Introdução: Você provavelmente já deve ter ouvido falar na manobra de Valsalva, aquela manobra que é bastante usada em semiologia e também em outras matérias. Mas você já parou para pensar em quem motivou o nome dessa manobra?! Epônimos eram muito usados dentro da Medicina para dar nomes a elementos da anatomia humana, ou manobras e achados semiológicos, que foram descobertos por figuras públicas. No caso da manobra de Valsalva, seu “criador” foi Antônio Maria Valsalva.
Biografia: Antônio Maria Valsalva foi um médico italiano ,nascido no dia 17 de junho de 1666, na Itália. Seu pai, Sr. Pompeo Pini, junto com sua mãe Catarina Tosi, tiveram oito filhos, sendo Antônio o terceiro da linha de sucessão. O médico descobre seu amor pela Medicina ao adquirir seus conhecimentos sobre a humanidade e noções da morfologia dos animais. Foi aí que descobriu o seu interesse pela área da saúde e despertou-se a vontade de se tornar médico. Com isso, estava decidido a mudar de cidade e prestar o vestibular para ingresso em Medicina na Universidade de Bologna, na Itália.
Seu percurso durante os longos anos da faculdade de medicina se tornaram mais leves com a ajuda de brilhantes professores, entre eles o professor Malpighi, o mesmo que descobriu os túbulos de Malpighi em insetos, e que foi um dos grandes contribuintes por aumentar o amor de Valsalva pela anatomia humana.
Em 1687, recebeu o seu tão sonhado diploma em Medicina, conquistado no auge de seus 21 anos. Logo em seus primeiros anos de formado, começou a trabalhar. Era um momento em que a peste assolava toda a região da Bologna e a ajuda dos médicos estava sendo essencial no tratamento dos indivíduos. E foi por toda a ajuda prestada para com a saúde da cidade, que foi nomeado Inspetor Público de Saúde. Como em tudo que fazia, Antônio teve um grande destaque no cargo e foi fazendo seu nome dentro do ramo da Medicina e saúde pública. E isso foi evidenciado quando uma doença grave tomou conta do castelo do Rei, e Antônio foi o nomeado da realeza para ajudar na contenção da epidemia.
No ano de 1709, Antônio Valsalva se apaixona por Elena Lisi, uma jovem de apenas 17 anos e se une em matrimônio com 43 anos. Frutos dessa união, nasceram 6 filhos que, por infelicidade, perderam os seus 3 irmãos logo em sua infância e adolescência.
Antônio começou a apresentar problemas sérios de saúde, perdendo o olfato e tendo suas atividades de vida diária reduzidas. Foi quando em uma tarde do ano de 1721 que o querido médico sofreu um Acidente Vascular Encefálico, também chamado de apoplexia naquela época, e veio a falecer. Seu corpo está sepultado na igreja de San Giovanni, em Bologna.
Contribuições para a Medicina: Antônio publicou diversas pesquisas dentro da saúde, porém algumas se destacaram e aumentaram a popularidade do médico. A pesquisa em que ele mais se destacou foi a obra “De aure humana tractalus”, que foi publicada no ano de 1704. Foi nessa obra que ele descreveu suas experiências com quase 10 mil cadáveres dissecados. Antônio foi o primeiro médico italiano a descrever a anatomia e a fisiologia do aparelho auditivo com tamanhos detalhes. Além disso, foi o primeiro a dividir o ouvido em seus segmentos externo, médio e interno. Ele também foi reconhecido por suas contribuições na psiquiatria, sendo um dos primeiros médicos a abordar e implementar o tratamento humanitário para os doentes psiquiátricos.
A manobra de Valsalva: Essa manobra teve como seu objetivo inicial a remoção de corpos estranhos do ouvido de pacientes, além de remover a supuração presente no ouvido médio. Essa manobra aumentava a pressão no interior das tubas auditivas, eliminando quaisquer obstruções que por ventura podiam estar ali presentes, melhorando a queixa de hipoacusia dos pacientes. Outra aplicação dessa manobra foi com a equipe de cirurgia, quando passaram a utilizar a técnica para identificação de hérnias da parede abdominal e em outras alterações da circulação venosa, como, por exemplo, a varicocele.
Com o passar dos anos, a manobra foi sendo adaptada para utilização dentro da cardiologia, como uma maneira de identificar a insuficiência cardíaca do lado esquerdo do coração, e também com o objetivo de avaliar os sopros cardíacos. A medida que os pacientes realizam uma expiração com a glote e as narinas fechadas, há um aumento da pressão intratorácica que irá refletir na pressão arterial sistólica, promovendo também a interrupção do fluxo sanguíneo. Os achados do exame físico foram classificados como típicos de uma cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva, que é uma doença proveniente do músculo cardíaco, em que ocorre um processo de hipertrofia desse músculo. A princípio, não existe uma causa óbvia para que isso ocorra, e é atualmente a principal causa de arritmias ventriculares em pacientes jovens e praticantes de atividades físicas de alto impacto, como por exemplo atletas.
A manobra foi dividida em 4 etapas, conhecidas como: início da cepa, cepa contínua, liberação e fase de recuperação. Quando o paciente promove a expiração contra uma superfície fechada (dorso das mãos, por exemplo, ou através de tosse e espirros) durante 10 a 20 segundos em média, e ocorre um aumento da pressão intratorácica, aumentando por consequência a pressão arterial sistólica, pois nessa fase (fase de início da cepa) há uma compressão da aorta. Após esse primeiro momento, irá ocorrer uma diminuição do retorno venoso e essa pressão arterial sistólica vai diminuindo, chegando a níveis que atingem abaixo da linha de base. Todavia, embora a pressão arterial sistólica sofra uma queda, a pressão intratorácica se mantém elevada, caracterizando a segunda fase da manobra, que é a fase de cepa contínua. Já nas fases em que ocorre a liberação e de recuperação são, nada mais nada menos, que uma resposta fisiológica do organismo humano, visando compensar toda a alteração de pressão sofrida. Na fase de liberação, ocorre a normalização da pressão arterial, assim como da pressão intratorácica, enquanto na fase de recuperação o organismo irá ativar o sistema nervoso simpático, aumentando o débito cardíaco e a vasoconstrição periférica, aumentando, assim, a pressão arterial desse paciente, fenômeno esse que é conhecido como overshoot.
Utilidades da manobra: Na interpretação da manobra de Valsalva, podem ser observados dois sinais sugestivos da lesão miocárdica. Um deles é a resposta em square-wave, caracterizada pela manutenção da pressão arterial dos pacientes durante a fase de cepa contínua, momento este em que a pressão arterial deveria sofrer uma diminuição em indivíduos normais fisiologicamente. O outro achado característico dos pacientes com insuficiência cardíaca é a ausência desse overshoot.
Todavia, sua contribuição mesmo com essa manobra é na distinção dos sopros cardíacos de origem do lado direito do coração. Os que são provenientes desse lado podem ser auscultados mais precoce quando a manobra é realizada, principalmente na fase de recuperação. Já os sopros que são advindos do lado esquerdo do coração podem ser auscultados em um momento mais tardio da fase de recuperação.
Por outro lado, em pacientes com estenose mitral e aórtica, pericardite e comunicação interatrial essa interpretação é diferente. Podemos encontrar a resposta em square-root ou até mesmo a ausência do overshoot na fase de recuperação.
Outra grande importância da manobra é na capacidade de interromper o sopro de pacientes com taquicardia paroxística supraventricular, ou até mesmo casos de taquicardia ventricular, além de auxiliar no diagnóstico da síndrome do intervalo QT longo.
A manobra poderá também promover um bloqueio de ramo direito durante as fases de cepa contínua e de recuperação. E também atua nas coagulopatias, aumentando o fator de coagulação número 8 em pacientes diagnosticados com a doença de Von Willebrand.
Conclusão: Antônio Maria Valsalva dedicou toda a sua vida estudando medicina, ajudando assim no diagnóstico de várias patologias e também na compreensão da anatomia, fisiologia e fisiopatologia de determinadas condições que acometeram os indivíduos naquela época. Foi filho, irmão, marido, pai e, acima de tudo, médico.