CHEGAR NO QUE TEMOS HOJE!