Algumas técnicas do exame físico e da semiologia médica vêm sendo esquecidas com o avançar da Medicina e das tecnologias empregadas no dia a dia dessa ciência. Com o surgimento de exames complementares cada vez mais detalhados e específicos, manobras como a inspeção e a palpação do precórdio (muito utilizadas em outrora) são negligenciadas mesmo pelos médicos mais atentos e técnicos do nosso meio.
Sendo assim, qual seria a importância atual dessas manobras? Como realizá-las de forma correta? Quais dados elas poderiam me fornecer, ajudando no diagnóstico e acompanhamento do meu paciente?
Bom, são essas e outras perguntas que objetivamos responder neste artigo. Então, mãos à obra, pessoal!
A inspeção e palpação do precórdio são técnicas complementares, que buscam obter informações sobre a anatomia e alterações fisiopatológicas do coração. Em geral, serão capazes de nos fornecer dados sobre a dimensão das cavidades cardíacas e dos grandes vasos, além de propiciar hipóteses sobre como se encontra a hemodinâmica do paciente.
Aspectos do Tórax e do Precórdio:
Guilherme, por que temos que saber sobre alterações anatômicas do tórax? Simples! Deformidades no tórax podem modificar a posição do coração, alterando também a relação do mesmo com a parede torácica, repercutindo no nosso exame físico. Por exemplo, escolioses ou cifoses excessivas podem gerar sopros cardíacos inocentes.
Pectus escavatum e o carinatum frequentemente se associam com prolapso de valva mitral.
O tórax em escudo é muito visto na Síndrome de Turner. Esta, por sua vez, está associada com coarctação da aorta em 68% dos casos.
O que é o abaulamento precordial?
Esta alteração sugere cardiomegalia durante a infância ou adolescência. Em geral, este aumento é secundário ao ventrículo direito (pela sua localização – mais anterior). Contradizendo esta regra, temos a febre reumática, que acomete crianças ou adolescentes, levando à insuficiência aórtica e/ou mitral, o que culmina em aumento do ventrículo esquerdo. E, nesses casos, também pode ser visto o abaulamento precordial.
Como faço para visualizá-lo?
O abaulamento é mais fácil de ser visualizado dos pés da cama do paciente, com o examinador olhando o tórax no nível do plano anterior.
Algumas dicas:
– Abaulamento paraesternal superior esquerdo: comunicação interatrial;
– Médio-esternal: comunicação interventricular;
– Nas cardiomegalias valvares esquerdas, o abaulamento também é mais baixo.
Movimentos do Coração:
Os movimentos do coração ou dos grandes vasos, que podem ser visualizados na parede torácica, são expansões ou retrações. Esses movimentos falam mais a favor de uma ou outra estrutura, a depender da topografia visualizada.
– Ventrículo esquerdo (VE): geralmente, se manifesta na linha hemiclavicular esquerda, no quinto espaço intercostal, podendo se encontrar acima ou abaixo a depender das alterações exercidas no VE. O íctus cordis nada mais é do que a elevação da ponta do VE.
Nos pacientes longilíneos e nas hipertrofias excêntricas, o aumento do VE se expande para baixo. Já nos brevilíneos e nas hipertrofias concêntricas, isso ocorre mais lateralmente.
– Ventrículo direito (VD): pode ser observado junto à borda esternal esquerda, ocupando o terceiro, quarto e quinto espaços intercostais. Na topografia do epigástrio, também podemos detectar o VD.
– Átrio esquerdo (AE): nos grandes aumentos, essa câmara pode ser notada junto à borda esternal esquerda, no terceiro espaço intercostal. Nesses casos de aumento, o paciente pode apresentar quadro de rouquidão por compressão do nervo recorrente (átrio muito dilatado comprimindo-o).
– Átrio direito (AD): percebido no quarto e quinto espaço intercostal, na borda esternal direita.
– Aorta ascendente: quando aneurismática, pode ser notada no segundo espaço intercostal direito, junto à borda esternal, sob a articulação esternoclavicular e na fúrcula.
– Artéria pulmonar: se aumentada, pode ser palpável no segundo espaço intercostal à esquerda, próximo da borda esternal.
Como examinar os movimentos do precórdio?
Primeiro, devemos posicionar o paciente em posição supina (ou seja, deitado em decúbito dorsal), a 30º. Para sensibilizar, podemos colocar o paciente em decúbito lateral esquerdo, quando queremos avaliar melhor o VE.
Na apneia expiratória, conseguimos avaliar ainda melhor o VE. Já o VD, por sua vez, pode ser melhor visto após uma inspiração profunda (manobra de Rivero-Carvallo), pelo aumento do retorno venoso.
A palpação deve ser realizada com a mão direita, alternando a pressão exercida até se obter a melhor sensação tátil. Inicialmente, a palpação deve ser feita com a palma da mão e, ao acharmos o que desejamos, limitamos com as polpas digitais.
O ventrículo direito pode ser avaliado com as polpas digitais nos espaços intercostais, junto à borda esternal. No epigástrio, avaliaremos a parede inferior do VD, com a polpa do indicador abaixo do apêndice xifoide, direcionando o dedo para a clavícula esquerda.
O que buscamos avaliar nos movimentos do coração?
São quatro características fundamentais que devem ser procuradas: localização, se são movimentos de expansão ou retração, o tamanho, e se são sistólicos ou diastólicos.
O Íctus Cordis:
Nos adultos normais, este se situa no quinto espaço intercostal esquerdo, no nível da linha hemiclavicular. Em crianças ou adultos brevilíneos, pode se situar no quarto espaço intercostal. O tamanho normal máximo é de uma e meia polpa digital ou 3,0 cm no adulto. Em decúbito lateral esquerdo, é palpável em praticamente todas as pessoas.
Causas de aumento do íctus: aumento de volume da câmara ventricular esquerda (ou seja, hipertrofia excêntrica). Aumentando de tamanho, tende a se deslocar para a esquerda e para baixo.
Será encontrado em todas as causas de sobrecarga de volume e nas doenças que acarretam dilatação ventricular.
Nas hipertrofias concêntricas, em geral, não há um aumento ou deslocamento importante do íctus. Isso só ocorre nas fases avançadas da doença, em que há hipertrofia excêntrica associada. Uma exceção a esta regra é a cardiomiopatia hipertrófica, que mesmo com uma hipertrofia concêntrica inicialmente, ela apresenta aumento e deslocamento do íctus.
Ainda falando da hipertrofia concêntrica, o que podemos notar é um íctus mais duradouro e mais potente do que na dilatação. Isso ocorre devido à sobrecarga sistólica.
A palpação das vibrações produzidas pelo coração:
O fechamento ou abertura das valvas cardíacas, com eventos de turbilhamento do sangue, podem ser capazes de produzir vibrações e, em algumas situações, podem ser percebidos pelo tato na parede torácica. O exame deve ser realizado com a região palmar proximal dos metacarpos, que é uma topografia mais sensível. A palpação é correspondente com a localização compatível com a ausculta cardíaca.
. Vibrações do fechamento valvar:
– Valva pulmonar: o fechamento desta pode ser palpável no segundo espaço intercostal esquerdo, junto à borda esternal esquerda. Pode ser palpado em crianças saudáveis, ou adolescentes e adultos jovens. Nos outros indivíduos, só é palpável em casos de hipertensão arterial pulmonar.
– Valva aórtica: a palpação do fechamento desta sempre é patogênica!!! Localiza-se no segundo espaço intercostal direito sobre o esterno, e no terceiro espaço intercostal esquerdo.
Exemplos de causas para fechamento aórtico pode ser hipertensão arterial, coarctação da aorta, assim como tetralogia de Fallot e atresia tricúspide. As próteses metálicas também podem produzir vibrações palpáveis.
– Valva mitral: também palpada normalmente em crianças. Em condições hipercinéticas, também pode ser palpada em adolescentes, adultos jovens e magros (ex.: estresse, febre). Manifesta-se na região do íctus.
Outras situações que permitem a palpação: estenose mitral, síndromes de pré excitação, prolapso mitral, prótese metálica mitral.
E os famosos “Cliques”?
São vibrações de curta duração, semelhantes às provocadas pelos fechamentos valvares. Para a diferenciação entre eles, é de suma importância a palpação simultânea do pulso carotídeo.
. Cliques protossistólicos:
– Clique pulmonar: só palpado na região pulmonar, na base do coração, ocorrendo em situações como hipertensão pulmonar ou estenose de valva pulmonar. Se ocorre na topografia descrita, sendo coincidente com o pulso arterial, com certeza é um clique protossistólico.
– Clique aórtico: pode ocorrer no terceiro espaço intercostal esquerdo e na região de ictus. Situações: estenose aórtica e nas próteses metálicas aórticas.
. Cliques mesossistólicos:
Podem ocorrer no prolapso da valva mitral ou tricúspide, mas são extremamente raros.
E o estalido de abertura?
É mais comumente notado na estenose mitral, como protodiastólico, localizando-se na ponta e na borda esternal esquerda.
Guilherme, e os frêmitos?
Os frêmitos são as vibrações produzidas pelo turbilhonamento da corrente sanguínea dentro do coração e dos grandes vasos. Podem ser considerados os correspondentes, na palpação, dos sopros cardíacos. Podem ser classificados em sistólicos, diastólicos e contínuos. Também podemos polpar frêmitos no atrito pericárdico.
Também são melhores palpados com a região palmar das articulações metacarpofalangianas. A sensação de se sentir um frêmito pode ser descrita como “apalpar o dorso de um gato ronronando”.
Assim como os sopros cardíacos, os frêmitos também podem sofrer acentuação com determinadas manobras e posições específicas.
Por exemplo, o frêmito sistólico da insuficiência mitral é melhor percebido em decúbito lateral esquerdo. Já na estenose aórtica e pulmonar é aumentado com o paciente sentado, com discreta flexão de tronco. São palpados na fúrcula esternal. Os frêmitos da valva tricúspide dificilmente são palpados.
Na comunicação interventricular, podemos palpar frêmitos na topografia do esterno, exemplificando a passagem do sangue ventrículo esquerdo para o direito.