Introdução:
A sífilis é uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST) curável e exclusiva do ser humano, causada pela bactéria Treponema pallidum, uma espiroqueta de alta patogenicidade. A transmissão da Sífilis ocorre pelas vias sexual ou vertical, tendo seu período de incubação variando entre 1 a 3 semanas.
Pode apresentar várias manifestações clínicas e diferentes estágios (sífilis primária, secundária, latente e terciária). Nos estágios primário e secundário da infecção, a possibilidade de transmissão é maior.
Manifestação clínica:
Sífilis primária:
Caracterizada pelo cancro duro que consite em uma lesão ulcerada, geralmente única, indolor, com bordos endurecidos, de fundo liso e brilhante, com secreção serosa escassa que aparece em 1 a 2 semanas após o contágio. É uma lesão rica em treponemas e costuma ser acompanhada de adenopatia regional não supurativa, móvel, indolor e múltipla.
O cancro duro, usualmente, desaparece em 4 semanas, sem deixar cicatrizes. As reações sorológicas para sífilis tornam-se positivas entre a 2ª e a 4ª semanas do aparecimento do cancro.
Sífilis secundária:
A sífilis secundária é marcada pela disseminação dos treponemas pelo organismo. Suas manifestações ocorrem de 4 a 8 semanas do aparecimento do cancro. A lesão mais precoce é constituída por exantema morbiliforme não pruruginoso: a roséola. Posteriormente, podem surgir lesões papulosas palmo-plantares, placas mucosas, adenopatia generalizada, alopécia em clareira e os condilomas planos. As reações sorológicas são sempre positivas.
Sífilis latente – fase assintomática:
Não aparecem sinais ou sintomas. É dividida em sífilis latente precoce (menos de um ano de infecção) e sífilis latente tardia (mais de um ano de infecção). A duração é variável, podendo ser interrompida pelo surgimento de sinais e sintomas da forma secundária ou terciária. Pode ocorrer com freqüência adenopatia, particularmente de linfonodos cervicais e inguinais.
Seu diagnóstico é feito exclusivamente por meio de testes sorológicos.
Sífilis terciária:
Pode surgir de dois a 40 anos depois do início da infecção. Costuma apresentar sinais e sintomas, principalmente lesões cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo levar à morte.
A sífilis tardia cutânea caracteriza-se por lesões gomosas e nodulares, de caráter destrutivo. Na sífilis óssea, pode haver osteíte gomosa, periostite osteíte esclerosante, artralgias, artrites, sinovites e nódulos justa-articulares. O quadro mais freqüente de comprometimento cardiovascular é a aortite sifilítica (determinando insuficiência aórtica), aneurisma e estenose de coronárias. A sífilis do sistema nervoso é assintomática ou sintomática com as seguintes formas: meningovascular, meningite aguda, goma do cérebro ou da medula, crise epileptiforme, atrofia do nervo óptico, lesão do sétimo par, paralisia geral e tabes dorsalis.
Sífilis congênita:
É conseqüente à infecção do feto pelo Treponema pallidum, por via placentária. A transmissão faz-se no período fetal a partir de 4 a 5 meses de gestação. Após sua passagem transplacentária, o treponema ganha os vasos do cordão umbilical e se multiplica rapidamente em todo o organismo fetal. A Sífilis Congênita é dividida em:
– Sífilis congênita precoce – É aquela em que as manifestações clínicas se apresentam logo após o nascimento ou pelo menos durante os primeiros 2 anos. Na maioria dos casos, estão presentes já nos primeiros meses de vida. Assume diversos graus de gravidade, sendo sua forma mais grave a sepse maciça com anemia intensa, icterícia e hemorragia. Apresenta lesões cutâneo-mucosas, como placas mucosas, lesões palmo-plantares, fissuras radiadas periorficiais e condilomas planos anogenitais, lesões ósseas, manifestas por periostite e osteocondrite, lesões do sistema nervoso central e lesões do aparelho respiratório, hepatoesplenomegalia, rinites sanguinolentas, pseudo-paralisia de Parrot (paralisia dos membros), pancreatite e nefrite.
– Sífilis congênita tardia – É a denominação reservada para a sífilis que se declara após o segundo ano de vida. Corresponde, em linhas gerais, à sífilis terciária do adulto, por se caracterizar por lesões gomosas ou de esclerose delimitada a um órgão ou a pequeno número de órgãos: fronte olímpica, mandíbula curva, arco palatino elevado, dentes de Hutchinson, nariz em sela e tíbia em lâmina de sabre.
Diagnóstico:
Clínico, epidemiológico e laboratorial. A identificação do Treponema pallidum confirma o diagnóstico. A microscopia de campo escuro é a maneira mais rápida e eficaz para a observação do treponema, que se apresenta móvel.
O diagnóstico sorológico baseia-se fundamentalmente em reações não treponêmicas ou cardiolipínicas e reações treponêmicas. A prova de escolha na rotina é a reação de VDRL, que é uma microaglutinação que utiliza a cardiolipina. O resultado é dado em diluições, e esse é o método rotineiro de acompanhamento da resposta terapêutica, pois nota-se uma redução progressiva dos títulos. Sua desvantagem é a baixa especificidade, havendo reações falso-positivas.
Rotineiramente, é utilizado o FTA-abs, que tem alta sensibilidade e especificidade, sendo o primeiro a positivar na infecção.
O comprometimento do sistema nervoso é comprovado pelo exame do líquor, podendo ser encontradas pleocitose, hiperproteinorraquia e a positividade das reações sorológicas.
O RX de ossos longos é muito útil como apoio ao diagnóstico da sífilis congênita.
Tratamento:
– Sífilis primária, secundária e latente precoce: penicilina G benzatina, 2.400.000UI, IM, dose única (1.200.000UI em cada glúteo);
– Sífilis terciária e latente tardia: penicilina G benzatina, 2.400.000UI, IM, 1 vez por semana, 3 semanas (dose total 7.200.000UI).
– Sífilis congênita no período neonatal: para todos os casos, toda gestante terá VDRL à admissão hospitalar ou imediatamente após o parto; todo recém-nascido cuja mãe tenha sorologia positiva para sífilis deverá ter VDRL de sangue periférico.
– Recém-nascidos de mães com sífilis não tratada ou inadequadamente tratada (terapia não penicilínica, ou penicilínica incompleta, ou tratamento penicilínico dentro dos 30 dias anteriores ao parto): Independentemente do resultado do VDRL do recém-nascido, realizar RX de ossos longos, punção lombar (se for impossível, tratar o caso como neurosífilis) e outros exames quando clinicamente indicados; se houver alterações clínicas e/ou sorológicas e/ou radiológicas, o tratamento deverá ser feito com penicilina cristalina na dose de 100.000U/kg/dia, IV, em 2 ou 3 vezes, dependendo da idade, por 7 a 10 dias; ou penicilina G procaína, 50.000U/kg, IM, por 10 dias; se houver alteração liquórica, prolongar o tratamento por 14 dias com penicilina G cristalina na dose de 150.000U/kg/dia, IV, em 2 ou 3 vezes, dependendo da idade; senão houver alterações clínicas, radiológicas, liquóricas e a sorologia for negativa no recém-nascido, deverá proceder ao tratamento com penicilina benzatina, IM, na dose única de 50.000U/kg. Acompanhamento clínico e com VDRL (1 e 3 meses).
– Recém-nascidos de mães adequadamente tratadas – VDRL em sangue periférico do RN; se for reagente ou na presença de alterações clínicas, realizar RX de ossos longos e punção lombar. Se houver alterações clínicas e/ou radiológicas, tratar com penicilina cristalina, na dose de 100.000U/kg/dia, IV, em 2 ou 3 vezes, dependendo da idade, por 7 a 10 dias; ou penicilina G procaína, 50.000U/kg, IM, por 10 dias; se a sorologia (VDRL) do recém-nascido for 4 vezes maior (ou seja 2 diluições) que a da mãe, tratar com penicilina cristalina na dose de 100.000U/kg/dia, IV, em 2 ou 3 vezes, dependendo da idade, por 7 a 10 dias, ou penicilina G procaína, 50.000U/kg IM, por 10 dias; se houver alteração liquórica, prolongar o tratamento por 14 dias com penicilina G cristalina, na dose de 150.000U/kg/dia, IV, em 2 ou 3 vezes, dependendo da idade; se não houver alterações clínicas, radiológicas, liquóricas e a sorologia for negativa no recém nascido, acompanhar o paciente, mas na impossibilidade, tratar com penicilina benzatina, IM, na dose única de 50.000U/kg.
OBS: Reação de Jarisch-Herxheimer: febre com exacerbação das lesões cutâneas que pode surgir após primeira dose de penicilina. É de involução espontânea e não se deve interromper o tratamento. Não significa hipersensibilidade à droga.
OBS: Pacientes alérgicos à penicilina podem ser dessensibilizados ou então receberem tratamento com tetraciclina ou eritromicina 500 mg VO, de 6/6 h por 15 ou 30 dias, respectivamente para a sífilis recente e tardia. Pode-se ainda utilizar doxiciclina, 100 mg, VO, de 12/12 horas. As gestantes devem ser dessensibilizadas.
OBS: No caso de interrupção por mais de 1 dia de tratamento, o mesmo deverá ser reiniciado. Em todas as crianças sintomáticas, deverá ser efetuado exame oftalmológico (fundo de olho).
Seguimento:
– Ambulatorial mensal: realizar VDRL com 1, 3, 6, 12, 18 e 24 meses, interrompendo quando negativar; diante das elevações de títulos sorológicos ou não-negativação desses até os 18 meses, reinvestigar o paciente.
– Sífilis congênita após o período neonatal: Fazer o exame do LCR e iniciar o tratamento com penicilina G cristalina, 100.000 a 150.000 U/kg/dia, administrada a cada 4 a 6 horas, durante 10 a 14 dias.
– Sífilis e aids – A associação de sífilis e aids é atualmente relatada. De acordo com o grupo social, essa associação pode ocorrer em 25% dos doentes. Na maioria dos doentes com sífilis e infecção pelo HIV, as lesões ulcerosas são mais numerosas e extensas, com fácil sangramento e tempo de cicatrização maior, sugerindo um quadro que ocorria no passado, denominado de sífilis maligna precoce. Os títulos sorológicos pelo VDRL são, em média, mais elevados nos doentes co-infectados pelo HIV.
ATENÇÃO: A sífilis congênita é doença de notificação compulsória e de investigação obrigatória.
Diagnóstico diferencial:
– Cancro primário: Cancro mole, herpes genital, linfogranuloma venéreo e donovanose.
– Lesões cutâneas na sífilis secundária: Sarampo, rubéola, hanseníase wirchoviana e colagenoses.
– Sífilis tardia: Se diferencia de acordo com as manifestações de cada indivíduo.
– Sífilis congênita: Outras infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes).