Você sabia que um AVE pode cursar com sintomas que semelhantes a uma síndrome vestibular? Pois bem, sei que estamos bastante acostumados com os sintomas motores do AVE, mas a sintomatologia dessa afecção pode ser bastante variável, de acordo com a área encefálica acometida. Apesar da fossa posterior não ser o local mais prevalente em termos de acometimento, seu diagnóstico clínico tem tamanha importância, que pode, inclusive, apresentar sensibilidade tão acurada quanto um exame de imagem. Por isso, a American Heart Association publicou, em sua revista Stroke, o chamado protocolo HINTS, mostrando a importância desse diagnóstico clínico e como realizá-lo.
A síndrome vestibular aguda é caracterizada pelo aparecimento súbito de vertigem e náuseas, acompanhados ou não de vômitos, e marcha atáxica. O paciente ainda pode apresentar intolerância à mobilização da cabeça e nistagmo, podendo durar de dias a semanas. Os sintomas da síndrome vestibular aguda são bastante comuns, tanto na neurite vestibular, quanto na vertigem postural paroxística benigna, que são alterações periféricas mais comuns no ambiente da emergência. Entretanto, alguns pacientes podem apresentar a síndrome em decorrência de um dano central, como de tronco encefálico ou cerebelo. Pequenos estudos observacionais sugerem que mais de 25% das apresentações da síndrome vestibular aguda a emergência representam infartos a nível central. O problema disso é que o diagnóstico por métodos de imagem é pouco sensível para sua detecção precoce. Por isso, é importante que todo quadro de tontura seja investigado da melhor maneira possível. E, para tal, a história e o exame físico tornam-se um grande pilar neste diagnóstico.
Em termos de sensibilidade, o diagnóstico precoce do AVE da fossa posterior, que cursa com os sintomas da síndrome vestibular aguda, quando realizado através de uma tomografia computadorizada (TC), é de 16%. Para melhorar a sensibilidade diagnóstica, muitas vezes é necessário a imagem por ressonância nuclear magnética (RNM). Entretanto, estudos também sugerem que a ressonância magnética pode apresentar falsos-negativos em derrames vertebrobasilares agudos, ou quando o exame é performado em até 72 horas do início dos sintomas. Consequentemente, os preditores à beira do leito são essenciais para identificar pacientes com síndrome vestibular aguda.
É importante estarmos atentos aos menores sinais da síndrome vestibular aguda, uma vez que menos da metade dos pacientes que abrem a síndrome exibem quadro clínico importante com apresentação de ataxia de membros, disdiadococinesia ou outras características neurológicas óbvias. Por isso, devemos estar atentos a história do paciente. E, neste cenário, a queixa que os pacientes apresentam de “ver tudo girando” não tem tamanha importância isoladamente. O que é, de fato, importante na história da doença atual, é o momento de início dos sintomas e se estes são contínuos ou intermitentes. Os sintomas contínuos são preditivos maiores de acometimento central. Falam, ainda, a favor deste tipo de acometimento, um início abrupto, com sintomatologia de intensidade máxima no momento, além de fatores de risco para AVE, achados novos no exame neurológico e incapacidade de sentar ou levantar sem auxílio, indicando ataxia severa. Quanto ao exame físico, a avaliação cuidadosa dos movimentos oculares pode ser o único método à beira do leito para identificar o AVC vertebrobasilar nesses pacientes. Por isso, vamos ao nosso mnemônico para entendermos melhor como realizar esse diagnóstico apenas com o exame físico. HINTS traz consigo o nome de três testes diferentes:
H ead
I mpulse
N ystagmus
T est of
S kew
Os três testes devem ser feitos à beira do leito, na investigação de uma síndrome vestibular aguda, para se diferenciar o tipo de afecção: central vs. periférica. É a combinação dos resultados de cada um dos testes que reitera o diagnóstico. Agora, vamos entender cada um dos testes especificamente.
O preditor mais consistente à beira leito do AVC, na síndrome vestibular aguda, é o teste de impulso horizontal da cabeça (horizontal head impulse test – h-HIT), que avalia a função do reflexo vestíbulo-ocular. Estudos recentes fornecem evidências de que um reflexo vestíbulo-ocular normal pelo h-HIT indica fortemente uma localização central (lembre-se, um reflexo depende basicamente das vias aferentes e eferentes periféricas), mas que um reflexo anormal é um preditor mais fraco de uma localização periférica (o dano das vias de condução leva a alteração ou dos receptores leva a uma alteração do reflexo). A utilidade diagnóstica do sinal é diluída, principalmente pelo fato de que alguns pacientes com h-HIT anormal (sugestivo de vestibulopatia periférica aguda), na verdade, apresentam AVC pontino lateral.
Para se realizar o teste Head impulse, o paciente deve olhar fixamente para a ponta do nariz do examinador durante todo o exame com a cabeça em posição centrada, estando examinador e paciente com os olhos alinhados no mesmo plano. Então, o examinador deve realizar uma rotação lateral lenta em cerca de 20º com a cabeça do paciente para qualquer um dos lados, seguido de um retorno abrupto para a posição central. Um teste positivo é aquele em que o olhar não se mantém fixo. O teste deve ser realizado com rotação para ambos os lados. O vídeo abaixo mostra como é realizado o teste. No vídeo, temos um Head Impulse positivo com a rotação para a esquerda:
O segundo preditor à beira leito da síndrome vestibular aguda é o nistagmo, o qual pode mudar de direção com o olhar excêntrico e, por isso, sua análise deve ser cuidadosa. A síndrome vestibular aguda de origem periférica é, geralmente, associada a um nistagmo característico e predominantemente horizontal, com movimentos em uma única direção e que aumentam em intensidade quando o paciente olha na direção da fase rápida do batimento ocular. O nistagmo vertical ou torcional (ou rotatório), ou ainda aquele que se manifesta em várias direções no contexto clínico, é claramente um sinal de patologia central. Acontece que grande parte dos AVEs, apresentando um quadro de síndrome vestibular aguda, podem apresentam nistagmo com componente horizontal que mimetiza vestibulopatia periférica. O que, às vezes, distingue o nistagmo típico do AVE central, em relação ao acometimento periférico, é uma mudança de direção com o olhar excêntrico. Quando pedimos para o paciente olhar para os lados, podemos perceber uma alteração na direção da fase rápida do nistagmo. Por isso, devemos analisar a presença de nistagmo de forma passiva, ou seja, o nistagmo espontâneo, como também devemos o observar, solicitando que o paciente olhe para a esquerda e para a direita.
O terceiro preditor à beira leito é o teste Skew deviation, que nada mais é do que a avaliação de um desalinhamento ocular vertical, resultante de um desequilíbrio do tônus vestibular esquerdo e direito, particularmente nas conexões vestibulares e oculomotoras, como uma resposta as alterações de inclinação da cabeça. Geralmente, acontece como parte de uma inclinação ocular patológica. O teste Skew deviation é realizado com o paciente e o examinador com o olhar no mesmo plano. O paciente deve olhar fixamente ao examinador e este deve cobrir um dos olhos do paciente, alternando o olho a ser coberto e observando movimentações oculares verticais de acomodação, que indicam um teste positivo. Um teste negativo é aquele em que não há movimentos oculares ao se alternar o olho coberto. Embora relatado em pacientes com doenças da periferia vestibular, o desvio vertical tem sido identificado principalmente como um sinal central naqueles com patologia da fossa posterior. É mais comumente observado nos casos de AVE e foi relacionado como um achado do exame físico, como manifestação de oclusão basilar. O skew deviation mostra uma sensibilidade de 30% e uma especificidade de 98%, quando isolado para indicar patologia do sistema nervoso central. O vídeo a seguir mostra como é performado o teste, mostrando ainda um resultado positivo para tal:
Como podemos observar, isoladamente, a aplicação destes testes não tem uma grande sensibilidade e especificidade no diagnóstico do AVE de fossa posterior. Entretanto, a combinação do resultado desses testes é que aumenta o valor preditivo positivo, corroborando com o diagnóstico. Ou seja, para se confiar no resultado do teste, é preciso que as três etapas do exame físico sejam concordantes entre si, como mostra a tabela a seguir:
Esse estudo, publicado, em 2009, na revista Stroke da AHA, avaliou 101 pacientes apresentando vertigem, dos quais 75% tiveram o diagnóstico de AVE. O protocolo HINTS foi realizado em todos os pacientes e mostrou uma sensibilidade de 100%, além de uma especificidade de 96% para as patologias de origem central neste estudo. Os resultados são impressionantes, não? Apesar de promissor na realização de um diagnóstico precoce, algumas limitações deste estudo precisam ser comentadas. A primeira delas é o fato de que o exame HINTS foi realizado por especialistas em neurologia, algo que não está amplamente disponível em termos de serviços de emergência, as portas de entrada destes pacientes. Apesar de que o profissional da emergência pode ser treinado para realizar os testes com boa qualificação, ainda não temos estudos que mostram valores de sensibilidade e especificidade quando o teste é realizado por não especialistas. Além disso, o estudo tem uma pequena amostragem de pacientes, que tinham como critério de inclusão apenas aqueles que apresentavam risco moderado a elevado, o que faz com que a generalização de seus resultados talvez não apresente a mesma acurácia. Além disso, como sabemos, a ressonância magnética por difusão, após 72 horas do início dos sintomas, apresenta maior sensibilidade do que o exame clínico. E, neste estudo, foi comparado o exame clínico vs a ressonância magnética precoce, o que pode significar que alguns AVE não foram diagnosticados, fazendo com que a sensibilidade do HINTS aumentasse.
Ainda assim, o HINTS é uma poderosa ferramenta que pode te ajudar na tomada de decisões clínicas, principalmente para os casos de baixo risco em que o diagnóstico, sem o exame clínico, poderia ser perdido. Com isso, é importante que esse exame físico seja aprendido e aperfeiçoado, para que a capacitação técnica ajude a aumentar a sensibilidade diagnóstica dos casos de AVE de fossa posterior.