A amigdalite é uma infecção das amígdalas, também conhecidas como tonsilas. As tonsilas são formadas por coleção de tecidos linfóides e se situam uma de cada lado entre os intervalos dos arcos palatinos. Não ocupam todo o espaço da fossa tonsilar, que é composta pelos arcos palatoglosso e palatofaríngeo. As amigdalites são contagiosas, transmitidas através do contato com gotículas respiratórias de um indivíduo portador, sendo comum acontecerem múltiplos casos, quase que simultâneos, em locais fechados e de aglomeração, como por exemplo creches e escolas.
Agora vamos analisar dois casos diferentes que chegaram em uma UPA no mesmo dia:
Caso 1: Paciente de 5 anos, do sexo masculino, com “dor de garganta”, febre e tosse há dois dias. Calendário vacinal em dia, inclusive reforços, segundo mãe. Ao exame: criança em estado geral regular, corada, hidratada, acianótica, anictérica. Múltiplos espirros durante exame e eliminação de coriza clara abundante. Sinais vitais: FR=24 irpm, FC: 90 bpm, PA: 90/60 mmHg e Tax: 38,5 ºC. Adenomegalia cervical bilateral, não dolorosa, orofaringe apresentando hiperemia generalizada, amígdalas palatinas edemaciadas.
Estamos diante de uma amigdalite de etiologia viral. Os vírus são a etiologia mais comum nos casos de amigdalite e faringite (muitas vezes associada a amigdalite), em geral estando associados a quadros virais prévios ou concomitantes. Os Rinovírus são responsáveis por 20% dos casos. Mas coronavirus, virus influenza,vírus parainfluenza, HSV, Coxsackievírus, EBV e HIV são causas virais importantes, em que a amigdalite é mais um dos comemorativos destes casos.
Caso 2: Paciente de 7 anos, do sexo feminino, com “dor de garganta” e febre “alta” há dois dias. Nega tosse, espirro ou coriza. Calendário vacinal em dia, inclusive reforços, segundo mãe. Ao exame: criança em estado geral regular, um pouco prostrada, corada, hidratada, acianótica, anictérica. Sinais vitais: FR=22 irpm, FC: 90 bpm, PA: 100/70 mmHg e Tax: 39,1 ºC. Adenomegalia cervical proeminente à esquerda, sensível e dolorosa à palpação, orofaringe apresentando petéquias no palato, amígdalas palatinas edemaciadas, com exsudato esbranquiçado sobre amígdala esquerda.
Nesse caso estamos diante de uma amigdalite de provável etiologia bacteriana. Os estreptococos do grupo A são responsáveis por entre 20 e 40% das amigdalites bacterianas em crianças, sendo raras em crianças com menos de 3 anos.
Agora vamos falar separadamente sobre sinais e sintomas, diagnóstico, tratamento, possíveis complicações e prognóstico das amigdalites virais e bacterianas.
Amigdalites virais
Sinais e sintomas
- Em geral o paciente apresenta febre, em torno de 38, 39ºC;
- Odinofagia, pode referir dificuldade para engolir;
- Cefaléia pode estar associada;
- Diarréia;
- Pode ser acompanhada por tosse, rouquidão, conjuntivite, coriza, que são sintomas que nos encaminham para a etiologia viral.
Diagnóstico
É feito com base no exame físico e considerando a anamnese.
O tempo de evolução dos sintomas descritos acima, em geral fica em torno de 1 a 3 dias.
No exame físico a hiperemia das tonsilas, muitas vezes acompanhada também da hiperemia de faringe e a ausência de placas purulentas, são achados que nos permitem caminhar para o diagnóstico de amigdalite viral.
Importante sempre perguntar sobre calendário vacinal, visto que existem numerosas etiologias que acometem a orofaringe, com prognósticos piores que amigdalites por rinovírus ou outros vírus.
Lembrando que exames de imagem e laboratoriais são desnecessários nessa situação.
Tratamento
O tratamento é feito com base em sintomáticos, visto que a amigdalite viral é uma infecção autolimitada que costuma se resolver em torno de 3 a 5 dias. Para alívio dos sintomas devemos prescrever antitérmicos, antiinflamatórios e analgésicos para esses pacientes. Caso vômito esteja associado, é necessário recomendar a ingestão hídrica, e em situações com muitos episódios um antiemético pode ser prescrito também.
Possíveis complicações das amigdalites virais
A crupe ou laringotraqueobronquite é uma complicação importante, apesar de ser mais comum em crianças de 6 meses a 3 anos. É caracterizada por rouquidão, estridor respiratório e tosse estridente.
Prognóstico
É excelente, na maioria dos casos se resolve em 3 a 5 dias, sendo necessário somente o manejo sintomático.
Amigdalites bacterianas
Sinais e sintomas
- Em geral o paciente apresenta febre, podendo ter calafrios e chegar a temperaturas mais altas, como 40 ºC ;
- Odinofagia, pode referir dificuldade para engolir;
- Adenopatia cervical anterior;
- Exsudato nas tonsilas;
- Cefaléia pode estar associada;
- Em crianças mais novas é comum estar associada a dor abdominal e vômitos;
- Prostração intensa também é comum.
Diagnóstico
O padrão ouro é a cultura de amostras da orofaringe.
Há a possibilidade de ser usado um kit de diagnóstico rápido ou o imunoensaio enzimático das amostras de swab.
Apesar disso, na prática médica em emergências e ambulatórios é muito raro serem utilizados esses métodos diagnósticos ideais.
O que se vê é a avaliação clínica com exame físico, sendo auxiliada pela história patológica prévia recente e por um hemograma em busca de leucocitose com desvio à esquerda.
Em geral, quando se tem infecção urinária associada e otite média aguda em crianças menores, é feito o tratamento empírico para amigdalite bacteriana por streptococcus do grupo A.
Tratamento
É feito com o uso de antibióticos que atuam sobre bactérias gram positivas (EGA).
São eles:
- Penicilina G Benzatina (Benzetacil®): 1.200.000 UI intramuscular dose única. Para crianças com peso menor que 27 kg devem ser feitas 600.000 UI intramuscular dose única;
- Penicilina V: 250 mg via oral três vezes ao dia durante 10 dias ( peso < 27 kg) ou 500 mg via oral duas vezes ao dia durante 10 dias;
- A eritromicina e a azitromicina podem ser alternativas em casos de alergia às penicilinas.
Possíveis complicações das amigdalites bacterianas
Com a terapia antimicrobiana disseminada, as complicações foram amplamente reduzidas.
Apesar disso elas ainda se fazem presentes, principalmente em países com cobertura de saúde ineficaz.
Ocorrem devido à disseminação bacteriana por meio da faringe para tecidos linfáticos, via hematogênica ou extensão direta.
Linfadenite cervical, abscesso periamigdaliano, rinossinusite, otite média, meningite, bacteremia, pneumonia, endocardite, infecções urinárias podem ocorrer.
A complicação mais temida e principal motivo de se tratar as amigdalites como bacterianas, mesmo sem o diagnóstico confirmado, é a Febre Reumática. Outra complicação importante é a glomerulonefrite pós estreptocócica. Ambas são complicações não supurativas e serão abordadas a seguir separadamente.
Febre Reumática
Os mecanismos que geram essa patologia ainda não foram totalmente elucidados, mas sabe-se que a faringite estreptocócica é um pré-requisito.
Estudos indicam que a resposta imune aos estreptococos geram as repercussões clínicas típicas da febre reumática.
Os critérios de Jones são utilizados para diagnosticar a febre reumática e são divididos em critérios maiores e critérios menores.
São critérios maiores: cardite, poliartrite, coréia de Sydenham, nódulos subcutâneos e eritema marginado.
São critérios menores: febre, artralgia, elevação dos reagentes de fase aguda (VHS, PCR), intervalo PR prolongado no ECG.
O diagnóstico é fechado se estiverem presentes 2 critérios maiores ou 1 critério maior e 2 critérios menores, associados a evidência de infecção por streptococcus do grupo A por meio de cultura de orofaringe, teste rápido para EBGA e elevação dos títulos de anticorpos (ASLO).
A principal sequela da febre reumática é a estenose de válvula mitral, mas podem ocorrer casos de estenose de válvula aórtica.
Ao ser diagnosticada a febre reumática, deve ser realizada profilaxia secundária com penicilina G benzatina, de 21 em 21 dias sendo a duração variável de acordo com a história da doença e idade.
Glomerulonefrite pós estreptocócica
Se apresenta como etiologia de uma síndrome nefrítica na faixa etária de 2 a 15 anos, sendo mais prevalente no sexo masculino (2h:1m).
Paciente apresenta hipertensão, edema, hematúria e oligúria.
Em relação a faringite, ocorre em geral uma semana depois da infecção por estreptococo. Mas também pode ser complicação de uma infecção de pele por EGA, como impetigo, nesse caso ocorrendo duas semanas após a infecção.
A detecção de altos níveis de anticorpo antiestreptolisina O é encontrada em 90% dos casos em que há faringite por EGA, sendo o teste indicado.
O tratamento é feito com restrição hidrossalina, furosemida, hidralazina e diálise se necessário. Os antibióticos não atuam no curso da doença, mas são prescritos para evitar transmissão, sendo uma medida epidemiológica.
Mais rara que as duas complicações acima, a PANDAS (Pediatric autoimmune neuropsychiatric disorders associated with streptococcal infections) é uma doença autoimune que cursa com transtorno obsessivo-compulsivo ou tics semelhantes à Coréia minor, aparecimento ou exacerbações abruptas, hiperatividade motora nas crises. O tratamento é neuropsiquiátrico e com uso de antibióticos nas crises.
Amigdalites Crônicas
É definida como dor de garganta por mais de três meses associada à inflamação. Pode apresentar também halitose, caseum nas criptas, eritema peritonsilar e adenopatia cervical persistente.
É causada por presença de flora bacteriana mista, frequentemente composta por anaeróbios, GAS e outros estreptococos. São encontrados biofilmes bacterianos nas criptas tonsilares, responsáveis pelo estado inflamatório persistente.
A amigdalectomia pode ser indicada em casos em que há manifestações sistêmicas recorrentes.
Os critérios de Paradise são usados para indicação de amigdalectomia em casos de faringoamigdalite recorrentes. São eles: sete episódios em um ano; cinco episódios por ano, em dois anos consecutivos; três episódios de infecção aguda, em três anos consecutivos.
Um diagnóstico diferencial importante é a PFAPA, uma síndrome caracterizada por febre periódica, estomatite, faringite e adenite cervical. É uma doença imunomediada considerada autolimitada e benigna.
Algumas faringoamigdalites específicas devem ser consideradas como diagnóstico diferencial ao abordar um paciente. São elas as decorrentes de: Difteria, Angina de Plaut-Vincent, Angina Luética-Sífilis, Faringite Gonocócica, Faringite Herpética, Herpangina, Câncer de Tonsila, Paracoccidioidomicose e Leishmaniose.
Por fim, o Escore de Centor modificado é uma ferramenta ótima para a prática médica, que nos orienta em quais situações tratar uma amigdalite com antibióticos ou não.
O tratamento com antibióticos é indicado sempre que a soma for de 3 ou 4 pontos. Se for 2 pontos, é necessário a realização de testes confirmatórios para tratar. Porém, como na nossa realidade prática é inviável realizar testes em todos os casos suspeitos, o indicado é tratar se apresentar 2 pontos e o paciente fizer parte de uma população de médio e alto risco.