Os hemangiomas hepáticos são os tumores benignos mais comuns do fígado. Estima-se que 72% das lesões focais encontradas no fígado sejam hemangiomas.
Em geral, são lesões únicas (apesar de ser possível se apresentar com mais de uma lesão) e relativamente pequenas (< 5,0 cm).
A maioria dos pacientes com hemangioma são assintomáticos e a doença possui um excelente prognóstico.
Por isso, a maior importância desse tema é saber diferenciar essas lesões de outros tipos de tumores hepáticos, que podem possuir um prognóstico muito pior.
EPIDEMIOLOGIA E PATOGÊNESE DO HEMANGIOMA:
Há uma estimativa de prevalência desse tipo de lesão entre 0,4-20%. Mesmo sendo passíveis de aparecer em qualquer faixa etária, a maioria é diagnosticada entre os 30-50 anos de idade.
As mulheres costumam ser mais afetadas que os homens (3:1).
A etiologia desse tumor ainda não é tão bem explicada. São considerados malformações vasculares de origem congênita.
Há também teorias sobre influência hormonal no crescimento dessas lesões, por relatos de crescimento durante a gestação, ou terapia hormonal (progesterona e estrogênio).
COMO SE DÁ A HISTÓRIA CLÍNICA DESSES PACIENTES?
Hemangiomas, geralmente, são descobertos incidentalmente, através de uma laparotomia realizada por outra causa, autópsia, ou após realização de um exame de imagem por outras condições não relacionadas diretamente.
Por outro lado, aquelas lesões que possuem mais de 4,0 cm são mais prováveis de causar algum tipo de sintoma.
O sintoma mais comum é a dor abdominal, localizada no quadrante superior direito, na topografia da loja hepática.
Outros sintomas menos comuns, como náusea, anorexia, saciedade precoce, podem se desenvolver como consequência de compressão de outras estruturas.
Dor abdominal súbita, algumas vezes com quadro de abdome agudo, pode ocorrer quando há trombose ou sangramento secundário ao tumor, em associação com inflamação da cápsula de Glisson.
A trombose aguda pode causar, além de dor, febre mais “arrastada” (2 a 3 semanas de história) e alteração de enzimas hepáticas.
SITUAÇÕES ESPECIAIS RELACIONADAS COM HEMANGIOMA HEPÁTICO:
– Hemangioma gigante: nas crianças, esta entidade é associada com insuficiência cardíaca e hipotireoidismo;
– Hemangioma cutâneo: também mais presente em crianças, pode ser um marcador de hemangioma hepático;
– Síndrome de Kasabach-Merritt: é uma coagulopatia consumptiva em crianças que também pode estar associada com hemangiomas gigantes. Esses pacientes possuem trombocitopenia importante, hipofibrinogenemia, e hemólise;
– Hemangiomatose hepática: situação rara em que há o desenvolvimento de diversos hemangiomas hepáticos em adultos.
ALGUM ACHADO ESPECÍFICO NO EXAME FÍSICO?
Normalmente, não há achados específicos ao exame físico do paciente portador de hemangioma hepático, porém, em alguns casos, o fígado pode ser palpável ou identificada uma massa nessa topografia.
DEVO ESPERAR ALTERAÇÕES LABORATORIAIS?
No quadro puro e simples de hemangioma hepático, não há alterações laboratoriais específicas. Em geral, será normal. No entanto, em caso de trombose, sangramento, compressão de árvore biliar podemos encontrar algumas enzimas alteradas.
A alfafetoproteína se encontra dentro da normalidade (ao contrário de outros tumores hepáticos, como carcinoma hepático).
COMO É REALIZADO O DIAGNÓSTICO?
Essa lesão possui algumas características específicas que podem sugerir seu diagnóstico à ultrassonografia (USG), tomografia computadorizada (TC), ou ressonância nuclear magnética (RNM).
A minoria das lesões possui apresentação atípica, necessitando de uma série de imagens para se chegar ao diagnóstico de certeza.
Sendo assim, abaixo podemos listar cada um desses exames:
– Ultrassonografia: geralmente, há a presença de uma lesão bem delimitada, homogênea, hiperecoica. Em pacientes com infiltração gordurosa (esteatose hepática), a lesão pode aparecer como imagem hipoecoica. Em 10-50% dos hemangiomas, ao Doppler, pode ser demonstrado algum fluxo sanguíneo.
Infelizmente, algumas lesões malignas podem apresentar características ultrassonográficas semelhantes aos hemangiomas, necessitando de outros exames de imagem para a confirmação diagnóstica.
Por outro lado, em 80% dos pacientes que possuem uma lesão menor que 6,0 cm, o diagnóstico já pode ser fortemente sugerido.
– Tomografia computadorizada: uma TC sem contraste demonstra uma massa hipodensa bem delimitada. Após administração de contraste, veremos um realce nodular periférico na fase precoce, seguido de um padrão centrípeto na fase tardia.
As lesões classicamente se opacificam depois de um atraso de aproximadamente 3 minutos e se mantêm isodensas ou hiperdensas nas imagens mais tardias.
Ausência de realce pode ocorrer em hemangiomas com áreas císticas muito grandes ou tecido cicatricial.
– Ressonância Nuclear Magnética: um método que surgiu com uma acurácia aumentada, sendo não invasivo, importante para o diagnóstico dos hemangiomas, com sensibilidade de aproximadamente 90% e uma especificidade de 91-99%.
A aparência típica do hemangioma nesse exame de imagem é uma massa homogênea, suave e bem demarcada, com baixa intensidade de sinal em T1 e hiperintensa em T2.
A administração de gadolínio resulta em realce de imagem nodular ou globular, descontinuada, na fase arterial, com um progressivo realce centrípeto ou preenchimento tardio.
Muitas vezes, o padrão de lesões pequenas, que demonstra um realce mais rápido e uniforme, pode confundir com imagens de metástases de carcinoma hepatocelular.
PRECISO SABER DE ALGO ESPECÍFICO NOS PACIENTES COM CIRROSE OU HISTÓRIA DE MALIGNIDADE?
Nos pacientes sem essa história, muitas vezes o diagnóstico de hemangioma hepático é realizado através da ultrassonografia.
Por outro lado, em pacientes com história prévia de neoplasia e cirrose hepática, como a gama de diagnósticos diferenciais para o achado de uma lesão hepática é maior, múltiplas modalidades de exames de imagem e dosagem sérica de alfafetoproteína podem ser necessárias para auxiliar na diferenciação.
E A BIÓPSIA PERCUTÂNEA? QUAL O PAPEL NO HEMANGIOMA?
O papel da biópsia percutânea na suspeita de um hemangioma hepático ainda é incerto e não recomendado, atualmente, pela maioria dos centros. Esse procedimento tem sido associado à hemorragia fatal.
Além disso, o procedimento possui um baixo rendimento diagnóstico para esse fim.
COMO É REALIZADO O MANEJO DESSES PACIENTES?
– Assintomáticos: principalmente aqueles com lesões pequenas (< 1,5 cm) são apenas observados. A maioria desses pacientes não evolui com crescimento da lesão, nem desenvolve complicações. Não costuma se recomendar o seguimento com exames de imagem de pacientes que apresentam hemangiomas < 5,0 cm. Por outro lado, lesões com mais de 5,0 cm devem ser acompanhadas, pois demonstraram poder de crescimento e possíveis complicações locais. A orientação é que se repita a imagem que melhor demonstrou a lesão previamente dentro de 6-12 meses. Caso não haja crescimento, não se deve manter o seguimento;
– Sintomáticos: aqueles que apresentam dor ou sinais/sintomas sugestivos de compressão de outras estruturas devem ser considerados para um possível procedimento cirúrgico de ressecção. Antes de tudo, todas as causas dos sintomas devem ser excluídas antes de se pensar a evoluir para procedimento cirúrgico.
As indicações cirúrgicas são raras atualmente, incluindo sangramento por ruptura da lesão, sintomas incapacitantes secundários a hemangiomas grandes, falência na exclusão de malignidade.
O QUE DEVO SABER SOBRE A CIRURGIA?
Quatro procedimentos são aprovados para o tratamento dos hemangiomas: ressecção hepática, enucleação, ligadura de artéria hepática, e transplante hepático.
A segunda foi associada com menor perda sanguínea e, consequentemente, menor necessidade de transfusão quando comparada com a ressecção.
Os principais relatos de transplante hepático devido a hemangiomas são nos casos de Síndrome de Kasabach-Merritt.
E O TRATAMENTO CONSERVADOR?
Consiste em embolização de artéria hepática, radioterapia e uso de interferon alfa 2ª. A primeira técnica tem sido utilizada para o controle de sangramentos, melhora de sintomas, e tentativa de diminuição da lesão antes de um procedimento cirúrgico.
No entanto, há relatos de desenvolvimento de abscesso hepático secundário e não há evidência robusta sobre os resultados de longo prazo.
Já a radioterapia é reservada para o tratamento de hemangiomas infantis associados com a Síndrome de Kasabach-Merritt.
Raramente, é considerada como primeira linha de tratamento, devido aos efeitos colaterais e risco de lesões malignas secundárias.
O interferon alfa 2a tem sido mais utilizados em lactentes com hemangiomas em locais extra hepáticos, que apresentem risco de vida.
Para as lesões hepáticas, seu uso ainda não foi bem estudado.
REALMENTE HÁ RELAÇÃO DE PIORA DO QUADRO COM GRAVIDEZ OU TERAPIA HORMONAL?
Os riscos associados ao uso de contraceptivos orais ou gravidez não são bem conhecidos.
Não há evidências científicas suficientes para vincular esses fatores com o surgimento ou crescimento do hemangioma hepático.
AGORA, VOCÊ NÃO PRECISA MAIS SE ASSUSTAR AO OUVIR O TERMO “HEMANGIOMA HEPÁTICO”.
Perfeito seu texto, artigo!
Muito obrigado, Lúcia! Continue acompanhando as nossas postagens!
Tive Covid em Abril, já havia feito u som de abdômen total e não teve esse achado ante, poderia ser uma sequela de Corona que tive?
Olá, tudo bem? Bem, hemangioma hepático não é uma complicação descrita da COVID-19. Então, esse achado não tem relação com a infecção por Coronavírus que você teve. Um grande abraço, Dr. Felipe Magalhães – diretor médico
Olá. Fiz a cirurgia para retirar um Hemangioma de 8cm do fígado. Gostaria de saber se há possibilidade desse jeito voltar. Fiz a ressecção hepática há um mês. Obrigada.
Olá! Se você fez a ressecção completa, ele não irá mais voltar. Porém, é possível sim que você venha a ter crescimento de outro hemangioma em algum momento da vida.
Quando o hemangioma aumenta de 1 para 2 cm, existe algum problema?
Ele deve ser acompanhado pelo seu médico, para saber se tem alguma complicação.
Guilherme grata pelo seu texto.
Em 13/03/20, basicamente 174 dias atrás, tive dor abdominal e em menos 20 horas depois estava na mesa de cirurgia numa emergência e retirei 2 segmentos do fígado. Tenho uma mancha de nascença no colo e após todos os exames foi constatado que foi de fato um hemangioma hepático. Nossa! Que susto… vida totalmente saudável e eu quase morri por conta da hemorragia. Pra morrer basta tá vivo mesmo, hehe. Essa é a minha história e o seu texto esclareceu muita coisa.
Realmente, a vida, às vezes, nos dá uns sustos… Que bom que terminou tudo bem para você.
Excelente explicação!
Que bom que gostou, Pimentel!