A luta das mulheres por direitos é diária, e pelo acesso à saúde é diferente. Em um panorama que antecedia a década de 80, o conceito de saúde da mulher era limitado à função materno-reprodutiva, sendo o autocuidado uma ideia distante.
Já em 1983, o Ministério da Saúde criou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), no qual prevalece uma análise da complexidade das questões de saúde das mulheres.
O PAISM, pela primeira vez, implementou a ideia de serviços públicos de contracepção, planejamento familiar, no qual a mulher começou a ser vista como sujeito ativo no cuidado da saúde, levando em consideração todas as etapas da sua vida.
A ampliação do conceito de saúde, refletida, em parte, nestas mudanças, só foi possível pois houveram reivindicações de movimentos feministas que vêm participando e ganhando força no que tange a promoção da saúde da mulher nos mais variados níveis.
Posteriormente, nas Conferências Nacionais de Saúde e Direitos da Mulher, tanto no ano de 1986, como em 1989, os temas de saúde mental, sexualidade, aborto, puberdade, longevidade, trabalho, saúde e cidadania foram destacados como áreas essenciais que exigem muita atenção e investimentos imediatos.
As mulheres correspondem a mais de metade da população brasileira e são as principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa participação na saúde se faz por meio de atendimentos para si próprias, acompanhando crianças ou outros familiares.
A saúde da mulher envolve doenças ou condições que são exclusivas a elas, sendo expandida para além da ênfase conservadora em dividir a promoção da saúde feminina apenas quanto aos órgãos reprodutivos e suas funcionalidades.
De uma maneira geral, reflete as necessidades de promoção e prevenção da saúde desse grupo, levando em consideração a natureza holística do corpo feminino.
A saúde e a doença estão intimamente relacionadas, e esse binômio sofre ação de fatores sociais, econômicos, culturais e históricos.
Dia 30 de outubro ficou conhecido como o Dia do Ginecologista, profissional de grande relevância, responsável pelo cuidado e atenção integral à mulher durante todas as suas fases da vida – pré-natal, parto, puerpério, climatério, planejamento familiar, necessidades ginecológicas – como preventivo, tratamento de Infecções Sexualmente transmissíveis, exame das mamas – além de outras demandas desse grupo.
Para se tornar Ginecologista são necessários três anos de residência na área de Ginecologia e Obstetrícia e, após concluídos, é realizado um exame de aprovação aplicado pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) para ter o título de Ginecologista e Obstetra e começar a atuar na área.
Lembrando que o médico pode optar por seguir somente a carreira de ginecologista, atuar apenas como obstetra, ou optar por exercer ambas.
A ginecologia é uma especialidade clínica-cirúrgica, que possui diversas opções de atuação. Existem as possibilidades de atuar em consultórios particulares, em hospitais – seja em ambulatórios e enfermarias ou no centro cirúrgico -, trabalhar com regime de plantões ou até mesmo na área de pesquisa.
Dentro da Ginecologia, os profissionais ainda podem atuar em dor pélvica, climatério, endocrinologia ginecológica, ginecologia geral, ginecologia infantopuberal, videohisteroscopia e videolaparoscopia ginecológica, infecção genital, mastologia, medicina fetal, oncologia clínica e cirúrgica, patologia do trato genital inferior, planejamento familiar, reprodução humana e uroginecologia e cirurgia vaginal.
Existem alguns assuntos que merecem destaque por estarem presentes de forma frequente do cotidiano do Ginecologista, são eles:
Anticoncepcional hormonal combinado
A anticoncepção ofereceu à humanidade um avanço imensurável na qualidade de vida das mulheres, que hoje conseguem planejar quando e se desejam engravidar. Ao contrário da visão mais antiga e patriarcal, hoje, a maternidade é vista como um direito e não um dever.
O anticoncepcional hormonal combinado (AHC) marca o início de uma nova fase de anticoncepção, sendo um resultado da combinação de dois hormônios: estrogênio e, principalmente, a progesterona, com seu efeito anovulatório através da inibição do eixo hipotálamo-hipófise-ovariano.
É possível classificar os AHCs de acordo com as seguintes formas de administração: injetável – composto de 5 mg de valerato de estradiol e 50 mg de enantato de noretisterona, e o outro, de 5 mg de cipionato de estradiol e 25 mg de acetato de medroxiprogesterona -, vaginal – anel leve, flexível e feito de silicone, que libera etonogestrel e etinilestradiol -, transdérmica – o patch é composto por etinilestradiol e norelgestromina e aplicado uma vez por semana, seguido de uma semana livre de hormônios – , e oral.
De uma forma geral, os AHCs agem inibindo a secreção de gonadotrofinas, sendo que a progesterona é vista como responsável pelos efeitos contraceptivos. Ela é capaz de inibir o pico pré-ovulatório do hormônio luteinizante (LH), evitando, assim, a ovulação.
Somado a isso, ela consegue atuar espessando o muco cervical, dificultando, dessa forma, a ascensão dos espermatozoides, além de exercer um efeito antiproliferativo no endométrio. Já o estrogênio, ele age inibindo o pico do hormônio folículo-estimulante (FSH), evitando a seleção e crescimento do folículo dominante.
Existem alguns efeitos adversos dos AHCs que podem estar relacionados com o componente estrogênico, progestagênico ou a ambos.
Dentre os mais destacados na literatura, temos: risco de trombose venosa profunda (TVP) – ocorrem alterações no sistema de coagulação ao aumentar a síntese de alguns fatores de coagulação, reduzir alguns anticoagulantes naturais e, especialmente, promover resistência à proteína C ativada –, metabolismo de carboidratos – redução da sensibilidade à insulina -, metabolismo lipídico – os AHCs podem aumentar o HDL e triglicérides (TG) -, efeito na pressão arterial – Os hormônios presentes na maioria do AHCs, combinados aumentam a síntese hepática de angiotensinogênio, elevan a pressão arterial sistêmica por meio do sistema renina-angiotensinaaldosterona.
Vale ressaltar que esse efeito é relevante quando a mulher já é hipertensa
Existem algumas situações em que esse tipo de medicamento é contra-indicado, como em pacientes com história de TVP ou embolia pulmonar pregressa, trombofilias, doenças valvares, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Acidente Vascular Cerebral e Infarto Agudo do Miocárdio atual ou antigo, enxaqueca, puerpério e câncer de mama.
Quanto à interação medicamentosa, a Organização Mundial da Saúde destaca os anticonvulsivantes como a fenitoína, a carbamazepina, os barbitúricos, a primidona, o topiramato, a oxcarbazepina e lamotrigina. Além disso, é citado a Rifampicina como medicamento que interage com os AHCs.
Ao contrário do que é propagado erroneamente, antifúngicos, antibióticos e antiparasitários não possuem interação medicamentosa com os AHCs.
Infecção pelo HPV
O papilomavírus humano (HPV) é considerado o agente da infecção viral sexualmente transmissível mais prevalente em todo o mundo. Ele é composto por uma cápsula na qual possui em seu interior um DNA de fita dupla.
O HPV está presente em todo o mundo, sendo que a maior incidência ocorre em jovens, especialmente em mulheres de 15 a 19 anos. Cerca de 90% dessas jovens eliminarão o vírus em um período médio de dois anos.
É interessante ver que a grande maioria não desenvolve qualquer lesão, mas que, infelizmente, em um pequeno percentual de mulheres, o vírus é persistente e há risco de associação com quadro mais graves e evolução para lesão neoplásica.
A infecção também ocorre por contato, não somente pela atividade sexual desprotegida. Além disso, ainda pode haver contaminação vertical, isto é, da mãe para o feto, podendo causar a papilomatose respiratória.
A infecção viral pode ocorrer em células da camada basal do epitélio escamoso, células subcilíndricas de reserva, células reparativas e nas células juncionais. As manifestações das lesões são variadas, podendo aparecer, ou não, lesões morfológicas diagnosticadas clinicamente ou por citologia ou biópsia.
A grande maioria das infecções será identificada por métodos de detecção do DNA viral, não havendo lesão morfologicamente detectável. Já algumas outras infecções podem causar lesões identificadas por métodos de magnificação – Colposcopia ou citologia -, não sendo detectadas a olho nu.
A conduta vai variar de acordo com o quadro que a mulher apresentar. Geralmente, quando ocorre a infecção latente em qualquer sítio, a conduta é expectante. Nos casos de lesão subclínica, a conduta pode ser expectante com seguimento até a involução da lesão.
Já em quadros persistentes, utiliza-se métodos destrutivos, imunomodulação ou exérese. Por último, em lesões clínicas, pode-se optar por imunomodulação, exérese ou destruição conforme o sítio e o número de lesões.
Vaginose bacteriana
A vaginose bacteriana ocorre por um desequilíbrio da flora vaginal, no qual ocorre uma substituição da flora microbiana saudável por uma mistura de bactérias anaeróbias e facultativas. As espécies microbianas que mais estão associadas são: Gardnerella, Atopobium, Prevotella, Megasphaera, Leptotrichia, Sneatia, Bifidobacterium, Dialister, Clostridium e Mycoplasmas.
Existem alguns fatores de risco associados com a vaginose bacteriana que incluem: raça negra, uso de duchas vaginais, tabagismo, menstruação, estresse crônico e comportamentos sexuais, como elevado número de parceiros masculinos, sexo vaginal desprotegido, sexo anal receptivo antes do sexo vaginal e sexo com parceiro não circuncisado.
O quadro clínico é caracterizado por corrimento que varia em sua intensidade, associado a um odor vaginal fétido – a paciente queixa-se de um ‘’ odor de peixe’’.
O tratamento da vaginose bacteriana é voltado para a eliminação dos sintomas e reestabelecimento do equilíbrio da flora vaginal fisiológica, com a eliminação dos anaeróvios.
Recomenda-se utilizar Metronidazol 500 mg por via oral duas vezes ao dia durante sete dias ou Metronidazol gel 0,75% – 5g (um aplicador) intravaginal ao deitar durante cinco dias. Uma opção alternativa é a Clindamicina creme 2% – 5g (um aplicador) intravaginal ao deitar durante sete dias.
O ginecologista trata um mundo de patologias, auxiliando na promoção e prevenção de diversas doenças que envolvem a saúde da mulher, sendo, portanto, um profissional imprescindível na sociedade. Parabéns a esses grandes profissionais!