Uma das coisas que o estudante de medicina mais escuta é “faça uma boa anamnese, isso vai ser a base do seu diagnóstico”. Verdade ou mito? COM CERTEZA é uma das grandes verdades, não ignore isso! Saber fazer uma boa anamnese resolverá muitos dos seus problemas, pois o paciente conta tudo – basta você, como profissional, saber ouvir e compreender cada palavra que ele diz.
A anamnese nada mais é do que um registro de dados, obtidos durante a entrevista médica, que te orientarão no exame físico e no diagnóstico. Ela é separada em etapas que visam a organizar, padronizar e tornar o seu registro de dados claro a outros profissionais da área que o lerem, pois, pense bem: você está em um plantão, ao chegar o paciente você faz a anamnese, mas quando seu plantão acabar outro médico irá assumir o caso e ele não vai colher a anamnese daquele paciente novamente. Ele lerá a anamnese que VOCÊ FEZ.
Além disso, a entrevista clínica é o primeiro passo na relação médico-paciente, sendo também um momento de estabelecimento de vínculo e intimidade.
Assim, você já tem alguns importantes motivos para aprender a fazer uma ÓTIMA anamnese, não é mesmo!?
E agora você já deve estar pensando: “por que ela não fala logo como fazer essa anamnese, já que é tão importante?” Pois é isso que vou fazer agora. Vamos nessa!
Partes da anamnese
Como havia dito, a anamnese é composta por algumas partes e segue uma sequência. Cada uma delas tem seu objetivo e hoje vamos falar disso. As seis partes são: identificação, QP (Queixa Principal), HDA (História da doença atual), HPP (História Patológica Pregressa), História Fisiológica, História Familiar e História Social.
Identificação
A identificação, como o próprio nome diz, é o momento inicial, em que você realmente identifica o paciente. Nessa parte, perguntamos nome, idade (data de nascimento), sexo, cor, naturalidade (onde nasceu), endereço (onde reside atualmente), estado civil (solteiro, casado/união estável, separado, viúvo), profissão, religião, escolaridade (ensino fundamental, médio, superior, etc; você pode perguntar “até que série/ano o sr(a). estudou?”).
Queixa principal (QP)
A Queixa Principal (QP) é aquele momento em que você pergunta “o que te trouxe aqui hoje?” ou “como posso te ajudar?”, ou da maneira como você quiser falar, desde que consiga extrair da conversa aquele MOTIVO PRINCIPAL da consulta, o motivo de o paciente estar buscando o atendimento. A queixa principal deve ser anotada da forma como o paciente falou, ou seja, você não usa termos técnicos, deve ser ESCRITA COM AS PALAVRAS DELE.
História da doença atual (HDA)
Chegou a hora de usar os termos técnicos que você aprendeu! Tendo encontrado a queixa principal, passamos para a História da Doença Atual (HDA). A HDA é “a parte mais importante da anamnese”, pois você descreve a doença do paciente. Fique atento a cada palavra que o paciente disser.
A HDA deve ser descrita cronologicamente, ou seja, você inicia a descrição da HDA informando quando iniciou a doença – pode ter sido há um mês e também pode ter sido há 5 anos. Ou seja, o paciente pode estar com tal doença há muito tempo e o motivo da consulta é para falar dela, ou é uma doença nova e ele veio buscar assistência médica para tratar esse problema.
Após indicar quando iniciou, descreva a doença em si – quanto mais caracterizada melhor. Isso quer dizer que você não pode simplesmente dizer que o paciente relata dor no flanco direito, ou dor precordial, ou que relata diarreia. Você precisa caracterizar, explicar o quadro relatado. Por exemplo, se você estiver frente a um quadro álgico, você deve descrever:
- O local da dor, o tipo (em pontada, em aperto, em queimação, em peso, contínua, em cólica, pulsátil);
- A intensidade (escala de 1 a 10 – pergunte ao paciente de 1 a 10, em quanto ele classifica a dor – muito subjetivo);
- Se há irradiação (sabendo onde é o local da dor, busque saber se a mesma irradia para locais próximos);
- Fatores de melhora (“o que você faz para melhorar a dor?” – a resposta pode ser, por exemplo, o repouso ou medicamento, ou alguma posição, como por exemplo a Posição Maometana);
- Fatores de piora (fatores que podem desencadear a dor, ou piorá-la, como esforço físico, algum alimento);
- O que acompanha o sintoma principal (ou seja, essa dor principal vem acompanhada de que? Náuseas, vômitos, diarreia).
Após toda essa descrição da doença relatada pelo paciente, como eu disse que a HDA é feita de forma cronológica, então o período entre o primeiro episódio e o episódio atual deve ser descrito. Se nada ocorreu ao longo deste, também deve ser registrado. E finaliza-se a HDA dizendo como o paciente se encontra no momento atual.
História patológica pregressa (HPP)
A próxima etapa é a História Patológica Pregressa (HPP). Nessa etapa, você deve se atentar a dados importantes do passado ou dados presentes (mas que foram descobertos no passado).
Primeiramente, voltando bem ao passado, pergunte se o paciente teve as “doenças da infância” (sarampo, caxumba, varicela, coqueluche), e já pergunte se ele se recorda de ter sido vacinado naquela época, e se suas vacinas estão em dia. Outro dado importante é saber se o paciente já realizou transfusão sanguínea.
Pergunte também sobre alergias (importantíssimo, pois pode haver alguma alergia a medicamentos e você precisa estar ciente disso ao prescrever qualquer medicamento) e sobre a ocorrência de fraturas e cirurgias (seja ela simples ou “complexa”).
Além disso, busque informações sobre outras morbidades como HAS (hipertensão arterial sistêmica), DM (Diabetes Mellitus), neoplasias, asma, bronquite, rinite, pneumonia, tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis (por exemplo, sífilis, AIDS, gonorreia), hipo ou hipertireoidismo, IRC (insuficiência renal crônica), IAM (Infarto Agudo do Miocárdio), marca-passo, dislipidemia, obesidade, AVE (Acidente Vascular Encefálico) e hepatites.
Por fim, pergunte sobre medicações em uso (como medicamentos para controle de pressão arterial, diabetes, anticoncepcional, psiquiátricos – antidepressivos, ansiolíticos, etc. Seja claro ao fazer a pergunta, evidenciando que é qualquer medicamento que seja usado continuamente, pois muitas mulheres, por exemplo, até esquecem do anticoncepcional como um medicamento).
No registro das informações, quando o paciente negar determinada doença ou procedimento, registre desta forma (por exemplo, paciente nega IAM, sífilis, HAS, DM – registre a negação de tudo que for perguntado e ele relatar que não teve/tem, para que quem ler o registro saiba que você perguntou, pois, se você não registra a negação, pode-se pensar que foi esquecido de perguntar).
História fisiológica
Seguindo a ordem, a próxima etapa é a História Fisiológica. O que buscar na história fisiológica? O nascimento do paciente foi eutócico (parto normal, domiciliar ou hospitalar) ou foi realizada uma cesárea? Como se deu o desenvolvimento e crescimento? Foi normal ou houve atrasos no desenvolvimento da fala, dificuldade em coordenação motora para andar, por exemplo? Pergunte, também, quando foi a sexarca (primeira relação sexual).
Nessa etapa, quando for uma paciente do sexo feminino, você deve buscar informações de quando foi a menarca, como era/é o ciclo e o fluxo sanguíneo e sobre a menopausa. Pergunte quantas vezes a paciente já gestou, quantos filhos nasceram e se já teve algum aborto – o registro dessa informação é feito da seguinte forma G0P0 (que quer dizer, gestou 0 para 0 filhos), ou exemplo G4P3 (Gestou 4 vezes para 3 filhos, teve 1 aborto).
História familiar
A penúltima etapa é a História Familiar. Agora você pode estar se perguntando: “por qual motivo tenho que perguntar sobre a família do paciente?”. Por diversos motivos. O primeiro e mais importante deles é que MUITAS doenças têm uma importante carga genética associada, ou seja, hereditariedade. Nessa etapa, você colherá informações a respeito de doenças que os integrantes da família têm atualmente ou tiveram, como por exemplo, HAS, DM, AVE, IAM e neoplasias. E sobre quais integrantes da família você deve buscar essas informações? Pais (mãe e pai), avós maternos e paternos, irmãos e filhos.
História social
E agora, chegamos à última fase da anamnese: a História Social. Primeiramente, pergunte se o paciente é etilista (se sim, pergunte há quantos anos, qual a frequência e a quantidade e qual o tipo de bebida) e tabagista. Caso sim, pergunte há quantos anos ele fuma e quantos maços por dia, assim você pode calcular a carga tabágica – número de maços fumados por dia x número de anos. Se um paciente fumou 3 maços/dia durante 30 anos, por exemplo, a carga tabágica é 90 maços/ano (3×30= 90).
Outro item importante é a alimentação. Pergunte sobre como é a alimentação em qualidade (se consome verduras, legumes, frutas, carnes, frituras, gorduras) e em quantidade (se alimenta-se regularmente, fazendo algumas refeições diárias ou come apenas uma vez por dia; come muito ou pouco nas refeições). Lembre-se, também, de perguntar sobre a ingestão diária aproximada de água (quantos litros por dia).
Por fim, pergunte qual o tipo de moradia em que o paciente reside (alvenaria, pau a pique, palafitas, barracos) e se no local há saneamento básico (coleta e tratamento de esgoto, limpeza das ruas, controle de resíduos, distribuição de água encanada). E, para terminar, quantas pessoas residem com ele na moradia, quem são (filhos, marido/esposa, mãe, etc.) e se há animais domésticos e qual o convívio com eles (são vacinados? Ficam dentro ou fora de casa?). Lembre-se, também, de perguntar sobre viagens recentes – você pode ganhar um dado de epidemiologia aqui que vai ser crucial para o seu diagnóstico!
Revisão de sistemas
Agora que você já colheu todas as informações, de forma ordenada, chegou a hora mais negligenciada pelos alunos de medicina (e alguns médicos também!): revisão de sistemas. Neste momento, você vai perguntar sobre cada um dos sistemas um a um! Como fazer? Eu gosto de começar por cima.
Primeiro, pergunto sobre o funcionamento geral intelectual e neurológico, pergunto “como está a cabeça?”, se está dormindo bem, se está com problemas de memória, de humor, se anda desanimado. Passo pela audição e visão e, depois, costumo ir para a boca (sistema digestivo): pergunto se está comendo bem, se anda com náuseas, se tem emagrecido, se tem diarreia ou constipação.
A seguir, vou para o cardiorrespiratório, perguntado sobre falta de ar, cansaço, tosse, etc. Então, eu pergunto como está urinando, se arde, dói e se o volume está normal, até que falo de força muscular e do aspecto sexual. Sim, é preciso perguntar como está a vida sexual do seu paciente, se a libido está ok (aos homens, é importante perguntar sobre potência sexual e, às mulheres, sobre lubrificação).
Leia também: Qual a importância da minha anamnese para o meu paciente?
Parece muita coisa e que você não vai conseguir lembrar de tudo isso na hora, ou que vai levar horas para fazer todo esse inquérito. Inicialmente, sim, você vai precisar ler e reler tudo , às vezes andar com uma listinha no bolso do jaleco para não esquecer de nada. Mas acredite: em pouco tempo, isso estará tão claro em sua mente que você vai fazer uma ótima anamnese sem precisar de “colinha” alguma.
Não estou dizendo isso para te tranquilizar… Sério, isso é a realidade! Quando dizem que “vai aprender na prática” é uma grande verdade e é um aprendizado automático. Mas lembre-se de tudo isso listado aqui, pois são informações importantes e que, como eu já disse, serão a base para tudo que virá pela frente (exame físico, diagnóstico, tratamento, etc). Portanto, aprenda da forma correta e seu futuro agradecerá!
Espero ter ajudado e até a próxima pessoal!
Continue complementando seus estudos em Medicina com os cursos do Jaleko!
Gostei do assunto de sua divulgação, gostaria de ver se é pertinente para meu site.
Sds.
Gostei do assunto de sua publicação, gostaria de ver se é pertinente de divulgar em meu site: link acima.
Sds.
Hermes
Pode ver sim, Hermes Dagoberto! (;
Texto extremamente interessante!!!
Bom saber que você curtiu o nosso artigo, Matheus! (=