Vamos falar um pouco sobre a polêmica da maconha, o que é necessário para entendermos a situação da maconha medicinal e dos canabinoides (derivados e análogos sintéticos da maconha).
Mas primeiro, uma pesquisa de opinião. Responda só no pensamento:
- Você é a favor da liberação da maconha para uso recreativo?
- E do uso médico dos canabinoides?
E algumas perguntas relacionadas:
- Você é a favor da proibição do álcool etílico para uso recreativo?
- E do uso médico dos opioides (derivados e análogos sintéticos do ópio, como morfina e fentanil)?
Essas são perguntas que inevitavelmente envolvem um amplo grau de subjetividade.
E não é preciso que você diga “sim” ou “não” para todas.
Não há uma única resposta correta. Existem argumentos válidos para os dois lados.
Certo?
Bem…
O objetivo deste texto não é lhe convencer sobre sua opinião envolvendo essas perguntas.
Não farei aqui julgamento de valores, nem emitirei minha posição pessoal sobre isso.
Mas peço que você deixe de lado agora sua opinião já formada sobre o assunto.
E vamos, juntos, analisar os fatos históricos por trás dessa polêmica.
Sem teorias de conspiração ou histórias mirabolantes. Só os fatos.
1945
Fim da Segunda Guerra Mundial.
Nazismo derrotado.
Vitória dos Aliados.
Graças a quem?
“Estados Unidos!” – Dizem uns.
“União Soviética!” – Dizem outros.
Opa…
Segue-se um silêncio constrangedor no mundo.
Os dois trocam olhares desafiadores.
Está dada a largada: Quem é a maior potência mundial no pós-guerra?
Valendo!
“Não! Espera!” – Dizem todos.
“Os dois são potências militares com amplo arsenal nuclear!” – Todos concordam.
O mundo ainda estava em choque após o que aconteceu quando os Estados Unidos resolveram lançar bombas nucleares no Japão, apagando do mapa as cidades de Hiroshima e Nagasaki em 1945. A guerra já tinha acabado, mas o Japão não queria aceitar os termos impostos para o rendimento. E o ataque à Pearl Harbor, em que civis norte-americanos foram mortos por caças japoneses suicidas, estava entalado na garganta do Tio Sam desde 1941.
A destruição pelas armas nucleares no Japão foi brutal. Um tiro na mandíbula de um oponente já derrotado, jogado ao chão. Para que ele nunca mais ouse tentar morder seus superiores.
O mundo ainda estava em choque com a brutalidade.
“Sem mais bombardeios nucleares. É desumano.” – Afirmam as outras nações dos Aliados.
E agora?
Se União Soviética e Estados Unidos começarem a jogar bombas nucleares um no outro…
“Talvez seja o fim do mundo!” – Temem todos.
Ninguém quer isso.
Nem eles próprios!
Quem quer ser a maior potência de um mundo em chamas?
De que vale ser o Imperador das Ruínas?
1947
Tem início a Guerra Fria, uma disputa silenciosa para decidir quem é o mais poderoso.
Um jogo de xadrez entre as duas maiores potências mundiais da época.
Começa então uma corrida por desenvolvimento tecnológico e militar.
Mas com o passar dos anos fica cada vez mais claro que o conflito é inevitável.
As tensões sobem.
Muitos acham que não tem mais jeito: Teria enfim início a guerra nuclear que acabaria com a vida na Terra.
Mas os dois lados respiram fundo.
De que vale ser o Imperador das Ruínas?
Cerrando os dentes, se encaram mais um pouco, chegando então a outra solução:
“Não vamos nos atacar abertamente.” – Concluem Estados Unidos e União Soviética.
Por um (breve) momento o resto do mundo respira aliviado.
“Vamos patrocinar lados opostos em guerras envolvendo países menores!” – Completam, e logo em seguida começam a agir, sem esperar a opinião dos outros países.
“Mas eu não tenho nada a ver com isso!” – Diz a Coreia, atenta à conversa, mas ainda devastada pelas invasões do Japão antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
“Quê?” – Diz o Vietnã, que até então não estava prestando muita atenção na confusão.
De um lado os Capitalistas, patrocinados pelos Estados Unidos.
Do outro os Comunistas, patrocinados pela União Soviética.
Agora sim.
A guerra da Coreia começou em 1950 e foi interrompida em 1953. Interrompida, sim, pois até hoje não acabou, como você deve saber pela ampla cobertura da grande mídia acerca desse assunto em pleno 2018.
Os motivos para essa pausa envolvem uma densa discussão política que extrapola o escopo deste texto.
O que nos interessa agora:
Não satisfeitos, Estados Unidos e União Soviética foram continuar sua briga em outros lugares.
A guerra do Vietnã, a maior delas, durou 20 anos, de 1955 a 1975.
O que isso tudo tem a ver com a maconha?
Fato curioso: Nessa época (entre as décadas de 1950 e 1980) a então União Soviética era a maior exportadora de cânhamo (em inglês: Hemp) do mundo.
Não por acaso, em 1971, o então Presidente dos Estados Unidos da América, o Republicano Richard Nixon, fez uma jogada de peso no xadrez da Guerra Fria, lançando a campanha War on Drugs (Guerra Contra as Drogas).
Genial.
Guerra Contra as Drogas.
Em 1974 Nixon acabou se envolvendo em um escândalo político (Watergate) e renunciou ao cargo antes que tivesse seu mandato caçado em um processo de impeachment.
Mas a Guerra Contra as Drogas continuou.
Qual país teria coragem de se opor a isso?
Um dos alvos? A maconha.
Por que a maconha? Lembra do cânhamo? O cânhamo é extraído de alguns tipos da planta conhecida como Cannabis.
E o cânhamo tem diversos usos industriais. Serve para a produção de tecidos, roupas, cordas, papeis, alimentos e até combustíveis. Imagina o dinheiro que isso rendia para a União Soviética, na época a maior exportadora de cânhamo do mundo.
Mas sabe o que mais é extraído de alguns tipos de Cannabis? Maconha.
A maconha contém substâncias psicoativas que trazem bem-estar ao usuário, os canabinoides.
Mas nada é de graça na Natureza. Tudo tem um preço. E nesse caso o preço que se paga é o risco do vício e da dependência, quando o cérebro já não é mais capaz de funcionar bem sem a ajuda externa dessas substâncias.
Isso é um problema. Por isso a decisão se o uso recreativo da maconha deve ou não ser liberado é algo subjetivo. Tem prós e contras, e por isso acaba sendo uma questão subjetiva.
Mas não para Nixon. Não para os Estados Unidos da Guerra Fria.
Para Nixon, em sua campanha Guerra Contra as Drogas, só havia contras.
Se apoiando no sentimento Cristão predominante em sua nação, o governo de Nixon criou a noção de que a maconha seria uma substância feita pelo Diabo através dos comunistas para corromper os jovens inocentes, filhos dos bons Cristãos dos Estados Unidos da América.
Maconha, pelo discurso de Nixon e sua eloquente esposa, a atriz Pat Ryan, era uma substância contrária ao pensamento Cristão. Era coisa de hippies e satanistas.
Coisa de comunistas. Genial.
“Cheque” – Disse Nixon, olhando para a União Soviética.
Com a Guerra Contra as Drogas, os Estados Unidos declararam que interromperiam a importação de substâncias relacionadas às plantas Cannabis. E pressionou o resto do mundo a fazer o mesmo. O mercado para o cânhamo afundou, sendo agora uma substância ligada à abominável maconha. Mais que isso, a Guerra Contra as Drogas permitiu estigmatizar também a heroína como droga dos “pretos”, para em seguida criminalizar pesadamente a prática. Mas vamos deixar a história dos opioides e o racismo para outro texto.
Com o escândalo de Watergate Nixon caiu, mas a Guerra Contra as Drogas continuou.
Na década de 1980 o ator Ronald Reagan tornou-se Presidente dos Estados Unidos, mais um Republicano, e deu continuidade à Guerra de Nixon e à demonização da Cannabis ao lado de sua esposa, a também atriz Nancy Davis.
Guerra Contra as Drogas.
Qual país teria coragem de se opor a isso?
As substâncias psicoativas com potencial abusivo são objetivamente perigosas, isso ninguém pode negar. São fatos médicos.
Você acha que a União Soviética gostou? Claro que não. Mas ela ficou encurralada.
O fechamento do mercado internacional aos produtos da Cannabis, e consequentemente ao cânhamo, foi, em boa parte, responsável por levar a economia soviética à falência.
A essa altura o jogo já estava pesando muito para o lado dos Estados Unidos.
É claro que a Guerra Contra as Drogas não foi a única variável que deu a vantagem a eles, mas certamente teve um grande peso.
…
30 anos depois…
Em 2011, a Comissão Global de Políticas sobre Drogas (GCDP – Global Commission on Drug Policy) declarou que a Guerra Contra as Drogas iniciada por Nixon havia falhado, pois o uso recreativo dessas substâncias no mundo nunca acabou, mesmo após 40 anos.
Mas será que esse era o grande objetivo do Tio Sam?
Acabar com o consumo da maconha no mundo, para salvar a humanidade?
Veja você, a União Soviética acabou, quebrada em vários pedaços.
Por vários motivos, é claro.
Mas esse foi um deles.
Isso não é uma teoria de conspiração.
Não vejo como um grupo específico de pessoas possa manipular todos os eventos da sociedade, são variáveis demais para se manter qualquer tipo de controle constante.
A questão é:
Ao final de uma partida de xadrez pode haver um vencedor, e nesse caso os EUA venceram.
E durante o jogo criaram o estigma contra a maconha, tão visível na sociedade até hoje.
Não me entenda mal.
Não sou contra os Estados Unidos.
A cultura norte-americana foi responsável pelo nascimento de inúmeras façanhas que eu admiro e consumo sem o mínimo peso na consciência.
Na história não existem pessoas totalmente boas ou más. Apenas conflitos de interesse.
Mas, dito isso: Ao propor o uso do canabidiol (derivado da Cannabis sativa) para um paciente, em contexto já liberado pela Anvisa, ainda se ouve, em 2018: “Não, doutor, sou contra a maconha.”
Será que as pessoas até hoje enxergam a maconha como uma substância feita pelo Diabo através dos comunistas?
Você decide.
Afinal, é uma questão bem subjetiva.
Certo?
Bem…
Escrito por: Augusto Valadão
Médico
www.teoriadamedicina.com.br
www.instagram.com/teoriadamedicina
www.twitter.com/teoriamedicina