Um grande receio da equipe de saúde com os pacientes hospitalizados, principalmente os mais críticos, é o aparecimento das temidas úlceras de pressão. Essas lesões de pele ocorrem, geralmente, sobre uma proeminência óssea – os locais mais comuns são as proeminências isquiáticas, sacrococcígea, trocantérica, calcânea e nos maléolos laterais – devido à pressão ou a um somatório de pressão e força de cisalhamento, e atrito do corpo do paciente com a superfície; ou seja, a nossa atenção deve triplicar nos pacientes restritos ao leito!
Como as lesões acontecem?
As lesões por pressão são decorrentes de fatores extrínsecos e intrínsecos, que geram isquemia tecidual e compressão; dentre os fatores extrínsecos, a pressão tem papel fundamental – a pressão arteriolar é cerca de 32mmHg, enquanto alguns colchões fornecem pressões sobre a superfície corpórea de mais de 60mmHg! Além disso, o atrito também é um fator extrínseco que contribui para o surgimento dessas lesões como um fator complementar, lesando tecidos superficiais ao “arrastar” a pele na superfície; já o cisalhamento ocorre quando há atrito e lesão de tecidos mais profundos, sendo também um fator extrínseco fundamental no surgimento das lesões por pressão. A umidade (por presença de suor, urina e fezes) também tem um papel complementar na fisiopatologia, sendo um componente extrínseco que macera a pele, tornando a superfície predisponente a lesões. Dentre os fatores intrínsecos, ou seja, aqueles relacionados às características do paciente, a idade, o peso (importante lembrar que tanto pacientes emagrecidos – proeminência óssea mais exposta e desnutrição – quanto obesos – maior pressão exercida na superfície – apresentam riscos) e o estado nutricional têm influência na propensão ao aparecimento das lesões; o fator mais importante identificado é a imobilidade, muito comum em pacientes com síndrome demencial e em pós-operatórios. Outros fatores intrínsecos responsáveis pela fisiopatologia das úlceras de pressão são: doenças neurológicas (síndromes demenciais, perdas sensoriais – como no diabetes, por exemplo – e contraturas musculares), déficits vasculares com redução da perfusão tecidual (hipovolemia, hipotensão, insuficiência venosa, vasoconstrição), presença de incontinência (que deixam o paciente mais sujeito à umidade) e determinados medicamentos, como sedativos (geram imobilidade), drogas vasoativas (promovem déficit vascular) e quimioterápicos. Ao unir esses fatores, os pacientes mais susceptíveis começam a ter maior índice de pressão sobre os tecidos; a pressão é exercida em forma de cone, ou seja, os tecidos mais profundos são mais sujeitos à lesão por receberem maior pressão – com isso, a lesão tem início “de dentro para fora” e, assim, quando aparece na superfície, ela já se inicia no seu estágio final de classificação.
Como identificar e classificar?
Existem algumas escalas para mensurar o risco de desenvolver lesões por pressão, como a Escala de Braden – única escala validada para o Português, com sensibilidade em torno de 70-90% – que avalia percepção sensorial, umidade, atividade e mobilidade, estado nutricional e presença de fricção ou cisalhamento, em que cada item é pontuado de 1 a 4; o risco é considerado leve/brando quando o somatório é igual a 15 ou 16, risco moderado se somar de 12 a 14 pontos, e risco grave/severo quando a soma é inferior a 11 pontos. A anamnese e o exame físico continuam sendo os principais instrumentos para identificar riscos e avaliar os pacientes, pontuando história de feridas prévias, evolução da ferida atual (se houver), associada a uma boa descrição da lesão, identificando sinais infecciosos. Uma boa dica é fotografar a lesão desde a sua identificação para, assim, acompanhar sua evolução com o tratamento instituído.
As lesões por pressão podem ser classificadas em: estágios 1, 2, 3 e 4, suspeita de lesão tissular profunda e lesões inclassificáveis. Nas lesões estágio 1, a pele está intacta, apresentando hiperemia não branqueável (lesões que se tornam brancas à digitopressão não são características de lesão por pressão, mas de hiperreatividade vascular local) em uma determinada área; em pacientes com pele negra, deve-se procurar por sinais secundários como calor, edema ou endurecimento loca. Coloração arroxeada ou amarronzada não são incluídas na classificação de estágio 1, pois podem indicar lesões de tecidos mais profundos. No estágio 2, há perda parcial da espessura da derme, se apresentando, geralmente, como uma úlcera superficial, ou ainda como uma bolha (normalmente preenchida por conteúdo seroso) ou abrasão; não há escaras, esfacelo ou tecido de granulação, sendo o leito da lesão de coloração vermelho-pálido. No estágio 3, há perda da derme totalmente e o subcutâneo pode estar visível, sem exposição de outros tecidos (ósseo, tendão ou músculo); nessa classificação, podem estar presentes a escara e o esfacelo, descolamento e a tunelização da lesão, sem que isso prejudique a identificação da profundidade. Na classificação estágio 4, ocorre a perda total da espessura tecidual com exposição de tecido ósseo, músculo e tendão; há grande risco de osteomielite e há presença de esfacelo ou escara (em locais onde o tecido adiposo é escasso, a lesão pode ser superficial. A classificação de suspeita de lesão tissular profunda é para lesões com pele intacta, porém com coloração arroxeada ou castanha, ou com presença de bolha de conteúdo sanguinolento; nessas lesões, a evolução é geralmente rápida e pode ser difícil identificar em pacientes com pele escura. As úlceras inclassificáveis têm perda total de tecido, mas está coberta por esfacelo ou há a presença de escara no leito da lesão, e, assim, a profundidade real não pode ser determinada até que essa cobertura de esfacelo e/ou escara seja removida.
Qual o melhor tratamento?
Uma vez presentes, o cuidado de tratamento com as lesões por pressão envolvem o controle de sintomas, melhora do estado nutricional, cuidado com o leito da ferida e, sempre, continuidade das medidas preventivas. O principal sintoma a ser controlado é a dor, podendo ser utilizados analgésicos simples ou opioides; para sangramento, o alginato pode ser utilizado como controle, e em casos de prurido, deve-se manter a pele hidratada e pode ser utilizado corticoide tópico, se necessário. Algumas feridas podem apresentar odor fétido e, para isso, pode ser utilizado metronidazol tópico na troca do curativo. A presença de um nutricionista é essencial para a melhoria das lesões, fornecendo ingesta hídrica adequada (cerca de 900mL dia para idosos) e mantendo ingesta calórica diária em torno de 30kcal/kg e ingesta proteica entre 1,2 e 1,5g/kg/dia – a suplementação proteica não tem evidência no tratamento de lesões por pressão, se a ingesta padrão estiver adequada. A abordagem específica da lesão é descrita como o mnemônico TIME: Tissue (tecido), Infection (infecção), Moisture balance (controle de umidade) e Edge of wound (avaliação da borda da lesão). A abordagem T envolve a avaliação e a remoção de corpos estranhos ou tecidos desvitalizados (por método de desbridamento mecânico ou químico), evitando o crescimento de bactéricas e melhorando a cicatrização – ao preparar o leito da lesão, estamos otimizando a regeneração tissular e o funcionamento das medicações e coberturas usadas nos curativos; além disso, a lavagem da ferida com solução salina também é importante, pois remove material desvitalizado e reduz carga bacteriana. Na abordagem I, vemos a necessidade do uso tópico e/ou sistêmico de antibióticos; sua indicação é para controle de colonização bacteriana crítica, ou seja, multiplicação bacteriana que interrompe o processo de cicatrização e promove dano tecidual – se houver biofilme na lesão, o desbridamento cirúrgico ou químico é essencial. No preparo M, o objetivo é manter a umidade ideal, com avaliação da etiologia e o controle do exsudato da ferida; a escolha da cobertura do curativo vai depender da quantidade de secreção que a ferida apresenta, do estágio da lesão, da presença ou não de infecção e de tecido necrótico, além do preço e da praticidade do uso. A oxigenioterapia hiperbárica pode beneficiar alguns tipos de feridas, por alterar as condições locais de hipóxia, facilitando a proliferação de fibroblastos e a cicatrização, porém não há evidências suficientes para indicar seu uso de rotina. Na abordagem E, deve ser feita a avaliação das bordas da ferida e o estado de preservação da pele ao redor, para escolher métodos que facilitem a migração epitelial e ajudem na cicatrização, incluindo a avaliação da necessidade de enxertos.
Como prevenir?
A prevenção das lesões por pressão é uma preocupação constante nos hospitais e instituições de longa permanência. As atitudes principais envolvem o reposicionamento do paciente restrito, estímulo à mobilização, cuidados com a pele e a utilização de superfícies de suporte. Reposicionar o paciente é primordial para prevenir lesões, assim como manter a cabeceira do leito elevada e utilizar travesseiros sob as pernas (elevando os calcanhares) ou entre os tornozelos e joelhos (reduzindo o contato entre as proeminências ósseas); isso faz com que o componente de pressão seja reduzido, mantendo, assim, a microcirculação e evitando a isquemia tecidual. Apesar da grande prática clínica, com mudança de decúbito a cada 2 horas em pacientes acamados, e a cada 1 hora para pacientes cadeirantes, ainda não existem evidências com estudos randomizados e controlados para apoiar a eficácia dessa prática e sugerir protocolos clínicos embasados. As superfícies de suporte podem ser utilizadas tanto para pacientes cadeirantes, como as almofadas de assento total (almofadas em rosca NÃO devem ser usadas pois aumentam o ponto de pressão nas áreas de apoio), quanto para pacientes restritos ao leito, como tipos de colchão diferenciados (colchão pneumático, colchão de água). Os cuidados com a pele consistem em manter a pele limpa, sem umidade e bem hidratada, evitando banho com água muito quente e massagens em proeminências ósseas; para pacientes acamados, pode ser utilizadas loções hidratantes com ácidos graxos para reduzir fricção. Além disso, para os pacientes que podem, a deambulação deve sempre ser estimulada, e as medicações que contribuem para a imobilidade, se possível, devem ser retiradas; para os pacientes imobilizados, é importante realizar acompanhamento com fisioterapia.
As lesões devem ser avaliadas periodicamente, medidas e, se possível, fotografadas, para acompanhar a evolução e auxiliar no seguimento terapêutico. É sempre importante lembrar das medidas preventivas! Atenção ao cuidado com a pele… Mobilização precoce e bom estado nutricional evitam que o paciente desenvolva as lesões. A observação dos fatores de risco deve ser responsabilidade de toda a equipe de saúde!