Introdução
Independentemente da origem ou do tipo, o tratamento definitivo para todas as hérnias é o reparo cirúrgico, sendo o reparo das hérnias inguinais e femorais uma das operações mais comumente realizadas. Sendo assim, não é digno de espanto notarmos que mais de 20 milhões de hérnias inguinais ou femorais são reparadas a cada ano em todo o mundo.
Nesse contexto, deve- se atentar para o fato de que, em pacientes que desenvolvem complicações como encarceramento agudo ou estrangulamento, o reparo de uma hérnia inguinal ou femoral deve ser realizado com urgência. Por outro lado, no caso de pacientes sem uma complicação, o momento ideal de reparo (contrapondo- se as possibilidades de espera vigilante versus reparo precoce) e a técnica cirúrgica ideal (comparando- se a cirurgia aberta versus a laparoscópica) devem ser discutidos e definidos caso a caso.
Indicações para reparo cirúrgico
É extremamente interessante notarmos neste tópico como alguns conceitos e certas indicações são alterados ao longo do tempo. Isso porque, por um longo período de tempo, a mera presença de uma hérnia na virilha consistia em uma indicação suficiente para o reparo cirúrgico. No entanto, na prática contemporânea há a tendência de dar prosseguimento com a avaliação da necessidade de encaminhamento de pacientes para a cirurgia versus a possibilidade/ benefícios da espera vigilante, o que deve ser ponderado de acordo com a gravidade dos sintomas e do tipo de hérnia (inguinal ou femoral). Vamos discutir com mais detalhes algumas situações específicas.
1. Hérnia complicada
Os pacientes que desenvolvem estrangulamento ou obstrução intestinal devem ser submetidos à correção cirúrgica urgente. Vale ressaltar que na abordagem das hérnias estranguladas não se deve tentar reduzir o saco herniário, uma vez que com essa atitude o médico pode retornar com uma alça infartada e, em alguns casos, infectada para dentro da cavidade abdominal. Nesse sentido, é interessante que a cirurgia seja realizada dentro de quatro a seis horas a partir do início dos sintomas, a fim de que haja a prevenção da perda intestinal devido a uma dessas complicações.
No que se refere aos pacientes que se apresentam com hérnia inguinal agudamente encarcerada, mas sem sinais de estrangulamento (por exemplo, alterações da pele, peritonite), esses também possuem indicação de receber o reparo cirúrgico. Contudo, nesses casos a redução da hérnia pode ser tentada naqueles que desejam adiar a cirurgia. Dessa forma, caso a redução da hérnia seja bem-sucedida, o paciente deve continuar o acompanhamento com o seu cirurgião dentro de um a dois dias para excluir o encarceramento recorrente e providenciar o reparo eletivo. Por outro lado, em caso de falha na redução da hérnia, deve- se proceder com urgência à cirurgia. Nesse sentido, devemos ter a consciência de que, em vigência de uma hérnia encarcerada, a decisão tem que ser tomada com bastante cautela, sempre tendo em mente que esse tipo de hérnia pode evoluir para estrangulamento, havendo sofrimento vascular e a possibilidade de complicação com perfuração.
2. Hérnias não complicadas
As indicações para correção cirúrgica de hérnias não complicadas são menos rígidas do que as vigentes no caso de hérnias complicadas e dependem do tipo de hérnia envolvida (inguinal ou femoral), bem como da gravidade dos sintomas e da preferência do paciente. Nesses casos, a espera vigilante pode ser considerada uma alternativa à cirurgia, o que deve ser avaliado caso a caso. Em termos gerais, temos que pacientes com hérnias inguinais ou femorais não complicadas possuem como possibilidade o reparo cirúrgico com o objetivo de aliviar os sintomas e de prevenir futuras complicações.
3. Hérnia femoral
Quando falamos em hérnia femoral, temos que ter bastante atenção para o seguinte fato: hérnias femorais são as que possuem maior risco individual de estrangulamento (em um estudo, as taxas de estrangulamento foram 22 e 45 por cento em 3 e 21 meses, respectivamente, para hérnias femorais, em comparação com 2,8 e 4,5 por cento para hérnias inguinais). Sendo assim, é plausível indicar a todos os pacientes com hérnia femoral recém- diagnosticada a correção cirúrgica eletiva em detrimento de uma observação vigilante, independentemente do sexo e dos sintomas do paciente.
Bem, mas por que o reparo eletivo precoce é recomendado para pacientes com hérnia femoral recém-diagnosticada? Caso ocorra uma complicação, não poderia ser realizada uma cirurgia de urgência?
Sim, poderia. No entanto, é importante ressaltarmos que a cirurgia de urgência para hérnias complicadas não é uma boa opção, uma vez que tem maior chance de envolver a necessidade de ressecção intestinal, o que, por sua vez, está associado a uma maior taxa de mortalidade. Em um estudo, por exemplo, a ressecção intestinal foi necessária em 23 por cento de urgência em comparação com 0,6 por cento de reparos de hérnia femoral eletiva, e reparos de hérnia femoral urgente foram associados com um aumento de 10 vezes na mortalidade. Dessa maneira, a observação torna- se plausível em situações bastantes restritas, a critério médico. Por exemplo, pacientes que têm uma hérnia femoral de longa duração (> 3 meses) e assintomática poderiam seguir em observação apesar de, ainda assim, a cirurgia ser preferida.
4. Hérnia inguinal
Em termos gerais, o reparo cirúrgico é indicado para pacientes com sintomas moderados a graves de uma hérnia inguinal. Por outro lado, pacientes com sintomas mínimos ou inexistentes de uma hérnia inguinal podem ser tratados com cirurgia eletiva ou espera vigilante.
E o uso de cintas? Ele pode ser empregado?
Esse é um assunto muito controverso. De fato, a única terapia não- cirúrgica possível para hérnia na virilha em homens é o uso de cintas com um metal ou plástico rígido posicionado para ficar sobre o defeito de hérnia. Nesse contexto, quando aplicado apropriadamente, o disco rígido exerce pressão para manter o conteúdo de hérnia no abdômen. No entanto, o uso de cintas não é uma escolha frequente, nem deve ser encorajada, porque de fato não há evidências suficientes para provar sua eficácia. Além disso, o uso inadequado de uma cinta pode prejudicar o conteúdo abdominal em um saco herniário ou complicar o reparo cirúrgico subsequente.
5. Hérnia sintomática
Pacientes com sintomas significativos atribuíveis a uma hérnia inguinal devem ser submetidos à correção cirúrgica eletiva. E quais são os sintomas mais frequentemente relatados? No caso de indivíduos sintomáticos, são comuns as queixas de dor na virilha desencadeada pelo esforço (por exemplo, ao se levantar), incapacidade de realizar atividades diárias devido à dor ou desconforto da hérnia e incapacidade de reduzir manualmente a hérnia (ou seja, encarceramento crônico).
6. Hérnia assintomática
E naqueles pacientes sem sintomas ou com sintomas mínimos que pouco incomodam? Qual é a indicação?
Para esses pacientes, pode ser indicada a correção eletiva de hérnia ou a observação atenta daqueles que desejam evitar a cirurgia. Nesse sentido, caso seja optado pela observação, os pacientes não devem apresentar dor ou desconforto relacionados à hérnia, não devem apresentar limitação das atividades habituais, nem qualquer dificuldade recente de reduzir a hérnia.
A espera vigilante é segura?
Historicamente, as hérnias inguinais eram reparadas uma vez detectadas, sob a suposição de que as complicações das hérnias não reparadas eram comuns e poderiam aumentar a morbidade operatória. No entanto, três estudos randomizados compararam a espera vigilante com o reparo cirúrgico de hérnias inguinais e demonstraram que o retardo do reparo cirúrgico em pacientes assintomáticos era seguro, pois raramente ocorriam complicações agudas (1,8 operações de emergência / 1000 pacientes- ano). Por outro lado, para 38 por cento dos pacientes em três anos, e cerca de 70 por cento dos pacientes em 7 a 10 anos, o reparo cirúrgico foi necessário, eventualmente, porque os sintomas (geralmente dor) aumentaram gradualmente ao longo do tempo, o que pode ser bastante relevante, principalmente no que concerne aos pacientes jovens. Apesar disso, mesmo quando houve a necessidade de abordagem cirúrgica, os resultados cirúrgicos de reparos tardios não foram inferiores em comparação com a cirurgia imediata.
E a mudança de estilo de vida é importante? Devemos indicar atividades físicas?
Sim! Todos os pacientes com hérnias inguinais com espera vigilante devem ser aconselhados sobre fatores de risco modificáveis, incluindo cessação do tabagismo, controle de doenças crônicas (como por exemplo diabetes) e perda de peso. Em relação à realização de atividade física, os pacientes devem ser informados de que não há evidências de que o exercício regular possa causar um encarceramento ou o agravamento clínico de uma hérnia existente. Dessa maneira, não há argumentos convincentes para que determinem a interrupção ou restrição da realização de atividades físicas benéficas (por exemplo, de exercícios cardiovasculares ou aeróbicos) por preocupação de exacerbar a hérnia. De qualquer forma, é importante orientar aos pacientes que optam pela espera vigilante que procurarem uma avaliação cirúrgica imediata caso experimentem dor ou desconforto no início de atividade física, ou se a hérnia ficar gravemente encarcerada.
Contra- indicações ao reparo cirúrgico
A correção de hérnia inguinal ou femoral pode ser realizada com mínima morbidade e mortalidade em quase todos os pacientes, incluindo aqueles mais idosos e / ou portadores de comorbidades médicas. Em geral, observa- se que a maioria dos pacientes desfruta de uma recuperação rápida da saúde pré-cirúrgica logo após a cirurgia e, portanto, não há contra- indicação ao reparo urgente de hérnias complicadas.
E no caso das gestantes? Como devemos prosseguir caso elas apresentem uma hérnia na região da virilha?
A prevalência de hérnias na virilha durante a gravidez é baixa e estimada em 1: 2000. Nesse contexto, a correção eletiva de uma hérnia de virilha durante a gravidez é geralmente contra- indicada, sendo o manejo expectante durante o período periparto associado a poucas complicações graves relacionadas à hérnia. Em geral, recomenda- se que essas mulheres tenham o reparo eletivo de uma hérnia inguinal ou femoral postergado em pelo menos cerca de quatro semanas após o parto, para permitir que a parede abdominal frouxa retorne à sua linha de base.
No entanto, em alguns casos pode ser necessário prosseguir com o reparo urgente de hérnia durante a gravidez em caso de complicações. Em um estudo, tais complicações foram raras e apenas foram responsáveis por <5 por cento das obstruções intestinais observadas durante a gravidez.
E no caso de pacientes que não toleram anestesia geral?
No caso desses pacientes, as hérnias inguinais ou femorais podem ser reparadas sob anestesia local usando uma das técnicas abertas.
E se houver infecção ativa na virilha ou sepse sistêmica?
Essa é uma pergunta excelente e muito importante, por isso vamos finalizar o artigo com ela. Isso porque, em caso de infecção ativa local ou sistêmica, a colocação da tela é contraindicada. Sendo assim, as hérnias na virilha podem ser reparadas usando outras técnicas, que sejam necessariamente isentas da colocação de tela. Não esqueça disso!
Muito esclarecedor, mesmo para um leigo como eu, cujo pai foi acometido desse defeito, como colocou a autora, chegando, infelizmente à parte da pergunta que encerra o artigo… Ele teve o encarceramento/estrangulamento intestinal, aparentemente chegando a um quadro de sepse e sofrendo rebaixamento, vômitos, soluços intensos…
Graças a Deus, conseguimos interná-lo na UFU – Universidade Federal de Uberlândia, onde, enquanto escrevo este comentário, já deve ter sido submetido a uma intervenção cirúrgica, da qual deverá sair livre dos riscos que a hérnia estava oferecendo a vida dele…
Obrigado a autora pelas informações aqui prestadas.