Você já imaginou um mundo sem a descoberta da insulina? Como seria o tratamento dos diabéticos atualmente se não tivéssemos descoberto esse hormônio, e mais, se não tivéssemos conseguido realizar sua “fabricação”. Provavelmente, a sobrevida dos diabéticos, principalmente daqueles do tipo 1 seria muito menor.
E como foi essa descoberta? Foi mais um fato “ao acaso” como várias outras descobertas na Medicina? Foi fruto de extensos estudos? Qual foi a história que cercou todo esse contexto e também do início da sua comercialização? É isso que esse pequeno artigo da série “História da Medicina” vai lhe contar!
Para se ter noção da importância do assunto, vamos citar uma passagem de Richar Welbourn, pioneiro e historiador da cirurgia endócrina. Segundo ele, sobre a comercialização da insulina: “foi o maior avanço na terapia médica desde a introdução da antissepsia cinquenta anos antes”.
A descoberta da insulina foi um marco importantíssimo no tratamento da diabetes, tanto que rendeu à equipe de estudiosos que a descobriu o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia.
Falando em diabetes, você não pode deixar de assistir a essa videoaula do Jaleko sobre Diabetes Mellitus, do Curso de Fisiologia Endócrina.
UM POUCO ANTES DA DESCOBERTA DA INSULINA:
Em 1869, Langerhans identificou conjuntos de células no teido pancreático que denominou de ilhotas celulares.
Em 1889, na França, Joseph Von Mering e Oskar Minkowski da Universidade de Strasbourg observaram que a remoção do pâncreas de cães desencadeava sinais e sintomas similares aos de diabetes.
Em 1908, o cientista alemão George Zuelzer desenvolve o primeiro extrato pancrático injetável, capaz de suprimir a glicosúria. No entanto, esta modalidade terapêutica não evoluiu devido aos intensos efeitos adversos causados.
Em 1910, confirmou-se que o metabolismo da glicose dependia de uma substância química produzida pelo pâncreas – isso abriria os caminhos para a posterior descoberta da insulina.
Em 1920, um cirurgião ortopedista chamado Frederick Banting, que atuou no corpo médico canadense durante a 1ª Guerra Mundial, interessa-se pelo fato das ilhotas de Langerhans estarem relacionadas ao diabetes (após ler um artigo científico de Moses Barron).
Depois disso, Banting vai a Toronto para realizar seus estudos. Era supervisionado por John Macleod e auxiliado pelo estudante Charles Best, de 22 anos. O grupo realizava experiências com cachorros nos laboratórios da Universidade de Toronto.
A GRANDE DESCOBERTA:
Em 1921, Banting e seu assistente, Charles Best, isolam um extrato proveniente de ilhotas pancreáticas de cachorro e o injetam em um cão moribundo cujo pâncreas havia sido retirado pelos pesquisadores.
Banting descreveu como nunca se esqueceria: “…da alegria de abrir a porta da gaiola e ver o cachorro, que antes não conseguia andar, pular no chão e correr pela sala normalmente após a injeção do extrato.”. Após esse episódio, Banting e Best isolaram extratos de insulina e os produziram em massa nos meses subsequentes.
O PRIMEIRO USO OFICIAL DA INSULINA:
Os dados divergem, mas o mais embasado é que o primeiro paciente a receber insulina por via injetável foi um menino de 14 anos, Leonard Thompson, que se encontrava morrendo por diabetes.
Ele recebeu 15 mL de um extrato puro, e nesta primeira aplicação não houve redução da glicemia nem dos corpos cetônicos na urina, além de muitos efeitos adversos. Com isso, o biólogo James Colip se une ao grupo de estudiosos de Banting e purifica o extrato utilizado anteriormente.
Assim, o paciente é submetido a uma segunda aplicação, desta vez com extrato purificado, apresentando respostas positivas ao tratamento. Após algumas semanas depois, a menina que antes se encontrava acamada e com astenia intensa, consegue receber alta hospitalar.
ABRINDO MÃO DA PROVÁVEL FORTUNA:
Com essa descoberta, Banting e Best poderiam ter feito uma fortuna. No entanto, optaram por passar os lucros recebidos para a Universidade de Toronto para pesquisas médicas, e a patente da substância foi disponibilizada gratuitamente.
Em 1922, a empresa farmacêutica Eli Lilly and Company, de Indianápolis, Estados Unidos (EUA), produziu grandes quantidades de insulina, que começaram a ser comercializadas. Rapidamente a terapia com a injeção de insulina se espalhou pelo mundo, sendo capaz de salvar a vida de milhares de pacientes.
Houve polêmica entre os cientistas da equipe, que trocaram acusações nos anos posteriores à descoberta (história de filme – Glory Enough for All – 1988).
PRIMEIRA INSULINA COMERCIALIZADA:
A primeira insulina a ser comercializada foi a Regular. Por seu efeito rápido, necessitava de 3 a 4 aplicações diárias para atingir um bom controle glicêmico, o que ocasionava má adesão e muitas queixas dos pacientes e familiares (imaginem também a quantidade de hipoglicemia nessa época).
1923 e o Prêmio Nobel:
Neste ano, Banting e Macleod recebem o Nobel de Medicina e Fisiologia pela descoberta da insulina. Banting opta por dividir seu prêmio com o jovem Charles Best e Macleod o seu com o químico James Bertrand Collip (responsável por realizar a manipulação química da substância durante as pesquisas).
O ANO DE 1924:
Este ano marca a data do surgimento das primeiras insulinas não sintéticas, que são derivadas diretamente do pâncreas de animais, como bois e porcos.
1936:
Surge a insulina cristalina através das modificações na forma de produção, o que melhora seu nível de pureza e reduz os efeitos adversos causados pelas substâncias anteriores.
1930-1940:
Nesse período, foi sintetizada por Hagedorn a insulina NPH (na Dinamarca), enquanto Scott e Fisher sintetizaram a insulina PZI (protamine-zinc insulin), que prolongavam o tempo de ação da insulina e, consequentemente, reduzia a quantidade de aplicações diárias.
E VOCÊ SABE O QUE SIGNIFICA E DE ONDE VEM O NOME “NPH”?
A famosa insulina de ação intermediária utilizada até hoje, a NPH, tem sua sigla com o significado Neutral Protamine Hagedorn. O que é isso? Hagedorn faz referência ao nome do seu criador, e protamina ao nome da substância que é adicionada à insulina para que ganhe a propriedade inerente a sua duração.
1966:
A tecnologia médica avança cada vez mais e se torna possível transformar a insulina suína em uma insulina semelhante à humana, o que contribui para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes que necessitam dessa terapia.
AS DÉCADAS SEGUINTES E A ATUALIDADE ACERCA DA INSULINA:
Desde a década de 80, as insulinas e os dispositivos para a aplicação vêm se aperfeiçoando a cada ano e aumentando o arsenal terapêutico, além de prover maior qualidade de vida e melhor controle glicêmico para os pacientes diabéticos.
As insulinas iniciais foram capazes de suprir o mercado mundial para o tratamento do diabetes inicialmente. Porém, quadros alérgicos, lipodistrofias, resistência ao tratamento, não eram tão incomuns.
Por isso, a busca por maiores avanços. A partir da protamina, protamina-zinco, NPH o avanço foi a produção de insulinas biossintéticas humanas através da tecnologia de DNA recombinante.
No final da década de 1990, as insulinas de ação ultrarrápida, lispro e asparte, foram sintetizadas através de inversões de posições de aminoácidos da cadeia molecular da insulina. Isso se aproximou da ação fisiológica da insulina produzida e liberada pelo pâncreas.
Em 2001, a insulina de ação prolongada foi descoberta, a chamada glargina. Como possui absorção e duração mais lenta, foi capaz de reduzir os episódios de hipoglicemia. Posteriormente, vieram as insulinas detemir e degludeca, com duração de ação ainda maior e com menor pico.