A violência sexual é um fenômeno global, no qual não há restrição de sexo, idade, etnia ou classe social. Por mais que atinja homens e mulheres, estas são as principais vítimas, em qualquer fase de suas vidas, sendo que as mulheres jovens e adolescentes compõem o grupo que mais sofre com esse tipo de agressão.
Desde junho de 2014, em território nacional, é considerada um agravo de notificação compulsória imediata, em até 24 horas, pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
Somado a isso, no Brasil, é obrigatório o atendimento integral de pessoas em situação de violência sexual.
Contudo, o atendimento a vítimas desse tipo de opressão ainda é complexo e requer o trabalho de uma equipe multidisciplinar, que atendam os casos de forma ágil, acolhedora, em bom ambiente e com capacidade de atuar nas preocupações imediatas e nas dificuldades psíquicas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência sexual é definida como “todo ato sexual, tentativa de consumar um ato sexual ou insinuações sexuais indesejadas; ou ações para comercializar ou usar de qualquer outro modo a sexualidade de uma pessoa por meio da coerção por outra pessoa, independentemente da relação desta com a vítima, em qualquer âmbito, incluindo o lar e o local de trabalho”.
De uma forma geral, é um crime de violência, conquista, controle e agressão, compreendendo diversas atividades sexuais, que transitam desde a coerção sexual, passando pelo abuso físico até o estupro.
O estupro é uma forma frequente de violência sexual, envolvendo o uso de força física, intimidação ou ameaça de lesão corporal, ausência de consentimento ou incapacidade de consentir, bem como a penetração oral, vaginal ou retal com pênis, dedo ou objeto.
Existem vários tipos de estupradores, dentre eles: os oportunistas – não demonstram raiva contra a mulher atacada e costumam usar pouca ou nenhuma força, aproveitam da situação, como a ingestão de bebida alcoólica -, os retaliadores – em geral, machucam a sobrevivente e usam mais força física que o necessário para dominá-la -, os reafirmadores de poder – geralmente não pretendem machucar fisicamente suas vítimas, mas possuí-las ou controlá-las a fim de obter gratificação sexual -, e aqueles que são ditos estupradores sádicos, que excitam-se sexualmente causando dor na vítima.
Após o ataque sexual, além de serem afetadas psicologicamente, as mulheres têm muitas preocupações, sobretudo a gravidez e as infecções sexualmente transmissíveis (IST).
As IST têm alta prevalência nos casos de violência sexual, sendo que o risco varia conforme o tipo de violência sofrida, o tempo de exposição, número de agressores bem como a ocorrência de traumas nas regiões genitais.
É importante destacar que, principalmente por possuírem imaturidade anatômica e fisiológica da mucosa vaginal, as crianças apresentam maior vulnerabilidade às IST.
É necessário que os profissionais que atendam a mulher nessas situações nos serviços de saúde sejam livres de julgamento, explique o que será realizado em cada etapa do atendimento, preservando a autonomia feminina.
Deve-se incluir um exame físico completo, exame ginecológico, coleta de amostras para identificar possíveis infecções genitais e para a tentativa de identificação do agressor.
Deve ser explicado a necessidade de profilaxia para gravidez para os casos em que houve o ato sexual desprotegido em pacientes em idade fértil, antibioticoprofilaxia para as IST, coleta de sangue para sorologia de Sífilis, hepatite B e C e HIV.
Além disso, amostras de quaisquer locais de contato (vagina, reto ou boca) devem ser coletadas e enviadas para teste de gonorreia e clamídia, além da citologia vaginal a fresco para pesquisa de tricomonas. É importante que amostra de urina e sangue sejam coletadas para pesquisa de drogas usadas no golpe “boa-noite, Cinderela”.
Quanto à prevenção da gravidez indesejada, é oferecido a contracepção de emergência a todas as sobreviventes de violência sexual em idade reprodutiva.
Esse tipo de contracepção quando utilizada na primeira fase do ciclo menstrual, altera o desenvolvimento dos folículos, retardando ou impedindo a ovulação.
Já quando feita na segunda fase do ciclo menstrual, atua modificando o muco cervical, tornando-o espesso e hostil, dificultando a migração dos espermatozoides em direção ao óvulo.
O esquema de primeira linha é feito com o Levonorgestrel, já que apresenta maior eficácia, menos efeitos colaterais e não tem interação com alguns dos antirretrovirais utilizados na profilaxia contra o HIV.
Como segunda linha, existe o esquema de Yuzpe (administração imediata de dois comprimidos de um contraceptivo oral combinado – cada um com 50 μg de etinilestradiol e 0,5 mg de norgestrel, seguidos por mais dois comprimidos 12 h depois).
Se houver vômitos nas primeiras duas horas após o uso, nova dose deverá ser administrada. Caso a paciente esteja inconsciente, existe a possibilidade de administração da contracepção emergencial via vaginal.
Quando o estupro gerar gravidez, o abortamento é assegurado por lei no Brasil e poderá ser feito através do Sistema Único de Saúde (SUS). O Código Civil determina que a partir dos 18 anos de idade a mulher é considerada capaz de consentir por si só para a realização do aborto.
Já nas faixas etárias entre 16 e 18 anos os pais ou os representantes legais dão assistência à adolescente e se manifestam com ela. Em menores de 16 anos, se manifestam por ela.
No que diz respeito às IST, os exames de rotina solicitados no atendimento são: VDRL ou PRP, HB-SAg, anti- HBc, IgM, anti-HCV e anti-HIV, sendo que nos casos em que se faz necessário a profilaxia para HIV, é importante solicitar hemograma e avaliar também as transaminases.
A profilaxia das IST não virais é feita com Penicilina G Benzatina contra Sífilis, Ceftriaxona para Gonorreia, Azitromicina contra Clamidíase e Cancro Mole, e Metronidazol para Tricomoníase.
Em relação à profilaxia das IST virais, indivíduos não imunizados ou com esquema vacinal incompleto devem receber uma dose de vacina da Hepatite B e completar o esquema posteriormente.
Embora o uso da Gamaglobulina Hiperimune seja indicado para quando é de conhecimento que o agressor tem hepatite B aguda, o Programa Nacional de Imunização e o Programa Nacional de Hepatites Virais recomendam que todas as mulheres em situação de violência sexual não imunizadas ou com o esquema vacinal incompleto façam uso.
Vale ressaltar que para a Hepatite C não existe quimioprofilaxia, sendo indicado o acompanhamento laboratorial.
Quanto ao HIV, a profilaxia deve ser realizada o mais precocemente possível, de forma ideal nas primeiras duas horas após a exposição, até no máximo 72 horas, sendo mantida por 4 semanas consecutivas.
Lembrando que a profilaxia pós exposição não está indicada caso a pessoa exposta já esteja infectada pelo HIV. O esquema preferencial é feito com Tenofovir, Lamivudina e Dolutegravir.
A Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde recomendam a profilaxia antitetânica caso haja lesões detectáveis no exame físico, levando em consideração a história vacinal da mulher. Nos ferimentos limpos ou superficiais com história incerta ou menos de 3 doses da vacina ou com 3 doses ou mais, mas com a última há mais de 10 anos, está indicada a vacina.
Já em outros tipos de ferimentos, com história incerta ou menos de 3 doses da vacina, 3 doses ou mais entre 5 e 10 anos, ou 3 doses ou mais com a última há mais de 10 anos, recomenda-se a imunização ativa. Nesses outros ferimentos, se a paciente tiver história vacinal incerta ou menos de 3 doses, além da vacina, é feito também soro antitetânico.
É importante que essa mulher faça acompanhamento com o serviço de saúde, a fim de dar continuidade ao acompanhamento laboratorial, ter auxilio psicológico e poder minimizar os efeitos catastróficos da violência sexual.