Quando nós saímos do ciclo básico e chegamos no ciclo clínico da faculdade de Medicina, tudo o que queremos é aprender a prescrever um antibiótico da maneira mais adequada. O problema é que, tratando-se de antibioticoterapia, são muitas classes de fármacos, muitas doenças infecciosas, várias situações diferentes que alteram a prescrição para uma mesma infecção! Assim, o estudo dos antimicrobianos se torna uma tormenta na vida de nós estudantes. Muitas vezes, começamos a acreditar que é impossível aprender a fazer uma prescrição e o tema antimicrobianos se torna um monstro de sete cabeças. Mas isso não pode acontecer, precisamos dominar o estudo desses fármacos… e aqui vão algumas dicas para que você aprenda e não se esqueça mais como se faz a escolha mais adequada de um antibiótico.
1 – Escolha bons livros e textos
Não tem outro jeito, a maneira de se ter a melhor informação é com os livros mais completos a respeito do tema! Apesar de muitas vezes os livros parecerem delongados e prolixos, são eles quem vão conter todas as informações necessárias sobre o que você precisa saber dentro do mundo da antibioticoterapia, da maneira mais didática. Os melhores livros de antibióticos são:
- Antibióticos e quimioterápicos para o clínico de Walter Tavares
Publicado em 2015, pela editora Atheneu, já em sua terceira edição, o livro do professor Walter Tavares, que trata a respeito das diferentes classes de antibióticos, é uma excelente fonte de informações a nível acadêmico para se ter em casa. Apesar de ser um livro com mais de 600 páginas, sua leitura é rápida e de linguagem leve. O livro, além de trazer as principais classes de antimicrobianos, trata das principais apresentações comerciais disponíveis de cada um dos fármacos, posologias e principais usos clínicos. Além disso, este é um livro brasileiro, o que irá te contextualizar quanto aos principais fármacos disponíveis no nosso mercado nacional. “Antibióticos e quimioterápicos para o clínico de Walter Tavares” ainda acompanha um livreto com 24 tabelas de consulta rápida, um pequeno guia de bolso para facilitar sua pesquisa dentro da universidade.
- Princípios e Prática das Doenças Infecciosas de Mandell, Douglas e Bennett
Esse precioso livro de infectologia e não especificamente de antibioticoterapia, que já está em sua oitava edição e conhecido pelo nome de seu primeiro autor, Mandell, também é uma excelente fonte de estudo dos fármacos antibióticos. Apesar de não ser uma fonte brasileira, o Mandell é considerado a “bíblia da infectologia” no mundo todo e, quando se trata de suas descrições sobre fármacos, o livro é impecável, trazendo, em alguns de seus capítulos, os principais fármacos utilizados em infectologia de maneira completa. Além de estudar os fármacos, o livro vai te permitir estudar as doenças infecciosas em uma fonte confiável. Mandell é um livro publicado em dois volumes muito grandes, que tem um preço bastante salgado, mas que, com certeza, deve estar disponível na biblioteca de sua universidade, por ser uma das principais referências no estudo da infectologia.
Muitas vezes você pode questionar “mas livros, em geral, não contêm o tema da forma mais atualizada o possível, artigos são melhores e têm informações mais recentes”. De fato, muitos artigos trazem as informações mais atualizadas a respeito de uma determinada terapêutica, bem como mostram os resultados de estudos com novas drogas. Mas o problema é que para quem está começando a estudar esse tema, os artigos muitas vezes têm uma leitura muito densa, aprofundada, e não trazem os aspectos básicos e didáticos necessários para esta fase do estudo, o que pode tornar seu entendimento ainda mais difícil. Por isso, como primeiro passo, eu indico que você se aproprie dos conhecimentos sobre os antibióticos (o fazendo com os livros) e, uma vez em posse desses, lapide seu conhecimento utilizando novos artigos.
2 – Oriente o seu estudo de diferentes formas
Antibioticoterapia é um tema que exige leituras seriadas e diversas, o que significa que você terá que ler várias vezes esse tema ao longo de sua vida acadêmica e médica. A maneira mais produtiva de potencializar seu estudo é organizando-o por diferentes perspectivas:
- A partir do antibiótico
Em um primeiro contato, você vai precisar conhecer quais são as classes de antibióticos, seus principais representantes e suas formas de apresentação/via de administração. Além disso, você deve entender os seus mecanismos de ação, propriedades farmacocinéticas, espectro de ação, efeitos adversos, aplicações clínicas e interações medicamentosas. Esse tipo de estudo é aquele que você vai encontrar como a forma clássica que os livros de farmacologia apresentam o tema. Portanto, basta sentar na cadeira, escolher um bom livro e ler os capítulos que mostram a classe dos fármacos. Essa abordagem te dará uma boa base para entender as prescrições para as infecções.
- A partir da doença
Agora que você já estudou a partir das classes e já as conhece bem, está na hora de fixar a matéria. Uma das opções seria reler e repetir a primeira dica, mas uma nova abordagem pode ser mais eficaz e interessante na hora de fixar o aprendizado da prescrição. Por isso, minha dica é: estude agora as doenças infecciosas, seus agentes infecciosos, as características desses agentes, quais os sítios de infecção, quais as manifestações clínicas, e, então, você vai encontrar a aplicabilidade de ter estudado, antes, as classes dos medicamentos. Por exemplo, quando você estudar infecções de pele e partes moles, e conhecer suas características, vai estudar que o tratamento para algumas dessas infecções inclui as cefalosporinas de primeira geração e, agora que você já conhece essa classe, você vai entender o porquê de sua eficácia no tratamento dessas doenças.
3 – Estude de forma objetiva
Infectologia e antibioticoterapia não serão as únicas disciplinas que você terá que estudar, por isso, focar seu estudo é de total importância para que você consiga tornar seu aprendizado mais produtivo. Com isso, seguem algumas dicas dos principais pontos que você deve conhecer a respeito de cada um dos antimicrobianos, uma forma de fazer uma leitura mais dinâmica:
- Mecanismo de ação:
Conhecer o mecanismo de ação das medicações é fundamental. Um exemplo simples dessa importância são as diferenças entre as bactérias que apresentam parede celular e aquelas que não apresentam, como é o caso do pneumococo e das Mycoplasmas, respectivamente. Drogas, como as penicilinas, são opções para o tratamento de infecções por pneumococo, por agirem na parede celular, enquanto que as Mycoplasmas são naturalmente resistentes as penicilinas, uma vez que essas não apresentam parede celular e, por isso, demandam outras drogas para seu tratamento, como aquelas que agem na síntese proteica (macrolídeos são um exemplo).
- Espectro de ação
Não há nada mais importante do que conhecer quais as bactérias ou grupo de bactérias que um determinado antibiótico pode tratar. Por isso, busque entender quais as drogas com ação sobre gram-positivos, gram-negativos, bactérias que não apresentam parede, bem como quais as drogas específicas para um determinado agente etiológico.
- Conhecer a distribuição das drogas:
Saber qual o sítio de ação em que uma droga age é fundamental para entender o tratamento das doenças infecciosas. Não adianta prescrever uma droga que cubra um determinado agente infeccioso se esta não penetra no sítio infectado. Um exemplo clássico é a baixa penetração das quinolonas no sistema nervoso central ou a boa concentração sérica da vancomicina e da daptomicina na corrente sanguínea, drogas utilizadas para o tratamento de bacteremias por gram-positivos resistentes.
4- Estude resistência bacteriana
A emergência de bactérias resistentes é real e de extrema importância na atualidade, por isso conhecer quais as bactérias resistentes, seus mecanismos de resistência e quais as opções terapêuticas é importante para que você se torne um expert em prescrição de antibacterianos. Para facilitar seu estudo, separei na lista que segue quais as principais bactérias/grupos bacterianos/mecanismos de resistência que você deve conhecer para implementar seu estudo:
- Enterobactérias produtoras de AmpC
- Enterobactérias produtoras de ESBL
- Enterobactérias produtoras de carbapenemases (KPC e NDM)
- Enterobactérias resistentes as Polimixinas (MCR1)
- Pseudomonas aeruginosa resistente aos carbapenemas
- Acinetobacter spp resistente aos carbapenemas
- Staphylococcus aureus multirresistente (MRSA, VRSA)
- Streptococcus pneumoniae resistente
- Enterococcus spp resistente a vancomicina
Com todas essas dicas, você vai se tornar um expert em prescrições de antimicrobianos e irá se tornar referencia entre seus colegas na hora da tomada de decisões terapêuticas!