Introdução: Você muito provavelmente já ouviu falar nesse sobrenome: Kussmaul. Ele é um dos “queridinhos” da cardiologia e muito estudado pelos alunos também na semiologia, quando ouvimos falar do sinal de Kussmaul e do padrão respiratório de Kussmaul. Todavia, por se tratar de um epônimo, algum profissional, há tempos atrás, descobriu um achado no exame físico de seus pacientes, um achado que nunca tinha sido documentado por ninguém, e, em sua homenagem, esse achado foi nomeado com o nome desse profissional.
Adolf Kussmaul: Foi Adolf Kussmaul que inspirou o nome do sinal e da respiração de Kussmaul. Filho de pais e avós médicos, ambos pertencentes das forças armadas, Adolf era também um médico alemão, que viveu no século XIX, dividindo a casa com mais 7 irmãos, dos quais ele era o mais velho entre todos. Nascido em 22 de fevereiro de 1822, em uma cidade chamada Graben, na Alemanha, concluiu a graduação em Medicina na cidade de Heidelberg em 1845 e, após se formar, mudou-se para Viena, a fim de terminar os seus estudos na área da Medicina. Posteriormente, se alistou nas forças armadas da Alemanha, seguindo o caminho de seus pais, aonde trabalhou por 2 anos como cirurgião do exército, durante a guerra de Schleswig-Holstein.
Continuou atendendo e praticando a Medicina, até ser diagnosticado com uma doença debilitante, a pericardite, doença essa que era secundária ao seu reumatismo articular agudo, que se apresentava em crises na maioria das vezes. Após esse ocorrido, Adolf Kussmaul optou por se dedicar apenas na carreira científica da Medicina, pois não teria mais condições de trabalhar no exército, profissão que demandava longas jornadas de trabalho e intenso esforço físico. Adolf casou-se e teve 5 filhos, porém teve que se despedir de dois deles que vieram a falecer logo no início de suas vidas, um decorrente da infecção pelo Clostridium tetani e outro quando, por um descuido, se afogou no rio Reno. Kussmaul se tornou uma das mentes mais criativas dentro da Medicina, e fez história, falecendo em 18 de maio de 1902, decorrente de um infarto agudo do miocárdio (IAM).
Aquisições na área médica: Na Medicina, Adolf Kussmaul foi um grande contribuinte. Em Heidelberg, foi responsável por construir o primeiro oftalmoscópio do serviço do hospital, porém este aparelho ainda precisava de ajustes, fato este que inviabilizou a sua pronta utilização pelos demais profissionais da área médica. Em 1845, escreveu um livro relatando toda a sua experiência na criação desse primeiro oftalmoscópio da região alemã, mesmo que o equipamento não funcionasse, e também estudou as mudanças de cor da retina de determinados pacientes. Ele também foi o primeiro médico a descrever a paralisia bulbar progressiva (também conhecida como doença de Fazio-Londe, doença essa que acomete progressivamente os nervos cranianos localizados no bulbo cerebral dos pacientes, que em geral são crianças) e também a poliarterite nodosa. A poliarterite nodosa também é conhecida como doença de Kussmaul-Meier, justamente por Adolf Kussmaul ter sido o responsável por descrevê-la. Caracteriza-se por vasculites provocadas por células autoimunes provenientes do organismo do paciente, e isso pode levar a algumas complicações, como, por exemplo os aneurismas. Outras descobertas também levaram seu nome, como o sinal de Kussmaul e a respiração de Kussmaul, que serão abordados no final deste artigo. Descreveu também a dislexia propriamente dita, como antigamente era conhecida por “cegueira das palavras”.
Como bom e comprometido pesquisador, também adotou métodos de pesquisa altamente qualificados com o objetivo de desenvolver um determinado dispositivo que conseguisse visualizar o trato gastrointestinal superior dos pacientes acometidos por determinadas patologias. Possuiu também alguns feitos fora da área medica, como o início de seu trabalho como poeta ao se juntar com Ludwig Eichrodt, um advogado renomado que o ajudou na escrita de vários poemas. Ele também foi capaz de diferenciar os achados do exame físico de um paciente acometido com o mercurialismo (uma doença ocupacional relacionada a intoxicação por mercúrio, geralmente ocorre em indivíduos que trabalham com a substância), daqueles sintomas encontrados em um paciente com sífilis. Baseando-se em uma coleta de dados, ele também foi capaz de descrever a tetania gástrica, em 1872, e o pulso paradoxal (presente quando há uma queda na pressão sistólica do paciente superior a 10 mmHg, quando o mesmo se encontra na fase inspiratória de seu ciclo respiratório).
Em 1869, Adolf escreveu um artigo para publicação, que relatava a obstrução no piloro quando em associação com a dilatação do estômago. Em 1868, na cidade de Erlangen, ele criou o primeiro gastroscópio, que era um aparelho de metal e rígido, que era transpassado sobre um obturador, que já estaria inserido no paciente.
Sinal de Kussmaul: O sinal de Kussmaul nada mais é do que o aumento do pulso venoso jugular, quando o paciente em questão realiza uma inspiração. Isso acontece quando há uma diminuição da complacência do ventrículo direito (VD), ou seja, ele perde a sua capacidade de contrair adequadamente. Sendo assim, o VD não consegue dar conta de todo o sangue que chega para ele, aumentando a pressão no átrio direito em consequência disso. Esse aumento de pressão no átrio direito irá refletir em um aumento de pressão na veia jugular interna na tentativa de compensar, e isso gera o ingurgitamento do pulso venoso a medida que o paciente inspira. Existe uma condição médica em que esse achado é bastante característico, que é a pericardite constritiva. Indivíduos que possuem essa doença apresentam um espessamento do pericárdio (parede que reveste o coração externamente), e isso gera, como consequência, uma restrição ao enchimento cardíaco durante a diástole.
Respiração de Kussmaul: Já pacientes que apresentem esse tipo de respiração no seu exame físico podem apresentar condições clínicas um pouco diferentes das que encontramos em pacientes com o sinal de Kussmaul, e, por isso ,devemos estar atentos para não confundir os dois tipos de achados clínicos. A respiração de Kussmaul é um tipo de padrão respiratório. Nesses casos, a respiração do indivíduo é lenta e profunda, e, quando encontrada, deve alertar o médico para quadros de intoxicação no bulbo respiratório desses pacientes, podendo ser uma cetoacidose diabética (principal causa) ou uma acidose metabólica. Podemos dividi-la em 4 fases principais: a primeira é caracterizada por inspirações ruidosas (que são mais amplas) e que se alternam com inspirações mais rápidas (porém menos amplas). A segunda fase, por sua vez, tem como sua principal característica a apneia durante a inspiração. Já a terceira fase é uma fase de expirações ruidosas mais profundas que se intercalam com expirações rápidas, por sua vez menos amplas. E o ciclo se finaliza com uma apneia durante a expiração.
Conclusão: Pouco se conhece o pesquisador que se esconde atrás dos epônimos. Foram homens e mulheres que tanto se dedicaram durante toda a sua vida, procurando maneiras de reconhecer precocemente algumas doenças que os pacientes irão apresentar. E isso foi fundamental para o aumento da expectativa de vida que vivenciamos hoje no Brasil, além de permitir o tratamento adequado dos doentes e também diagnóstico correto e precoce, evitando o tempo de permanência desses pacientes no hospital e aumentando as suas chances de cura.
Para se aprofundar no assunto, separamos uma videoaula:
- Semiologia Respiratória: Linhas Anatômicas – http://bit.ly/2KvkZJw